Não é só porque eu adoro o Robert Darton, é que ele realmente escreve coisas muito boas, especialmente para o historiador que trabalha com arquivos e que depois tem de relatar sua consulta em uma narrativa, como este trecho :
"A caixa de arquivos - que continha os registros dos interrogatórios de espiões e anotações misturados sob a etiqueta 'Caso dos Catorze'- pode ser entendida como um aglomerado de pistas para o mistério que denominamos 'opinião pública'. Que tal fenômeno existisse 250 anos atrás é algo que dificilmente pode ser posto em dúvida. Depois de ganhar força durante décadas, ela desferiu o golpe decisivo quando o Velho Regime ruiu, em 1788. Mas a rigor, o que era isso e como afetou o curso dos acontecimentos? Embora tenhamos vários estudos acerca do conceito de opinião pública como tema de reflexã filosófica, possuímos pouca informação sobre a maneira como ela funcionava na prática.De que forma podemos entendê-la? Devemos encará-la como uma série de protestos, que batem como ondas contra a estrutura do poder, em crises sucessivas, desde as guerras religiosas do século XVI até os conflitos parlamentares da década de 1780? Ou como uma atmosfera de opiniões, que muda conforme os caprichos dos determinantes sociais e politicos? Como um discurso ou como um amontoado de discursos concorrentes, desenvolvidos po grupos sociais de bases institucionais diferentes? Ou, ainda, como um conjunto de atitudes, oculto sob a superficie dos fatos, mas potencialmente acessíveis aos historiadores por meio de pesquisas e análise? É possível apresentá-la para o exame de vários pontos de vista; porém, tão logo conseguimos uma imagem mais definida, ela se embaça e se dissolve , como o Gato Cheshire."
(DARTON, Robert. 'Poesia e política'. São Paulo: Cia das Letras, 2013, p. 18)
A analogia entre os fragmentos de documentos de arquivo e a figura do Gato Cheshire, aquele que, vai paulatinamente, desaparecendo a olhos vistos, é das mais fieis a quem já mergulhou em aquivos, não é?
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