No dia 06 de junho de 2020 foi realizada uma live com os produtores do documentário cabo-verdiano Kmêdeus, 2020. Foi uma experiência ímpar ouvir ao vivo realizadores do cinema africano atual.
O documentário é sobre um sem-teto lendário da ilha de São Vicente, em Cabo Verde chamado Kmêdeus ("Comer Deus"). Como lembrou Morgana Gama, uma das organizadoras da mostra, a figura de Kmêdeus fazia lembrar a do brasileiro Arthur Bispo do Rosário. O documentário centra-se nesta figura que é um mistério para as pessoas daquele lugar, entre um lunático e um artista. Além de entrevistas com cabo verdianos, o filme aborda seu personagem principal a partir da interpretação dele desenvolvida pelo dançarino de Cabo Verde António Tavares. Com esta perspectiva, viajamos por sua cidade natal, Mindelo, as músicas e filmes da ilha e a celebração de seu carnaval anual, traçando um retrato cultural de São Vicente.
É preciso reforçar que o filme é belíssimo, mostra imagens deslumbrantes, especialmente as da Ilha de São Vicente. O diretor comentou que seu desafio é sempre o de tentar descobrir como filmar Cabo Verde? Existiria um jeito certo? Isso ele está tentando sempre descobrir, mas nesse filme, ele conseguiu uma bela forma, o que me fez lamentar ter assistido na tela do celular por causa da quarentena, porque ele foi feio para a tela grande do cinema. Inclusive, sobre o cinema de Cabo Verde, nos lembrou o Pedro Soulé que ele é muito incipiente, quando começaram a filmar, ele praticamente não existia, só se lembravam de realizadores de fora, mas de lá mesmo, não havia nada, o que é lamentável, porque o país possui uma grande beleza e diversidade física e humana que o cinema deveria poder contar e agora estavam contando.
As belas performances de Tavares são lindamente filmadas e a gente se sente parte do filme . Em outro momento Nuno elencou alguns filmes nos quais ele teria se inspirado de alguma forma, entre eles um dos meus favoritos, o belíssimo documentário Pina, de Win Wenders, que também é sobre uma dançarina que, inclusive, já dançou com Tavares.
Na discussão, mediada pelo jornalista
Saymon Nascimento, tivemos a
participação do personagem/ tema António Tavares, do diretor Nuno
Miranda e do produtor Pedro Soulé e foi muito rica, pois Tavares começou
reforçando que Cabo Verde estaria na origem da mestiçagem, local do sincretismo,
na roda dos tempos, seria um polo mediador entre África/Europa/Américas desde
há muito. Já o diretor Nuno explicou que o filme se sustentava entre três eixos
principais que cercavam a figura de Kmêdeus em Cabo Verde: a
música, o carnaval e o cinema. Ou seja, como lembrou Syamon, Kmêdeus apareceria no filme
como um símbolo que transformaria os traumas históricos em arte.
Eu fiz uma pergunta e Antonio Tavares :
E ele respondeu : o carnaval para ele, desde criança, era sempre o laboratório criativo, o lugar de encontrar coisas que o provocam, mesmo que e le não entrasse no carnaval, só assistia aquela louca vontade de ingerir o corpo, de “comer deus”.
Nos créditos finais do filme nós ouvimos uma deliciosa coladeira. Sobre isso eu conhecia, pois fui banca de um trabalho sobre danças tradicionais de Cabo Verde e essa é uma das que se realiza em pares: “vem, vem dançar, nova coladeira...”