domingo, 28 de novembro de 2021

III Congresso de Estudos da Infância: Movimentos, Limiares e Fronteiras 2021

 


Em novembro de 2021 começou  eu já estava exausta, como agora eu tenho treino de manhã, sabia que não ia dar para acompanhar tudo,  e o evento era muito grande, não dava mesmo  para acompanhar tudo,  mas ao final  deu tudo certo e acompanhei pelo menos uma mesa em cada um dos dias, comento um pouco aqui.

23 de novembro : Cerimônia de abertura

Logo na cerimônia de abertura tivemos três conferências interessantes, a primeira foi a tocante fala da professora Juliana Merçon (Universidad Veracruzana/México), sobre infâncias em situação de adoção (comentei, com traços pessoais, AQUI). Juliana, mãe adotiva de Michele, se emocionou muito na sua fala, e sabendo que ia se emocionar, pediu para falar em espanhol e ler um texto. E foi muito lindo. Ela fala sobre muitas questões, como a da institucionalização da adoção; os objetivos dela  (direito da criança a  ter uma família, de ser amada, de ter sua auto estima construída, etc). Por outro lado, fala sobre o acesso difícil da criança à sua "origem" biológica (parte que lhe foi negada, e que tantas vezes ela não se sente no direito de buscá-la, afinal ela já tem família...).

Em seguida tivemos a fala do professor Flávio Santiago IFMT USP, sobre infâncias na migração africana, pesquisa que, nas palavras delem "procura abordar o acolhimento e a inserção de crianças negras africanas no contexto  da educação infantil paulistana". O pesquisador conversou com pessoas nas creches  e recebeu pelo menos dois tipos de comentários. O primeiro foi das secretárias e funcionários administrativos, que traziam palavras duras, reforçando o imaginário ocidental sobre África como região pobre, suja (que fediam), sem cultura e tecnologia, o que foi contraposto a partir de uma mãe,  que aqui  era professora de francês, lecionou para jornalistas e cuja filha aluna falava francês e diversas línguas africanas, ensinava as outras crianças diversas canções africanas, o que era um compartilhamento cultural muito rico. Também nessa linha, o professor ouviu as professoras dessas crianças, que traziam outras informações que contribuíam para a quebra de estereótipos, como de que as crianças eram animadas, as roupas das mães eram coloridas, os turbantes muito alegres, as mães receptivas aos trabalho dos professores. os estereótipos, explicou o pesquisador, servem como justificativa para o preconceito contra os grupos imigrantes e, no caso, também o racismo e como ele existe na educação infantil, é nela que deve ser combatido. 

 A terceira e última apresentação foi da pesquisadora Jana Tabak UERJ, que tem um importante estudo sobre a militarização da infância, recebeu a seguinte pergunta de F.R.S.:

"​P/ Jana: Em favelas cariocas, a instituição PM investe em dias de lazer p/ crianças em batalhões. Seria um investimento em "formação de crianças soldadas" para "outras guerras"? Políticas de segurança?"
Jana disse que não tem respostas prontas, mas pontuou que o apontamento dessa realidade só mostra o quanto a militarização está presente na vida infantil, mais do que imaginamos e com isso acaba sendo legitimada! Discutir essas questões é fundamental para o Brasil atual, onde criança fazer arminha com a mão virou símbolo da nação. Que mundo é esse que nós estamos vivendo?!

24 de novembro : Mesa  sobre infância e música, com os seguintes trabalhos:*“CAMINHOS ENCANTADOS”: UMA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA EM DANÇA COM CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: Patrícia Gomes Pereira

*MÚSICA DE BRINQUEDO, PATO FU: O CONCEITO DE BRINQUEDO EM QUESTÃO: Camila Rodrigues

*MÚSICA INFANTIL: TRANÇANDO O TEMPO E ENTENDENDO A HISTÓRIA: Anderson Carmo de Carvalho, Andrea Rosana Fetzner, Maya Suemi Lemos

*LIBERDADE E EDUCAÇÃO: GESTO POÉTICO E POLÍTICO NO ENCONTRO DA MÚSICA, INFÂNCIA E DOCÊNCIA: Bianca de Oliveira Cardoso, Sandra Regina Simonis Richter

Foi uma mesa muito gostosa e apaixonante, com professores que trabalham diretamente com crianças, teve acolhimento, debate e trocas, Eu colo aqui o resumo da minha apresentação :

MÚSICA DE BRINQUEDO, PATO FU: O CONCEITO DE BRINQUEDO EM QUESTÃO

Palavras chave: Brinquedo, Infância, Música de brinquedo,Pato Fu,Teoria da canção

Música de Brinquedo, Pato Fu: o conceito de brinquedo em questão Camila Rodrigues 1 Resumo: Um utensílio para brincar, oferecido pelos adultos, só se torna um brinquedo depois de assumir novos significados através da brincadeira (BENJAMIN, 2002, p. 95-102), tornando-se “objeto específico da infância” (FANTIN; PIACENTINI, p. 67), pois é o resultado de um processo de subjetivação inaugurado nos primeiros tempos da vida (JARDIM, 2002, p. 09), mas que reaparece sempre que o ser humano brinca, não importa a idade (WINNICOTT, 1975).Para problematizar o papel do brinquedo escolhemos analisar o projeto, destinado ao público infantil, Música de Brinquedo, do grupo de rock brasileiro Pato Fu, constituído por um álbum (2010) gravado usando instrumentos de brinquedo e miniaturas, com arranjos compostos com a inserção de falas e cantos de criança e também de uma “paisagem sonora” (SCHAFER, 2001, p.11) infantil, ou seja um ambiente acústico formado pelos sons que a gurizada produz e ouve; e um DVD (2011) ao vivo, com a participação de bonecos do Teatro Giramundo (MG), no qual vemos os integrantes da banda curvando-se para tocar os delicados instrumentos de brincar infantis. O interessante projeto incita algumas indaçações sobre a conceituação de brinquedo: Em quais momentos aqueles instrumentos seriam brinquedos, ou “de brinquedo” (ficcionais)? Para crianças ou para adultos? Ainda que não cheguemos a conclusões definitivas, analisar esta fonte nos permite discutir a abrangência e os limites da utilização do brinquedo como instrumento de trabalho musical adulto e com isso adentrar os estudos sobre infância a partir da compreensão e articulação do conceito de brinquedo nas concepções de W. Benjamin e D. W. Winnicott; como também esboçar uma investigação metodológica mais atual, utilizada no campo interdisciplinar da Teoria da Canção (CORREA, 2016, p. 183), que é a da análise da performance artística (exame do repertório, criação, arranjos, apresentação do palco, etc.) do Pato Fu nesta proposta envolvendo o universo da criança. Palavras chave: Brinquedo; Infância; Música de brinquedo; Pato Fu; Teoria da canção.

FONTES

CD PATO FU, Música de brinquedo, Brasil, 2010.

DVD PATO FU Música de Brinquedo ao vivo, Brasil, 2011.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Brinquedos e jogos. Trad. Marcus Vinicius Mazzari. In: Reflexões sobre a         criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Editora 34, 2002, p. 95-102.

CORREA, Priscila Gomes.Nada me consola: cotidiano e cultura nas canções de Caetano Veloso e      Chico Buarque. Salvador: EDUNEB, 2016

FANTIN, Monica & PIACENTINI, Telma Anita. Museu do brinquedo como centro cultural. In:          LEITE, Maria Isabel & OSTETTO, Luciana Esmeralda. (orgs). Museu, educação e cultura:            Encontros de crianças e professores com a arte. Campinas: Papirus, 2005, p.55-72.

JARDIM, Claudia Santos. Brincar: um campo de subjetivação na infância. SãoPaulo:Annabl

ume;Fortaleza: Secult, 2002.

MACHADO, Silvia Ambrosis Pinheiro. Canção de ninar brasileira: Aproximações. São Paulo:            DUSP, 2017.

RODRIGUES, Camila.Escrevendo a lápis de cor: Infância e História na escritura de

Guimarães Rosa.São Paulo: Desconcertos Editora, 2021.

SCHAFER, Murray. Afinação do mundo. Trad. Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Ed. Unesp,

 2001.

WINNICOTT, D.W. O Brincar e a realidadeTrad. José Otávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre.            Rio de Janeiro: Imago.1975. 

__________________O Destino do objeto transicional. In: WINNICOTT, Clare. Explorações psicanalísticas : D.W. Winnicott/ Clare Winnicott, Ray Shpherd &Madaleine Davis.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994, p.44-8.

 Como não pude mostrar o Power Point, colo aqui os slides
















Só tenho a agradecer ter participado desse congresso 💓

25 de novembro : Mesa sobre protagonismo infantil na pré escola e Cerimônia de encerramento

Nesse dia eu consegui assistir à mesa de discussão "MANIFESTAÇÕES DO PROTAGONISMO INFANTIL NAS RODAS DE CONVERSA NA CRECHE", com Miriam Nogueira Duque Villar, Ana Rosa Costa Picanço Moreira, Andressa Lodron de Oliveira e foi aquela gostosura de ouvir experiências de professoras, falando sobre seu cotidiano junto às crianças na creche, sobre  como a fala e a escuta, nunca é algo dado à criança, mas ela logo percebe que tem que conquistar esse protagonismo. Sobre esses processos de negociação falaram belamente as professoras.

Depois, também nesse dia, tivemos as conferências de encerramento, dois palestrantes falaram sobre infância em contexto pandêmico e pós pandêmico.

Primeiro tivemos Patricia Redondo (UNLP, Argentina): Las fronteras de la desigualdad: infancia(s), educación y políticas, falando sobre quais projetos a América Latina pensa em construir na pós pandemia.

E o  professor Levindo Diniz (UFMG, Brasil): Infância e pandemia: escutar as crianças em contextos de crise, falando sobre um trabalho de enviar um questionário a  crianças sobre a pandemia na região metropolitana de BH em 2020, trazendo o que elas pensam sobre, seus medos, suas inseguranças, os aspectos bons e ruins da quarentena, num trabalho lindo que eu recomendo dar uma olhada no vídeo de encerramento que likei acima.

Como sempre, adorei esse congresso! 

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

"O avesso da pele", de Jéferson Tenório levou o Jabuti de melhor romance de 2021

 

Eu, depois que terminei de ler esse super livro


Algumas horas antes saiu o resultado E O GRITO QUE EU DEI! A  minha satisfação é inenarrável! A história do Hamlet negro, tão importante pra gente, trouxe o Jabuti pra nós, com Ogum entre os dedos! Torci tanto, quis ser representada por esse prêmio com esse livro maravilhoso, que realmente me deixou sem palavras esse ano. Publiquei em meados de setembro:


 Nós ganhamos desta vez! 

Mas preciso  lembrar que o livro não é só sobre racismo, é sobretudo um LOUVOR À LITERATURA, poder no qual o pai de Pedro sempre acreditou! É por essa crença, também, que esse livro é tão vencedor! 


Divulgação do prêmio na live da premiação 



Congresso de Estudos sobre Infância : Infâncias em situação de adoção

 


