sábado, 31 de julho de 2021

Dois contos de Gogol e o estranhamento

 

Eu com livro de Gogol e os dois usados
como referência neste texto

Como postei em 28 de julho: 

Antes, um comentário sobre a bela edição de Gogol : Trata-se de uma tradução original do russo por Gália e Otto Schneider, com ilustrações do alemão Erich Grandeit, edições Melhoramentos, coleção Novelas do Mundo,  no.7, sem data. 

edição que é uma jóia


Agora terminei a leitura do livrinho e gostaria de postar um comentário breve sobre cada um desses contos fantásticos.

Pensando na produção literária do escritor russo Nikolai Gógol (1821 - 81), o conto  "O Capote", publicado em 1842, desenha uma caricatura da burocrática sociedade russa de meados do século XX através da história do humilde e sem grande personalidade funcionário público Akaki Akakiévitch, que é bem pobre e precisa urgentemente de um capote novo ou arrumado, para enfretar o rigoroso inverno de São Peterburgo e a refinada crítica de Gógol aparece em momentos assim: 


De leitura fácil, carregada de humor negro, nesse conto temos desenhada uma caricatura da sociedade russa através de contornos sutis das diferenças sociais na exuberante cidade peterburguense, o que o levou a ser tomando  pelos próprios escritores russos como  Dostoiévski, Tolstói, etc, uma especie de precursor de toda tradição ficcional que marcou a história da literatura de nosso tempo. 

Apesar de ser um pouco grande para um conto, considero que seja mesmo um, pois toda a trama, sua problemática, desenvolvimento e final, gira em torno de um ponto bem específico: o vestuário de  Akaki Akakiévitch: o que ele veste representa o que ele é, roto, gasto, velho, motivo de chacota. O narrador, que não é onisciente e conversa o tempo todo com o leitor sobre o que sabe e o que não sabe ao certo na história que está contando, e quando narra as humilhações cotidianas sentidas pelo personagem resignado, que não é dono nem das próprias palavras, e, estranhamente,  vai descrevendo a surrada roupa como um duplo de seu dono:  

"O leitor precisa saber que  o velho capote de Akaki Akakiévitch (como ele próprio) também era alvo de toda sorte de zombaria por parte dos colegas, a tal ponto que, privando-o da nobre designação de capote, chamavam-no de bata. Na realidade esse capote era algo inteiramente singular; sua gola diminuía de ano para ano, servindo para remendar outras partes dêle. Os remendos não mostravam grande arte do alfaiate, pois eram toscos e feios." (p.19)

Já não podendo mais remendar seu capote, Akaki sabia que teria que dar um jeito de ter um novo e então, humildemente, procura ao alfaiate e encomenda um novo capote

Akaki Akakiévitch encontra o alfaiate.
Ilustração do alemão Erich Grandeit

É a partir da encomenda do novo capote, sua feitura e especialmente o resultado final, quando ele enfim fica pronto, que vão movimentar a trama. Como o conto é sucinto e eu não quero dar spoiler, paro de falar dele por aqui, mas não posso deixar de comentar, mesmo que por alto, que no final o narrador diz aos leitores que algo fantástico, algo que ele não pode explicar acontece e isso, talvez, seja uma introdução ao conto seguinte da edição, O nariz, que é todo construído no território do realismo fantástico que, como sabemos, não nasceu nem na América Latina, muito menos com o Gabo ... 

Escrito entre 1835 e 1836 o conto O nariz é um dos contos cómico-satíricos clássicos na literatura russa, e referência para o realismo fantástico e estudos sobre humor até hoje. Dividido em três partes que vou comentar ligeiramente aqui,

A primeira parte trata de quando em uma manhã, ao morder o pão recém assado pela esposa, o  barbeiro Ivan Iákovlevitch vai morder um pão caseiro e encontra um nariz. Mais que isso, um nariz conhecido, o do major Kovaliov, de quem tinha feio a barba na noite anterior. Como podia ser isso? Não havia sangue, e o pão estava assado,  O que faria com aquele nariz, além de deixá-lo em algum lugar antes que alguém descobrisse o fato inusitado? 

A segunda parte trata do espanto do vaidoso assessor graduado Major Kovaliov quando descobre, com perplexidade, que no lugar do seu nariz encontrava uma superfície  plana! Estava sem nariz!

Major Kovaliov sem nariz
Ilustração do alemão Erich Grandeit


 Muito intrigado, sai em busca do nariz com ajuda da policia e da imprensa em cenas engraçadíssimas, até encontrou um senhor de uniforme que não era outra coisa que não o seu nariz uniformizado!
Major Kovaliov encontra seu nariz com uniforme mais graduado que o seu.
Ilustração do alemão Erich Grandeit


E reage incrédulo:

"O pobre Kovaliov quase perdeu o juízo. Não sabia o que pensar de tão estranho acontecimento. Como era possível que o nariz, que ainda ontem fazia parte da sua cara, sem poder se locomover ou andar, estivesse  hoje de uniforme?" (p.70)

Não quero estragar a surpresa dessa deliciosa peça literária, por isso paro de falar do enredo aqui, mas não sem antes destacar que esse conto foi objeto de discussão e reflexão constante nas minhas pesquisas sobre humor e estranhamento e humor, para as quais usei como apoio o capítulo "Estranhamento", do livro "Olhos de Madeira: Nove reflexões sobre a distância", de Carlo Ginzburg ( Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Cia das Letras",  2001. e o ensaio "Dois narizes", da  escritora paulista Zulmira Ribeiro Tavares (In Região. São Paulo: Cia das Letras, 2012), onde ela experimenta uma comparação entre a obra de Gogol e parte da história da "Menina do narizinho arrebitado", de Monteiro Lobato. 

Tanto Ginzburg , quanto Zulmira tratam por estranhamento como toda ordem de inesperado dentro do cotidiano, do banal, aquele lapso, que na maioria das vezes resulta em comicidade e nos convida a olhar nosso mundo de outra forma.



terça-feira, 20 de julho de 2021

Passeio no parque Trianon

 

Cara de assustada, mas certeza de que dias melhores virão         

Depois de um ano e quatro meses de quarentena, na gelada tarde de 20 de julho de 2021 eu sai de ônibus e metrô para passear no Parque Trianon com meu grande amigo Rafael. Como se percebe na foto, eu estava um pouco assustada, mas foi tudo bem, não peguei ônibus nem metrô cheios e fez muito bem conversar com alguém ao vivo, de máscara e álcool em gel e bateu uma esperança de que um dia tudo volta ao quase normal.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A morte anunciada e uma história de amor

Quando chegou fazia frio e me abracei nele 


 Estava com duas longas biografias bacanas aqui pra ler - do Gabo e da Elza - mas embora sejam do meu interesse, sinto tanta falta de ficção, afinal eu estudei a questão da construção ficcional na escrita de G. Rosa, sei como ela é capaz de realçar pontos importantes da realidade que a gente nem sempre enxerga a olho nu. Daí que comprei "Crônica de uma morte anunciada" ()esse, que era uma das minhas faltas na obra do colombiano.

A premissa é bem simples: Depois de um casamento suntuoso como nunca havia acontecido no vilarejo, a noiva é devolvida à casa dos pais por não ser mais virgem e, relatando o nome daquele que a havia violado, cabe aos seu irmãos, dois gêmeos que trabalhavam como açougueiros, anunciarem a morte do violador. Na verdade, expectando a passagem do navio trazendo o bispo, que nem chegou a desembarcar no povoado, nada além do anuncio dessa morte disso acontece na trama e o mais impressionante é como Gabo consegue manter o livro de pé, mesmo quase sem acontecimentos.  

Quando cheguei perto da metade escrevi um depoimento :

Na verdade, nada acontece na trama, só alguns fios que ficaram soltos (deve ter mais de 50 personagens, mesmo com lista, muitas vezes fiquei confusa) que precisam encontrar um final. depois me acostumei com a dinâmica. Mas no começo eu não estava reconhecendo o Gabo que eu amo, o das grandes histórias de famílias, o dos grandes amores por anos, o do REALISMO MARAVILHOSO. Esse é bom, mas diferente, sei lá, parecia um livro do Jorge Amado (histórias que o povo conta), ou um mistério como se fosse algum da Agatha Christie, embora não houvesse mistério algum: há a morte, há os assassinos e as versões...o livro é uma ode às narrativas, uma bela crônica, no sentido de ser um

 Conjunto de notícias que circulam sobre pessoas

Ilustração da capa: a faca


E é exatamente isso o livro... tem cenas fortes do “trabalho” dos assassinos com as facas, afinal eram açougueiros, tem cenas engraçadas e misteriosas, mas tem ainda um dos momentos mais lindos.Agora, se você ainda vai ler o livro e não gostar de spoiler, pare de ler aqui porque vou falar de quando o meu velho Gabo apareceu na narrativa, se quiser ouça este tema tradicional colombiano  enquanto lê. 
 Foi quando Ângela Vicário, a noiva que teria sido deflorada pelo Santiago Nasser e por isso devolvida após a noite de núpcias, descobriu-se apaixonada pelo marido que havia perdido e o narrador nos conta que

“Bastava-lhe fechar os olhos para vê-lo, ouvia-o respirar no mar, o calor de seu corpo acordava-a à meia noite na cama.” (p.136-7)

Passou então a lhe escrever cartas, uma por semana, durante metade da vida, mas nunca obteve qualquer resposta, até que, prossegue o narrador:

"Certa madrugada de ventos, no décimo ano, acordou-a a certeza de que ele estava nu em sua cama. Escreveu-lhe então uma carta febril de vinte páginas e na qual deitou sem pudor as amargas verdades que guardava apodrecidas no coração desde a sua funesta noite. Falou-lhe das marcas eternas que ele havia deixado em seu corpo, do sal de sua língua, da trilha de fogo de sua verga africana. Entregou-a à funcionária do correio que, nas sextas feiras, à tarde, ia bordar com ela para levar as cartas, e convence-se de que aquele desabafo final seria mesmo o último de sua agonia. Mas não houve resposta. A partir de então já não tinha consciência do que escrevia nem a quem escrevia; continuou escrevendo sem quartel durante 17 anos.

Em um meio-dia de agosto, enquanto bordava com as amigas, sentiu que alguém chegava à sua porta. Não precisou olhar para saber quem era. “Estava gordo, o cabelo tinha começado a cair e já precisava de óculos para ver de perto”, disse-me. “Mas era ele, porra, era ele!” Assustou-se porque sabia que ele a estava vendo tão decaída como ela o via, e não acreditava que tivesse tanto amor como ela para se conformar. (...) Baynardo San Román deu um passo à frente, sem se preocupar com as outras bordadeiras atônitas, e pôs os alforjes na máquina.

-Bem - disse- aqui estou.

Levava a mala da roupa para ficar e outra igual COM QUASE DUAS MIL CARTAS que ela lhe escrevera. Estavam ordenadas por suas datas, em pacotes amarrados com fitas coloridas, e TODAS SEM ABRIR. "(p. 139-41)


 Podem me chamar de boba, mas achei tudo isso tão lindo, nó!

Um último comentário: a parte final do livro, o destino de Santiago Nasser,  é bonito e me lembrou um tanto o clima de  "Pedro Páramo", de Rulfo.

Gostei muito de ler o Gabo novamente, que autor sensacional, um autor da nossa época! Adoro!






terça-feira, 13 de julho de 2021

Um capítulo sobre Pedro Bloch

 


No Ebook “Diálogos Possíveis: História e Literatura em Perspectiva – Vol. 1 e 2”, organizados por Thiago Sampaio (Unesp) e Alex Rogério da Silva (ufscar)  e disponível gratuitamente em PDF,   saiu um um capítulo sobre pesquisa de pós doc intitulado 

  ANEDOTÁRIOS DE PEDRO BLOCH: UMA HISTÓRIA DE HUMOR, LIVROS E CRIANÇAS e você pode ler nas páginas 129-159 deste link.

Este texto  texto é um dos resultados da minha pesquisa de  pós-doutoramento em História Cultural do Humor intitulada "Anedotas infantis de Pedro Bloch: Narrativas de história
cultural do humor e da criança (1952 - 2002)", pela USP entre 2015,
2017.

É bem divertido, garanto ! 

domingo, 11 de julho de 2021

Salve os Irmãos Braunna ,os

 


Eu e minha mãe adorávamos  assistir "Canta comigo", que era sempre altíssimo nível, todo domingo chorava de emoção. Meus favoritos, esses irmãos maravilhosos, circenses, que cantaram músicas onde suas vozes se encaixavam perfeitamente e na final cantaram só essa beleza:


Votei muito  porque me representam e eles  venceram!  Vou sentir muita falta do programa. Meus parabéns e obrigada a todos e todas participantes, especialmente aos ganhadores !