"Sim, é verdade, acontecem muitas coisas. Não podemos porém dize-las todas, somos um tipo que entende mais à mudez, somos sem língua, temos boca enfiada entre as patas e o dorso redondo, não gostamos de explicar as coisas. A quem poderíamos, de todo modo, dize-las? Nossa linguagem ninguém fala, nem todas as pessoas que se mexem, dançam, voam, nunca ficam no lugar, nem mesmo todas essas coisas imóveis como pedrase os galhos. Nós, nós preferimos ouvir e sentir, mesmo sem ver. Já aprendemos segredos de todas as espécies, por nós ouvidos no lugar em que estamos, nas nossas reentrâncias entre as plantas e as pedras. Os barulhos correm pela terra mole, batem de encontro às pedras duras, despencam nos lanosos orifícios que fabricamos. Os segredos, os segredos mais segredos se encontram na poeira. São coisas que vêm tombando e se agarram, tornando-se logo após indistintas. Que se transformam em fumaça, que desaparecem.Mas nós capturamos, nas tênues cortinas que tecemos. "
(Nossas vidas de aranhas. J.M.G. Le Clézio. p. 176)