 Estou acompanhando como posso o congresso de estudos sobre infância, organizado pela UERJ , e está sendo muito importante. Ontem, na mesa na qual participei, teve troca, debate, acolhimento, mas principalmente muita paixão pelo tema por duas participantes que não são da área de pedagogia,  em especial, eu que sou historiadora e uma professora de dança da UFRJ, Patrícia Gomes Pereira. Sobre minha paixão, sei que é aparente e nem procuro esconder, mas nem comentei sobre esse assunto (preferi debater outros pontos), mas a Patrícia explicou que seu interesse pelo tema infância surgiu com o nascimento do seu filho, agora com sete anos. E eu, que não tenho (nem terei) filhos? Mas, como todo mundo, tive infância é disso que vem meu interesse. Na conferência de abertura, no dia 23, ouvimos a tocante fala da professora Juliana Merçon (Universidad Veracruzana/México), sobre infâncias em situação de adoção. Juliana, mãe adotiva de Michele, se emocionou muito na sua fala, e sabendo que oa se emocionar, pediu para falar em espanhol e ler um texto. E foi muito lindo. Ela fala sobre muitas questões, como a da institucionalização da adoção; os objetivos dela  (direito da criança a  ter uma família, de ser amada, de ter sua auto estima construída, etc). Por outro lado, fala sobre o acesso difícil da criança à sua "origem" biológica (parte que lhe foi negada, e que tantas vezes ela não se sente no direito de buscá-la, afinal ela já tem família...). É sempre o caso do conto de Rosa sobre Drijimiro, o "caso achado", que "nada sabia sobre sua infância, mas recordava-a demais" a partir do som de um pedaço de frase oral (lá, nas campinas), sua única herança preciosa. Eu não tive um bem tamanho, a principio, só a ausência, abandono e questões. E sobretudo, qualquer coisa que eu tenha tentado, fracassado ou conseguido fazer com esse vazio essencial. Este tema sempre me emociona, é tão eu! 

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Lembrança de boa leitura 2021

 


Estava lembrando a grata surpresa que foi esse romance de  estreia do Stenio Gardel, um grande  livro de 2021. Cheio de poesia, cheio de verdades escondidas, meu volume está cheio de marcações. um dia temas é o conflito entre letrados e iletrados, um dos mais violentos e silenciosos da História Cultural brasileira. Raimundo, que assinava com os dedos, aprendeu a ler e escrever já idoso e recebe o RG novo, com o carimbo ALFABETIZADO. E pensa:

"Alfabetizado. Palavra das grandes, tem "a" e "z",a primeira e a última. alfabetizado sabe do "a" ao "z", mas escrever o nome é mais do que saber letras. Tinha que juntar uma na outra e se juntar a elas. Só assim faziam um nome completo mais que letras,todo ele, de "a" a "z". (A palavra que resta, Stênio Gardel,p.27)

Acho lindo. Alguns livros fazem a gente não perder tempo com outros...

Aqui tem a primeira leitura que fiz dele.

sábado, 20 de novembro de 2021

Dia da Consciência Negra 2021: reflexão e orgulho na Pandemia

 

Dois momentos de 20.11.2021: 
À esquerda Preto Prata; à direita Preta Rara

O feriado foi antecipado para o começo do ano (quando ainda nem tínhamos vacina) por causa da pandemia, por isso fui treinar. De qualquer forma é o dia mais legal do ano, mesmo que eu ainda não esteja segura para me unir aos irmãos em confraternizações.

Como sempre aparecem os Morgan Freeman nas redes sociais,botei todos na geladeira.



Expliquei o que é Consciência Negra 

Dei a fica para se internar do tema

Ao final, como sempre, o dia foi exaustivo, mas frutífero. Espero estar viva em 20/11/ 2022,  contrariando as estatísticas.







segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Sobre “A Descoberta da América pelos turcos”, ou o dedo do gigante Jorge Amado

Bela edição da Record 1994

Continuo lendo mais obras de Jorge Amado, desta vez nesse, que foi um de seus últimos romances, cujo título sempre me deixou bem curiosa. Sabendo um pouco mais da obra, vi que esse é só o primeiro título, pois o livro, dialogando com a literatura oral e medieval,  tem ainda mais dois, sendo :

"A Descoberta da América pelos Turcos ou De como o Árabe Jamil Bichara, Desbravador de Florestas, de visita à cidade de Itabuna para dar Abasto ao corpo, ali lhe ofereceram fortuna e casamento ou ainda Os Espansais de Adma"

Pois então, estamos  diante de uma obra assumidamente nordestina, com toda a herança moçárabe que carrega. No começo ei comentei assim:

DESCOBERTA DA AMÉRICA PELOS TURCOS -Ah, esse livro vem com uma introdução explicando porque ele foi escrito (aquela coisa do Jorge de contar causos), sobre as traduções e edições. Em certo momento ele manda: "... Acrescento que a edição turca, publicada nos começos de 1993, é linda; quanto a tradução, eu a considero perfeita: as traduções perfeitas são aquelas em línguas que o autor não pode ler."

