segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

"O amante" , Marguerite Duras: Primeiro livro fevereiro 2025


 


Eu poderia dizer que reli, pois já tinha "lido" aos 16 anos, mas como me lembrava quase nada eu não sei se posso considerar aquela leitura, tão jovem, já que certamente não compreendi tantas questões como agora, que sou uma mulher adulta e uma leitora mais amadurecida.

Que livro espetacular, meus amigos! Publicado por Duras em 1984, quando a autora já estava com setenta anos, essa é sua pequena jóia, lapidada como boa literatura. A história é de uma mulher francesa branca que viveu sua adolescência na Indochina, na década de 1920, enfrentando dificuldades com sua família omissa. Logo no início a narradora, já idosa,  conta que  um conhecido de toda a vida, lhe havia dito que estava mais bela na velhice, com o rosto "devastado" pelo tempo e experiência, do que quando jovem.

Com essa poderosa imagem, a narradora , que à revelia de todos e especialmente da mãe, sempre quis escrever, sugere que aquele livro seria o resultado desse desejo. Ela quando tinha quinze anos, em uma travessia de balsa para Saigon, viveu um momento  chave de sua vida, quando conheceu um chinês rico e muito mais velho, com quem  se envolve e tem sua iniciação sexual. Para ela, que é uma branca pobre na colônia, a atitude transgressora de se entregar a um homem amarelo e mais vivido, é inicialmente motivada pelo dinheiro, mas também é uma tentativa de libertação das convenções sociais e amarras colocadas pela mãe e irmãos. Na descrição da relação que tem com o chinês apaixonado, a menina logo percebe que é ela quem o tem nas mãos, assim pode e vai, manipular tudo o que lhes acontece, como uma pequena rainha.

O texto não linear é um primor de escrita poética, tenta se fixar na fragmentada narrativa da memória, mesclando lembrança e esquecimento. Como se mimetizando o movimento fluído da rememoração, a narradora troca tempos verbais do presente e do passado numa tentativa de ajustar sentimentos de ódio e amor que foi tendo no decorrer da vida.




O livro de poucas páginas aborda muitas questões a serem discutidas, a meu ver, uma das principais é a central do romance: a relação da menina com seu e seu amante chinês, que representa, poeticamente, a descoberta da sexualidade feminina, seu  amadurecimento, os sentimentos conflitantes de dor e prazer, o colonialismo, as posições sociais e etc. Literariamente, outro destaque que aponto :  várias vezes a narradora retorna ao dia em que, na balsa, conheceria o amante chinês, pois aquele foi um marco em sua vida. Ela chega a comentar que, se soubesse, poderia ter tirado uma fotografia daquele dia:


"Durante essa viagem de balsa, uma imagem poderia definir-se, destacar-se do conjunto. Ela poderia ter existido, uma fotografia poderia ter sido tirada, como outra, em outro lugar, em outras circunstâncias. Mas não foi. O motivo era muito insignificante para isso. Quem teria essa ideia? A fotografia só seria tirada se fosse possível prever a importância desse acontecimento em minha vida, aquela travessia do Rio. Ora, no momento em que aconteceu, mesmo sua existência era completamente ignorada. Só Deus sabia. Por isso essa imagem, e nem podia ser de outro modo, não existe. Foi omitida. Foi esquecida. Não foi destacada, não foi registrada. A esse fato de não ter existido ela deve sua virtude, a de representar um absoluto, de ser seu próprio autor." (P.14) 


Depois, comenta que sua mãe tinha costume anual de levar a família ao fotógrafo para registrar as mudanças nos rostos, mas nunca registrava o cenário da colônia, seus habitantes e cotidiano. Já ela, por sua vez, pouco descreve fisicamente a família em sua escrita, mas tenta registrar detalhes do entorno em lindas palavras, numa tentativa de escrever uma foto não tirada e com isso "representar um absoluto". E isso, segundo  ouvi  desta booktuber portuguesa, é poesia pura.

Super recomendo esse livro maravilhoso!