De repente um livro se uniu ao outro |
Quando li Torto Arado , do Itamar Vieira Junior, a questão religiosa foi a mais opaca para mim, reconhecia e não reconhecia aqueles cultos, o Jarê poderia ser, sem dúvidas, uma religião inventada para o romance, depois soube que não é, mas pouco sabia sobre ela. Eu pensava coisas sobre esse livro, como ISSO. Sempre disse que não estava preparada para abordar o Torto Arado. Não estou. Não vou julgar ou falar sobre uma obra desconhecida. É preciso mais maturidade, mais conhecimento de coisas que se aprende e não se aprende em livros (até porque Torto também me tocou por essas vias inconscientes).
Como historiadora eu lembrava muito das histórias das feiticeiras nas Minas Gerais colonial, julgadas e condenadas de antemão pelo que sequer entendiam, que foram estudadas pela professora Laura de Mello e Souza (e também pelo historiador Carlo Ginzburg no contexto europeu). Sobre Jarê na obra de Itamar, mesmo sabendo que são situações diversas, embora parecidas em certo ponto: aquelas são tradições católicas, trazidas à colônia pelos acusados de feitiçaria europeus num contexto de colonização, mas que aqui ganharam novas configurações e aglutinações. Em Torto Arado estamos falando de tradições também herdadas, mas agora dos africanos, que aqui foram escravizados e trouxeram todo um repertório cultural que, remodelado, acabou compondo a base do que entendemos como Brasil, em fenômenos como o Candomblé (religião de culto aos orixás e celebração da ancestralidade, criada por africanos na Bahia no século XIX) .
No livro O que é religião afro-brasileira, que achei na livraria da estação de metrô da Barra Funda no carnaval, quando fiquei presa lá por causa da chuva, o autor Mário A. Silva Filho, fala do Jarê (religião citada em Torto Arado) : "é uma religião observada especificamente na Chapada Diamantina, na área central do Estado da Bahia, no século XIX. Sua prática é semelhante ao Candomblé de Caboclo, que foi abordado anteriormente, sendo que a ritualística do Jarê é muito mais próxima do culto aos Caboclos do que às divindades, que no caso do Jarê são os Orixás. Seus sacerdotes são chamados de Babá ou Pai, as sacerdotisas de Iyá ou Mãe. A exemplo de outras religiões afro-brasileiras, Jarê proporciona àqueles que o buscam a saúde do corpo e da alma e seu sacerdotes e sacerdotisas são chamados de "Curadores", além, é claro, de Pais e Mães de Santo (Cf. BANAGGIA, Gabriel. As forças do Jarê: movimento e criatividade na religião de matriz africana da Chapada Diamantina. Tese de doutoramento: UFRJ/MN, 2013). Em nota: "Para saber mais sobre o Jarê recomendo a obra do Prof. Dr. Ronaldo de Salles Senna: "Jarê - Uma face do candomblé". Feira de Santana: UFS, 1998. " (SILVA FILHO. "O que é religião afro-brasileira". São Paulo: Lafonte, 2021, p. 79/80)
Bate com o que é retratado no romance, sendo Zeca Chapéu Grande, pai de duas narradoras, um curador. Só não sei ainda (vale consultar os livros referenciados) sobre as entidades do Jarê, sobre Santa Rita Pescadora, seria ela inventada por Itamar? Questões... A presença de cultos e feiticeiras na literatura brasileira contemporânea me interessa, mas não pretendo estudar Torto Arado, pelo menos não ainda, por enquanto ele não se revelar melhor para mim.