Na verdade, o  livro, ou "romancinho", foi uma encomenda feita em virtude das comemorações do   quinto centenário da "Descoberta da América" em 1992. 

Ilustrações: à esquerda a tropa de burros e o episódio romântico;
à direita a intimidade de Adma e seu esposo;


O texto , juntamente com um do norte americano Norman Mailer, um do mexicano Carlos Fuentes, circularia nas viagens aéreas do período, porém era tudo golpe e Jorge precisou lançar depois por conta própria.

 Livro muito engraçado, contando a história de um árabe e um libanês, o jovem Jamil Bichara "sultão dos bordéis" e o cinquentão erudito  contador de histórias Raduan Murad, que chegam a Bahia no começo do século XX, instalam-se na Bahia, para "descobrir a América".


Isso é uma espécie de epígrafe de "A Descoberta da América pelos turcos". Nos tempos em que vieram os "turcos" descobrir a América, tiveram ainda  que procurar outra dádiva, a que tem um anjo por dentro kkkkkkkkk

 Além da edição da Record anos 90, a mesma que li os primeiros Gabos, a letra grande,  o vocabulário leve e até chulo, próprios de Jorge e as ilustrações magníficas de Pedro Costa, atestam a data do livro, vencedor do Jabuti,  e  mantém a diversão. Me lembrou tanto um Ariano Suassuna, algumas xilogravuras "amorais", bem cultura popular.

"A DESCOBERTA" E EU 


Acho que entendi um pouco mais o projeto  literário do Jorge Amado depois do Tenda dos Milagres (❤️) e esse livrinho, último dele, é pra mim um bom final, mesmo não estando entre os melhores de Jorge, mas é  um dos seus livros mais  DIVERTIDOS.

 Claro que as booktubers novinhas  cancelaram o Jorge Amado, acusaram de MISOGENIA (justo ele, o autor das heroínas!), não acho que caiba na conta de Jorge Amado, pessoalmente, a descrição dos costumes de uma Bahia no começo do século XX, se eles nos parecem terríveis hoje, é porque o tempo veio esclarecer muitas coisas, do século passado para esse, ou seja, homens violentos sempre existiram e não é porque Jorge os retrata que seu livro deixa de ser bom, ou que o autor seja cópia fiel desse ou daquele comportamento. Para terminar eu fui ler o posfácio que Saramago escreveu (e inspirou o título deste post), que colo  aqui:

Uma certa inocência

José Saramago

Durante muitos anos Jorge Amado quis e soube ser a voz, o sentido e a alegria do Brasil. Poucas vezes um escritor terá conseguido tornar-se, tanto como ele, o espelho e o retrato de um povo inteiro. Uma parte importante do mundo leitor estrangeiro começou a conhecer o Brasil quando começou a ler Jorge Amado. E para muita gente foi uma surpresa descobrir nos livros de Jorge Amado, com a mais transparente das evidências, a complexa heterogeneidade, não só racial, mas cultural, da sociedade brasileira. A generalizada e estereotipada visão de que o Brasil seria reduzível à soma mecânica das populações brancas, negras, mulatas e índias, perspectiva essa que, em todo caso, já vinha sendo progressivamente corrigida, ainda que de maneira desigual, pelas dinâmicas do desenvolvimento nos múltiplos sectores e actividades sociais do país, recebeu, com a obra de Jorge Amado, o mais solene e ao mesmo tempo aprazível desmentido. Não ignorávamos a emigração portuguesa histórica nem, em diferente escala e em épocas diferentes, a alemã e a italiana, mas foi Jorge Amado quem veio pôr-nos diante dos olhos o pouco que sabíamos sobre a matéria. O leque étnico que refrescava a terra brasileira era muito mais rico e diversificado do que as percepções europeias, sempre contaminadas pelos hábitos selectivos do colonialismo, pretendiam dar a entender: afinal, havia também que contar com a 12631 - Descoberta da América multidão de turcos, sírios, libaneses e tutti quanti que, a partir do século XIX e durante o século XX, praticamente até aos tempos actuais, tinham deixado os seus países de origem para entregar-se, em corpo e alma, às seduções, mas também aos perigos, do eldorado brasileiro. E também para que Jorge Amado lhes abrisse de par em par as portas dos seus livros. Tomo como exemplo do que venho dizendo este pequeno e delicioso livro cujo título — A descoberta da América pelos turcos — é capaz de mobilizar de imediato a atenção do mais apático dos leitores. Aí se vai contar, em princípio, a história de dois turcos, que não eram turcos, diz Jorge Amado, mas árabes, Raduan Murad e Jamil Bichara, que decidiram emigrar à América à conquista de dinheiro e mulheres. Não tardou muito, porém, que a história, que parecia prometer unidade, se subdividisse em outras histórias em que entram dezenas de personagens, homens violentos, putanheiros e beberrões, mulheres tão sedentas de sexo como de felicidade doméstica, tudo isto no quadro distrital de Itabuna, Bahia, onde Jorge Amado (coincidência?) precisamente veio a nascer. Esta picaresca brasileira não é menos violenta que a ibérica. Estamos em terra de jagunços, de roças de cacau que eram minas de ouro, de brigas resolvidas a golpes de facão, de coronéis que exercem sem lei um poder que ninguém é capaz de compreender como foi que lhes chegou, de prostíbulos onde as prostitutas são disputadas como as mais puras das esposas. Esta gente não pensa mais que em fornicar, acumular dinheiro, amantes e bebedeiras. São carne para o Juízo Final, para a condenação eterna. E contudo… E, contudo, ao longo desta história turbulenta e de mau conselho, respira-se (perante o desconcerto do leitor) uma espécie de inocência, tão natural como o vento que sopra ou a água que corre, tão espontânea como a erva que nasceu depois da chuvada. Prodígio da arte de narrar, A descoberta da América pelos turcos, não obstante a sua brevidade quase esquemática e a sua aparente singeleza, merece ocupar um lugar ao lado dos grandes murais romanescos, como Jubiabá, Tenda dos Milagres ou Terras do sem-fim. Diz-se que pelo dedo se conhece o gigante. Aí está, pois, o dedo do gigante, o dedo de Jorge Amado. 

Resumindo: Adorei está leitura. Que venha agora um livro contemporâneo para preencher meu novembro!



domingo, 7 de novembro de 2021

Hilda Hilst e Guimarães Rosa: Especulações

 


Quando li o belíssimo  livro de entrevistas da Hilda Hilst Fico besta quando me entendem, em 2013,  muitas vezes eu achei colocações de Hilda semelhantes às propostas rosianas. Na época não dei muita bola, pensei que era minha ideia fixa em ver Rosa em todo lugar... mas voltando a dar uma olhada nas anotação, continuo achando, não igual, mas tão parecido :


Essa negação da lógica é o fundo do projeto das estórias.

Pois bem, ao passear pela POESIA COMPLETA DE HILDA HILST, que ganhei de aniversário esse ano, achei:

"Segundo Leo Gilson Ribeiro, 'poucas pessoas compreenderam que Hilda Hilst, depois de Guimarães Rosa, estava trazendo a mais profunda revolução à Literatura contemporânea brasileira' (P.563)

Eu não vou dizer que sou uma dessas poucas pessoas, mas pelo menos me ocorre que talvez eu não estivesse viajando muito quando via algumas semelhanças entre Hilda e Rosa!?🤨São escritores da minha vida!

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Minha pesquisa sobre Rosa publicada

  


É com imenso prazer que divulgo que minha pesquisa sobre infância nas estórias de Guimarães Rosa foi publicada, com um belo prefácio do professor Elias Thomé Saliba, como eu sempre sonhei. Sobre meu "acordo" firmado com o Rosa em 2005 (de estudar seriamente sua obra), acho que a publicação significa que minha meta foi cumprida! O link para a pré venda acaba de ser divulgado é ESSE . 

O lançamento será em 3 de dezembro