Eu lendo Bicho Geográfico, de Bernardo Brayner |
A citação no título da postagem é porque não posso e nem quero falar desse livro sem recorrer à memória da história da nossa amizade de longa data! Conheci Bernardo Brayner pela
internet há muitos anos. Não me lembro exatamente a data, mas sei que foi no comecinho dos anos
2000 em uma troca de mensagens sobre os livros de Guimarães
Rosa no site Submarino (que na época fazia muito sucesso, era como a Amazon ). Eu não ia comprar nada
porque já tinha, estava ali só para comentar sobre “meu autor” e encontrei Bernardo com o mesmo objetivo, ficamos muito
amigos. Meu interlocutor sobre literatura e assuntos literários de sempre, de
lá de Pernambuco.
Já entrando em um tema caro a "Bicho Geográfico", foi Be quem me presenteou com “Ooó do vovô”, que eu estudei anos no mestrado e doutorado, trabalhei com tantas crianças desde então, foi presente dele, por isso nos agradecimentos ele sempre aparece como o amigo que Rosa me apresentou.
Dedicatória de Ooó, do Rosa |
Comentando esta dedicatória, que sempre me deixa de coração grande, cheio de carinho, observo: Ele havia comprado o livro em janeiro de 2004, mas em fevereiro de 2004 me presenteou com ele porque, era tão "a minha cara" que ele só podia ser um intermediador para ele chegar até mim. E não estava errado!
Como sabemos, o tempo e a vida corrida pode até nos afastar das pessoas, até de um “amigo de infância” (amizade de tantos anos, pra mim, é desde a infância!) como o Bernardo, mas nunca deixamos de olhar um para o outro, mesmo de longe. Só que o Bernardo não era apenas um simples leitor como eu, era também um escritor e me presenteou com seu primeiro livro, “Exercícios de morrer” (2005),tenho então dois exemplares dele em minha biblioteca
Minha biblioteca de Bernardo Brayner |
Na época do boom dos blogs, quando criei esse aqui, que hoje já é vintage, eu lia até que com alguma frequência o seu “Livros que você precisa ler”, algo muito interessante , sobre todos os livros que nunca foram escritos, mas existiam na sua fértil imaginação e esse tema do imaginário bibliográfico também é central em "Bicho Geográfico". Só que eu acabei deixando de acompanhar o blog e também sua obra literária, que agora vejo que cresceu bastante, tornou-se internacional. Não deve ter sido à toa que agora, em plena quarentena,eu venha resgatar o laço com a obra do Bernardo, no momento em que ele publica seu mais recente livro e ter o prazer de voltar a ler seu texto.
Porque consegui pegar uma promoção de lançamento da CEPE editora, meu volume veio autografado, como iria para para qualquer leitor, mas quando chegou e reconheci a letrinha do amigo, meu coração ficou quentinho, aquele autógrafo foi pra mim, é pra mim e quem justifica é a linda história da nossa amizade:
autógrafo de "Bicho geográfico" |
Li o livro de uma vez, me emocionando em tantas partes, porque é bonito, é poético!
Em determinado momento ele escreve que “não se deve contar nada a ninguém: as histórias são coices e desembestam”(p.46), e é verdade, pois então, quando, no livro, Bernardo falando de alguns momentos marcantes da sua história, algumas perdas, algumas alegrias, tive um sentimento interessante, não que eu soubesse daqueles acontecimentos em específico, mas eu me lembro daquelas fases, dele me contado algo assim e assado, há tempos, mas nunca esqueci. Houve uma época, na nossa antiga juventude, que fomos amigos confidentes! Uma época voraz: o começo da vida adulta, os medos, as dores .... eu lembro do clima, da sensação, eu tenho essa memória, ainda que coberta pelas neblinas do tempo!
O livro está mais para uma auto biografia de formação como leitor (estou inventando esse termo), onde, como disse, ele narra fatos da infância, ou marcantes na vida mesmo, ilustrado por belas fotos de família, antigas, coloridas, do menino Bernardo,com os irmãos, brincando, rindo, fantasiado: como se quisesse voltar ao passado, achar o momento chave, de quando ele começou a se tornar o que é agora. Em qual daqueles momentos de “prazer discreto” o autor guardou seu tesouro? Não se sabe... mas é possível, e necessário, lembrar de tudo, afinal ele está vivo e
“o essencial é a memória, visto que a literatura é feita de sonhos e sonhos recombinam recordações.”(p.22)
Mas nem sempre é fácil recordar, talvez seja preciso sempre desconfiar , como ele conta:
“Desconfio da religião, pois se pretende uma certeza que não cessa. Desconfio da história, pois se pretende uma memória que não se apaga. Desconfio da arte, pois se pretende uma história que nunca acaba” (p.81)
Sim, trata- de um livro sobre memória, esquecimento e acima de tudo, de livros, daí me parecer um relato de formação. Das brincadeiras, dos sonhos, da imaginação que colore ou apaga tudo.
Dedicatória para txai |
No começo eu chamava o Be de meu Txai, que como está na música, é um termo indígena que mais que significa amigo/ mais que irmão, a metade de mim que existe em você/ e a metade de você que habita em mim, porque eu sentia mesmo uma ligação entre nós (amizade mesmo: metade longe, também sou eu) e isso não veio do nada e não pode se acabar.
Lendo o livro me permiti me imaginar perto de Bernardo novamente, como era na época da nossa infância no mundo dos leitores e algumas vezes, senti que ele segurava minha mão quando eu me emocionei ao ler, em “Bicho geográfico”, a história com Ozu : Eu e Bernardo temos muito mais em comum, como eu já pensei de cara, e isso é lindo.
Parabéns meu Txai, seu livro é lindo, seu coração também e eu sou muito grata por poder te dizer isso nesta vida que tantas vezes nessa tão difícil!
Peço licença para me despedir, já me emocionei aqui...
Pra terminar, para os leitores do blog, leio um trechinho interessante, amantes de livros como nós, vão gostar: