quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

A China já estava aqui

 
A foto podia mostrar mais detalhes
Só pra quem viu ao vivo 
 

Como sabem pesquisei Guimarães Rosa por cerca de uma década, fiz mestrado e doutorado sobre e sei que nem arranhei decifrar aquilo tudo. Quando li o autor japonês Kawabata observei algumas aproximações que devem ser devido ao “espírito do tempo” -escritos dos anos 1940/1950- , pois nunca vi nada sobre o Japão ou japoneses no acervo ou biblioteca de Rosa. Já sobre a China, vi muita coisa, talvez porque a história de Brasil e China não derive da época da imigração no século XX, como acontece com o Brasil e o Japão, mas de muito antes. Segundo Leyla Perrone Moisés, no artigo “Orientalismo e orientação em Guimarães Rosa” (2000), a influência chinesa nas artes coloniais brasileiras já  ocorria desde tempos mais remotos, em especial no estado de Minas Gerais (...) , devido à intensa circulação de pessoas e de cultura no interior do vasto Império português, e à concentração de suas riquezas nessa região."  Como Macau também foi colônia portuguesa desde 1557, e no século XVIII Minas era a colônia mais rentável, é compreensível que,  apesar de tão distantes geograficamente, para a metrópole, elas fossem uma terra só, uma terra deles. Embora eu não conheça muitos escritos  sobre a passagem dos chineses no Brasil colônia e isso  é  mais uma história de apagamento cultural, no caso dos amarelos em beneficio da dos brancos, é sempre bom lembrar que ela existiu, a prova é essa foto (muito mau tirada e escura, mas...) de dentro de uma igreja de Sabará com muita influência oriental. Mas e Rosa, onde entra nessa história? Ele percebia as marcas dessa influência tão longínqua em sua terra. No final da década de 1960  publicou em seu livro “Tutaméia” (1967) uma das suas estórias mais graciosas, chamada "Orientação", a estória do cozinheiro "Yao-Tsing-Lao - Facilitado para Joaquim. Quim" ,figura de "mínimas mímicas", chinês que acreditava que “esperar é um à toa muito ativo”, e assim vive um amor atribulado com a sertaneja Rita Rola,-Lola ou Lita,  “feia de se ter pena de se por em espelho”, mas havido o de haver. “Cheiraram-se e gostaram-se”. E “Yao amante, o primeiro efeito foi Rita Rola semelhar mesmo Lola-a´Lita- DESENHADA POR SEUS OLHARES. A gente achava-a de melhor parecer, senão formosura (...) O chino imprimira mágica (...) Casaram-se: “nôivo e nôiva: o par, til no i, pingo no a”  (o “chapéu” nos noivos e a troca na acentuação das letras é brincadeira do menino João Rosa, adoro). Não vou dar spoiler do conto, só recomendar a leitura mesmo. Faço isso porque,  nesse momento, para além da literatura, a China é a bola da vez. Nessa realidade distópica que se inaugura em 2025, não é que de trás de um biombo, surge a enorme e milenar China para mexer as peças do tabuleiro mundial? A China, que esteve ali há tempos, confiando que, como quis Rosa, “esperar é um à toa muito ativo” !

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

FECHE OS OLHOS PARA VER A VERDADE:"Se eu fechar os olhos agora", Edney Silvestre

 

Em um dia frio de verão 


CONTÉM MUITOS SPOILERS 
Terminei de ler o segundo livro de janeiro e também do ano : Se eu fechar os olhos agora(2009), de Edney Silvestre. Fiquei muito satisfeita com a leitura, mais do que eu imaginei quando eu  via o exemplar na biblioteca, com esse título lindo e instigante, mas como não tenho boas experiências com livros de belos títulos, dessa vez deu certo e no fim foi outro grande presente!

Eu não conhecia o autor de nome, soube pela orelha do livro que é um jornalista com experiência na área cultural, mas fiquei muito encantada ao saber que se trata de seu primeiro romance e que, em 2010, ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance e o Prêmio São Paulo de Literatura como melhor livro de autor estreante! Grandes feitos! E não é para menos, o livro agrada demais, é divertido, mas não é raso, aliás muito ao contrário: é pesado, especialmente os temas centrais, mas a escrita e os narradores são um caso à parte. oxigenam a narrativa!

Resumindo o enredo, o livro conta a história de dois meninos de 12 anos, que numa manhã de 1961, fogem da escola, no interior do RJ e acabam encontrando o corpo nu e dilacerado de uma mulher morta com requintes de crueldade, como até um seio cortado. Na hora eles  não a reconheceram, mas rapidamente souberam de tratar de Anita, a jovem esposa do dentista, que logo assumiu ser o assassino. Porém, os meninos duvidaram que ele, tão velho e franzino, teria condições de matar aquela mulher grande e forte com incontáveis facadas. Muito inspirados nos filmes que viam no cinema, resolvem investigar por conta própria essa morte, visitando locais estratégicos, como o cartório em busca de documentos e a casa da morta, de madrugada. Nesses passeios noturnos, encontram um senhor que toda noite fugia do asilo onde morava e também vagava pela cidade. Os três, então, duas crianças e um idoso, passam a investigar o caso, descobrindo uma trama intrigada envolvendo a  família Marques Torres , que comandam a cidade desde os tempos imemoriais.

PERSONAGENS E SUAS TRAMAS

Centrais na trama,  Paulo Roberto e Eduardo, são jovens estudantes muito amigos, saindo da infância, abrindo os olhos para o mundo adulto, para os quais terem encontrado o corpo daquela mulher foi um marco: a partir dali nada mais seria como antes. Paulo Roberto é o "mais escuro", órfão de mãe, mora com o meio irmão mais velho e o pai, que o espanca, sempre dizendo que ele merece apanhar porque ele tem o sangue ruim da mãe. Provavelmente essa mãe era negra, por isso ele é o "escuro" que o pai e o irmão. Infelizmente esse caso não é mais desenvolvido, o que seria bom, porque logo saberemos que um dos temas centrais do livro, na história de Anita, é esse ódio a mulheres negras.  Já Eduardo não é rico, mas tem uma vida mais estruturada, família, uma bicicleta importada, mesmo que já antiga, é muito inteligente, vive ensinando Paulo, lhe empresta livres, inclusive o dicionário, lhe passa cola e nem mesmo para ele Paulo conta sobre a violência que sofre do pai. A amizade deles é o frescor do livro. 

Outro personagem central é Ubiratan, que os meninos chamam "nosso velho", que vive no asilo, mas é muito lúcido e ativo, tanto que caminha toda madrugada, onde encontrou os meninos. Quando ele entra na investigação, ela realmente toma forma, ele é um homem maduro, conhece a gente da cidade, seus podres, e vai, ele mesmo, se envolvendo de tal forma que , em cero momento, toda o caso para si, pois o que os meninos não sabem com clareza, só desconfiam de algo, é que ele , mais jovem, foi torturado pela ditadura de Vargas , o mesmo presidente que manteria relações próximas à família Marques Torres. É Ubiratan quem dá a dica para que eles cheguem na primeira descoberta.

A primeira coisa que descobriram, no cartório, foi que Anita nasceu Aparecida, filha de uma negra com um dos poderosos Torres. No centro da trama está a obsessão dos Torres por meninas negras, que "adotam" para lhes servir de amante, como na época da escravidão. Assim foi com Elza, mãe da Aparecida/Anita, e também com ela que, parda, nasceu clara de olhos verdes, sendo obrigada a se passar por branca quando saiu do orfanato para se casar com o dentista.

O marido de Anita era um homem religioso, atendia os pobres por  caridade, no entanto era um homossexual reprimido, só casou com a jovem Anita bem mais velho, para assistir e fotografar ela praticando os atos mais libidinosos com seus ex colegas de seminário, os quais, certamente, ele desejava secretamente. Embora a prática tivesse que ser secreta, é claro que a cidade toda sabia da história de que Anita dormia com todo mundo, era a mais vagabunda da cidade, etc. 
Assim como sua mãe Elza e sua avó Madalena, Aparecida teve que abrir mão de si mesma e de se transformar num objeto para o prazer dos poderosos da cidade. E o seu final, um feminicídio  propriamente dito, foi a ter o corpo dilacerado com muito ódio e abandonado ao relento, o que foi aceito por todos, pois aquela mulher, enfim purgava os pecados da cidade toda.

POSTAGENS DURANTE A LEITURA 

Embora eu tenha passado uma semana com esse livro sem abri-lo, quando o fiz, a leitura foi rápida, pouco mais de dez dias. 
Vejamos como fui comentando 

16 DE JANEIRO
OLHOS: Há mais de uma semana eu emprestei da biblioteca "Se eu fechar os olhos agora",do Edney Silvestre, meu próximo livro,mas ainda não consegui começar a ler, pois  a ressaca da leitura após Carlabê não me deixava. Espero que se resolva.
Novamente eu escolhi o livro pelo título, mesmo sabendo que assim as chances de decepção são enormes, mas sobre esse eu acho que vai dar certo,  ganhou o Jabuti de melhor romance 2010, e conheço a história por cima, é  um livro "de época" e sei que aborda o racismo e, pelo título, uma procura para ouvir (não ver) dentro de si mesmo as vozes do passado. Adoro essa ideia. Adoro esse título. Tomara que goste!


17 DE JANEIRO
OLHOS : "... hoje eu sei que nos acontece a todos,na hora que a vida abandona nosso corpo e ele todo se relaxa, e o esfíncter se abre e...Essa também era uma palavra que eu nunca tinha ouvido. Nem lido. Esfíncter. Eu tinha doze anos e palavras como essa não eram ditas na minha casa. A gente não conhecia palavras assim. "  (Se eu fechar os olhos agora,p.8

                       


Eu também não conhecia essa palavra, mas achei genial a maneira que romance mostra que quem vai narrar é alguém já adulto, que tem vocabulário, mas que na época narrada, tinha apenas doze anos e nunca tinha ouvido falar em Esfíncter.

21 DE JANEIRO 

Levei o livro pra ler no 
Sesc Consolação 

22 DE JANEIRO 
OLHOS: Só tinha lido a introdução,mas como tive que renovar o empréstimo por mais duas semanas, só agora realmente comecei a ler o romance. Embora o tema seja bem pesado, trata-se de um feminicídio : dois amigos de doze anos encontram o corpo de uma mulher morta de forma brutal numa cidade do interior do RJ em 1960 e passam a investigar quem a matou. A  leitura é muito agradável, pois entramos na mente dos meninos que estão descobrindo a vida. Embora não seja rico, Eduardo, "o menino comprido" é filho de uma família estruturada com mãe e pai, enquanto  Paulo, "o menino mais escuro", mora com o pai que o espanca e irmão mais velho aleatório e não tem ninguém para cuidar dele. O mais legal do livro até agora  é a amizade entre eles... Vamos ver como vão investigar a história da morte de Anita, a mulher do dentista...



23 DE JANEIRO 
OLHOS : No romance, um dos meninos que acharam a mulher morta, já adulto, fecha os olhos e tenta rememorar aquele dia muitas vezes . Mas a memória é também construída e sempre duvidosa: "Eu ouvi, mesmo,ele duvidaria, passados tantos anos,a voz que agora permeia essas recordações? Ou acrescentei a música a lembrança daquela noite? Imaginei,imaginei ali, imaginei então, que a mulher que só tínhamos visto morta, em vida gostava do bolero de Augustín Lara. Que ouvia Noche de Ronda na vitrola, ou na rádiovitrola (sic), ou no toca-fitas. Ou soube mais tarde que ela se embalava em canções assim chorosas, lamentos de amores pedidos, súplicas nostálgicas. Não. Não. Eu nem sei como era a vida dela naquela noite. Imaginei a canção mais tarde. Ouvi canção mais tarde. A música em espanhol, a voz na noite, tudo foi acrescido e... Não. Não. Não. Tenho certeza:ouvi naquela noite. Uma voz de homem.Acho que era. Faz sentido: voz masculina. 'Ella se fue', ele canta . Quem lamentava o abandono era ele. Uma voz masculina. Acho. Voz masculina, grave. Na mesma noite do dia em que encontramos o corpo dela. (Edney Silvestre. 'Se eu fechar os olhos agora',p. 35) 'Imaginei'. 'Acho. Tenho certeza'...

24 DE JANEIRO 
OLHOS: Nem cheguei na metade, mas o livro começou a se definir melhor. Agora Paulo e Eduardo, vagando pela cidade na madrugada para investigar a morte da mulher do dentista, conheceram um idoso que foge do asilo toda noite e o convidaram para investigar também. Interessantíssimo porque os garotos de doze anos, quase crianças,  e o que chamam de "nosso velho", juntos podem passar desapercebidos nos lugares. Já descobriram coisas muito importantes sobre a verdadeira identidade de Anita, a morta, que não revelo aqui para não dar spoiler (pelo menos por enquanto), mas que pode ter tudo a ver com a causa de sua morte violenta. Tô amando essa leitura!

Epígrafe 

26 DE JANEIRO (ouvindo Fica comigo esta noite, com Nelson Gonçalves, música citada no romance)
OLHOS : Estou há poucas páginas do final do livro e, como vinha reparando, embora se trate da investigação de um feminicídio, o crime em si, como e quem executou, foi  o que menos me importou, mas sim o seu motivo que revela  uma sociedade interiorana hipócrita e conservadora. Mas sobretudo, o sabor do romance é a forma empolgante como foi narrado, por quantas vozes? Ainda não sei como certeza , mas sei que é sempre em forma de diálogos que mostram um Brasil profundo! Embora eu tenha dito,dias atrás, que  a obra não chama a atenção pelas inovações literárias (estou com Carlabê na cabeça!), agora nos finalmentes , sei que a narrativa vai ter um final, que ainda não li, mas sei que vem narrada de forma não cronológica e talvez um pouco diferente da toada quase oral do livro até então. Não sei se é realmente um "plot twister" (ainda não sei muito usar esses novos termos...), mas é uma modificação no tempo e na narrativa que eu não esperava. Sim, já estou com saudades dos meninos Paulo e Eduardo e também do "nosso velho" Ubiratan, mas sobretudo, vai demorar para esquecer da jovem morta com requintes de crueldade e cuja morte  ninguém lamentou!😢

Como acontece quando eu gosto muito de um livro,gravei até um pequeno vídeo ao final. Quando os meninos visitaram o barraco de Madalena, avó de Anita, a mulher que haviam encontrado morta, eles já sabiam que ela nascera pobre, de nome  Aparecida e foi resgatada de um orfanato para se casar com o dentista. O ingênuo menino Eduardo, que nunca tinha estado numa casa tão miserável e pouco sabia sobre as limitações das mulheres pretas, pardas e  pobres, começa a se perguntar porque Anita não ajudava a avó


Madalena, Elza, Aparecida/Anita. Ficou muito marcada em mim essa leitura da terrível história de uma linhagem de mulheres com seus corpos usados  




Ao mesmo tempo em vivíamos amargos dias de misoginia literária , eu estava lendo esse livro super centrado nessa questão. Osso. Mas super Super recomendo a leitura deste romance!

Texto que escrevi para os grupos de leitura que participo no Facebook 

"Li "Se eu fechar os olhos agora"(2009), de Edney Silvestre e gostei muito. Em 1961, dois meninos de doze anos  encontram o corpo de uma mulher brutalmente assassinada  e passam a investigar o caso. Em certo momento se unem a Ubiratan, um idoso que  também tinha interesse em desvendar o crime. Uma narrativa polifônica, muito bem escrita, que parte de fragmentos de memória  e nos convida a fecharmos os olhos para vermos a verdade de uma sociedade presa em jogos de poder, desprezo  para com as mulheres e muito racismo. É um romance de entretenimento, mas não é tolo, aborda questões importantes e ao final  nos deixa um gosto amargo na boca ao pensar que Anita, a morta, representa tantas  mulheres (inclusive as de sua família) que, usadas até o limite, são atacadas e  descartadas na tentativa de purgar a culpa de toda uma sociedade. "



sábado, 25 de janeiro de 2025

MISOGINIA LITERÁRIA


 Através do podcast Novelo e de uma matéria da jornalista Mônica Bergamo,  ficamos sabendo de casos de misoginia envolvendo grandes nomes da cena literária contemporânea. Dos quinze envolvidos, apenas sete nomes são citados por Bergamo, dentre eles o do gaúcho Paulo Scott. Me lembrei  que, em 2021, durante a pandemia, eu li o seu romance "O ano em que vivi de literatura"(2015), que fala sobre Graciliano, um autor que ganhou o prêmio literário de maior valor e resolveu tirar um ano sabático da escrita para desfrutar  do dinheiro e da fama. Dali surgem muitas histórias que Scott afirma serem ficção e algumas críticas julgaram como "divertidas sátiras", mas que eu, como mulher, achei  pesadas e julguei essa leitura como uma das mais  incômodas que fiz na pandemia. Isso porque o cenário montado ali, ao  contrário do que indica o título, tem pouco de "viver" ou de literatura, e muito de machismo. Claro que entendo que  é uma obra ficcional, nunca achei que Scott estava falando diretamente dele, porém é inegável que o cenário machista que monta em seu romance  e com o qual agora ele aparece envolvido nominalmente, lhe é familiar há tempos.

Quando terminei de ler , em 2021, escrevi este texto destacando   a  história de uma "gorduchinha simpática" que quase foi estuprada por Graciliano: 

"Essa moça não foi a única iludida pela ideia de que estar em contato com um escritor sempre seria tudo de bom, poderiam falar de livros e poesia, mas descobriu que, pelo menos aquele escritor, realmente só estava pensando em exagero de sexo e álcool. Mas me identifiquei com ela, que quase pagou pelo pecado de ser simpática.

De resto o livro é meio que isso mesmo, descrições sexuais, como se o narrador estivesse se dirigindo aos amigos de farra: essa é assim, aquela é assado, a outra faz daquele jeito. Isso foi me incomodando tanto, que na metade eu achei que já estava satisfeita. Foi dureza terminar."

Confesso que é com pesar que relembro essa leitura, ainda mais por tal motivo, mas fica a dica para quem tiver interesse e coragem.


Escrevi esse resumo da ópera pra publicar nos grupos de leitura que participo, mas acabei deixando pra lá. Mas publique nas redes e aqui.

Que incômodo!

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Fruta do pé: conhecendo mais um samba carioca



                                  

Porque eu fui no Cacique de Ramos  no sábado, no domingo ,19 de janeiro, ganhei um vip para conhecer o "Fruta do pé", outra roda de samba do Rio de Janeiro .

Ano passado eu já tinha comprado ingresso pra conhecer essa roda no Maria Zelia, o evento foi cancelado de última hora e nem devolveram o valor do meu ingresso, por isso achei justo.

Como segunda é dia 20 de janeiro, dia do meu pai  Oxóssi, fui toda em homenagem aos meus Orixas


Mas a cidade estava esquisita, a linha vermelha do metrô ia operar com lentidão a partir das 15 horas, por isso eu fiz de tudo para chegar antes e sabia que ia embora mais cedo. 

Quando cheguei começou a chover e teve uma briga na porta do MZ, de uns caras da escola de samba Camisa 12. Pelo que entendi um carinha entrou no MZ para fugir do fortão que ia entrar atrás dele,mas não entrou. Ficaram batendo boca, no MZ vieram os seguranças para esfriar a briga. Bem chato...

Sobre o samba, não estava tão cheio, mas muito arrumadinho, uma belezinha .


Okê Arô Oxóssi 






Marcus Garvey











Eles também se referiram a Oxóssi 


Mas demorou muito pra essa roda começar, só depois das 17 horas! Estava muito calor no pátio, não ligaram os ventiladores, e o DJ tocava umas músicas ruins.



Quando o samba começou eu já estava bem cansada de esperar. Eles não vieram na energia do início, aquele calor , não estava tão legal como eu esperava



Teve uma hora que não aguentei mais aquela roda esquisita e comer lá fora. O pastel estava de parabéns 🤤
  
Lá mesmo no MZ escrevi minha opinião sobre o sambinha 

FRUTA DO PÉ: Apesar de toda a decoração maravilhosa, com Oxóssi e o discurso  africanista muito forte,a roda não me animou, bem devagar.Não que seja ruim, mas também não tem nada demais. Para um samba do Rio de Janeiro, que sempre tem algum instrumento diferente,num  musicista brilhante, um repertório animador,e muita empolgação que eu costumo sempre amar, essa decepcionou um pouco! Tudo bem que foi um brinde, um vip que ganhei porque fui ontem no Cacique de Ramos. E, claro, estou com aquela energia na memória ainda...mas tipo, não iria nesse samba se viajasse pro Rio, com iria a todos os que vieram aqui no MZ. Até aqui em Sampa tem rodas bem melhores ...


Aí lembrei da linha vermelha e vim embora super cedo
 

Mais um fim de semana recheado de MZ, amo. Agora só volto no MZ nos Prettos, dia 2 de fevereiro. 


domingo, 19 de janeiro de 2025

Cacique de Ramos no Maria Zélia

 

Caíque de Ramos lotou o MZ🥰

No dia 18 de janeiro tivemos a segunda edição do Cacique de Ramos no Maria Zélia e foi muito maravilhoso, claro!

Estava um dia lindo, calor,bem choveu, como eu queria que fosse e eu tentei representar de vermelho

Depois troquei de shorts 
Coloquei um com bolsos 


Toda manchada do sol 


Antes de ir estava muito em bad vives, precisando de um samba transformador e tive

Deu certo 

A travessia de ida não foi nada fácil: presença de usuário na linha na Estação República, o que significou uns quarenta minutos de atraso para chegar no Belém. Quando fui pegar a lotação, o carro morreu e teve que ser substituído. No fim deu tudo certo e eu curti o Cacique de Ramos como se não houvesse amanhã. Que delícia.
Algumas fotos 




















No fim eu ainda ganhei um vip pro samba de domingo, o Fruta do pé: samba é muito bom, o ambiente que mais me acolhe!




quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Carlabê : Vozes femininas do centro de São Paulo

 

Linda foto num dia frio de verão 

Ganhei esse livro de natal de uma amiga minha de anos que viu quando eu disse que seria uma leitura que eu queria fazer em 2025. Chegou em casa no dia 29 de dezembro de 2024 e foi uma festa, mas eu só iria começar a ler no ano novo, como de fato aconteceu.

Quanto carinho

Carlabê, segundo romance da Isabela Noronha, é  sobre a amizade entre a radialista Saramara, a narradora do livro, e a jovem Carlabê, que dividiam um apartamento no centro de São Paulo, até que Carlabê some, enquanto um corpo jaz em frente ao prédio onde elas moraram. O livro trata de muitas questões inseridas nessa narrativa simples, que vão desde o cunho pessoal, como a problemática feminina, até questões histórico sociais como a gentrificação no centro de São Paulo. Seguindo a Wikipédia, o conceito de gentrificação seria : 

Gentrificação (do inglês gentry, "pessoas bem-nascidas") é um conceito sociológico que acarreta a substituição física, económica, social e cultural[1][2] de um bairro ou uma área urbana proletária para burguesa após a compra de propriedades, e sua consequente revalorização no mercado através do influxo de residentes e empresas mais abastados.[3][4] É um tema comum e controverso na política e planejamento urbano. A gentrificação geralmente aumenta o valor econômico de um bairro, mas o deslocamento demográfico resultante pode se tornar um grande problema social. A gentrificação, muitas vezes, vê uma mudança na composição racial ou étnica de um bairro e na renda familiar média à medida que a habitação e os negócios se tornam mais caros e os recursos que antes não eram acessíveis são ampliados e melhorados.

Como esse processo afetaria a vida de duas mulheres que vivem sozinhas em um bairro central, mas de constante valorização, como o Santa Cecilia é o tema central do romance.

AS VOZES 

Outra questão que eu destaco é a própria escrita de Noronha,  expressa em uma narrativa polifônica, mito contemporânea , cuja voz principal é a de Saramara, que relata a um interlocutor desconhecido, tudo o que sabe sobre a amiga Carlabê, que está sumida. A voz do interlocutor, que conhecemos só através das respostas de Saramara, destaca mitas questões que nós leitores vemos nos fazendo a partir da fala ininterrupta de Saramara, ou seja, ele é uma espécie de espelho do leitor.  Essa opção pela narração depoimento oral, a um  interlocutor mudo, para mim , como leitora, lembra demais a estrutura narrativa do Grande Sertão: Veredas, embora a diferença de linguagem seja evidente. Depois voltarei a falar do romance de Rosa a partir de uma citação  que recolhi do Carlabê, mas aí será outra história, por hora cabe destacar que a voz de Saramara, e do seu interlocutor mudo,  é a alma desse livro, é tão vivaz e não muito confiável quanto Riobaldo,o que me atraiu muito. Além da propria autora, eu ainda quase não ouvi ninguém sobre o Carlabê, por isso esse texto é bem unilateral. Li apenas ESTA RESENHA, escrita pela baiana Edna Góis, que é muito boa e traz relações literárias mais contemporâneas que eu desconhecia e vão além da referência ao clássico rosiano.  

Outra voz do romance é a da própria Carlabê, uma jovem solitária, com pouco estudo,  que trabalha subempregos para tentar permanecer morando no centro de São Paulo e tem a história marcada por eventos de toda jovem mulher, é assediada, sofre com gravidez indesejada, etc. Quando o romance começa e ela está sumida "há mais de uma semana", ela já não morava mais com a amiga Saramara, mas ainda trabalhava num açougue na região do largo de Santa Cecília. A voz de Carlabê é ouvida no romance através das cartas a seu irmão Abelardo,  que escreve em seu caderno, que está então em posse de Saramara. O conteúdo das cartas de Carlabê é o oposto da narrativa horizontal  de Saramara, mas é uma voz audível no romance: o que diria, se pudesse ser ouvida, aquela jovem garota.   

Talvez a voz feminina mais audível ao leitor, é a da cidade em pleno processo de modificação contante, que produz ruídos o tempo todo, falando alto e também calando o que ainda não deve ficar claro. Com esse artificio arriscado , Noronha aposta em uma das mais interessantes representações literárias da cidade de São Paulo que conheço.

Eu escolhi alguns poucos trechos interessantes do livro que gostaria de colar aqui, discutindo essas questões acima levantadas. 

A VOZ DA CIDADE

"Essa poeira no ar é a verdadeira notícia, eu acho. Ela embaça a vista, de noite então é um véu mais grosso,um véu sobre o véu da noite. Aqui no centro é ainda pior. É o pior lugar da cidade,o pior. Já mediram,trouxeram o aparelho que mede as partículas do ar. Trouxeram aqui e não deu outra , é o pior lugar para se estar. Respirômetro: se escreve como se fala.(***) Não é à toa (tosse tosse). E agora um corpo. Vem debaixo do nosso nariz e da janela da sala, debaixo também da lona da polícia e logo mais debaixo da terra. Sete palmos. Sete palmos uma ova, que estamos no Brasil. Isso dá o quê? (***) Cento e sessenta centímetros, obrigada. Um metro e sessenta, uma de mim inteira abaixo do chão. Enterrada de pé. Se é essa a medida. Alguém já confirmou com um coveiro? