domingo, 27 de outubro de 2019

ATÉ BREVE MILTOM HATOUM


Foi no meio da madrugada que, insone, terminei de ler "Órfãos do Eldorado", o romance de Hatoum do qual menos consegui me aproximar. Depois dos três primeiros, muito intensos, este veio e partiu mais devagar.Não porque não tenha gostado, ou estranhado a escrita como em "Cinzas do norte"; ou pela falta de uma Manaus mais orientalizada que tanto me atraia, como em "Relato de um certo oriente" e "Dois irmãos" ...ou mesmo pela peculiaridade da voz narrativa da história de alguém que está retornando, como é recorrente na obra do autor: mas pela primeira vez o livro é escrito em primeira pessoa, mas apesar da voz narrativa muito definida, o  tempo todo  eu tinha a impressão de que Armindo  narrava oralmente  a história de outra pessoa , uma lenda amazônica, talvez, não a sua própria. É que os mitos e lendas sustentam ( ou deveriam sustentar) o enredo, como eu já comentei aqui,  fica tudo tão fluído que nem parecece um romance, mas talvez um poema,  e para ele  talvez não haja sustentação alguma e isso não é um crítica negativa, apenas uma observação. 
Nessa entrevista ele , sabiamente, chama "Orfãos" de novela, não de romance, como eu percebi plenamente que ele tinha escrito um quando terminei de ler "Cinzas do Norte".
Durante a breve leitura de  "Orfãos" eu estranhei muito esse Hatoum e  me perguntei porque ele escreveu desta forma. Demorei pra me lembrar que ele bebe da fonte seca e direta no Graciliano Ramos, que é um excelente autor, por isso fica tão bonito de ler. Mas a demora nessa associação  tem a ver com o fato de que Graciliano não é um autor de quem sou grande leitora, mas de Hatoum sim. Sobre o motivo do texto enxuto Hatoum, que me incomodava um pouco, eu  achava o tempo todo que  podia ter desenvolvido  mais, contar melhor a história como ele soube fazer nos outros livros, mas no final ele meio que "explica" seus motivos, só que a explicação não me convenceu ... Não deve ter sido só isso. Ai ele explica melhor nessa entrevista, que é toda um deslumbre, adoro a parte que ele fala sobre  a "angústia do vazio", que sente o escritor quando termina de escrever um livro e "todos aqueles personagens estão indo embora, não vão mais voltar, pois agora pertencem ao leitor". Quando terminei de ler cada um dos seis três primeiros romances senti a mesma angustia, por isso até relia um pouco para não me despedir tão rápido. Mas com "orfãos", não senti nada. 
O que quero falar agora é que esta leitura marcou uma pausa na  maratona de leitura de  romances de Hatoum 2019, porque eu sei que ele está escrevendo uma trilogia e o primeiro exemplar  já foi até publicado, mas ainda quero digrir seus quatro os quatro primeiros "romances" e tentar visualizá-los em linha,  porque, embora cada um seja diferente do outro, eles também têm semelhanças, além de terem sido escritos pelo mesmo autor. Em geral, adorei ter mergulhado na escrita de Hatoum, como se fosse nas águas do rio negro. Muito obrigada Milton Hatoum por ter trazido novas cores e sabores no meu 2019. Que venham outros autores.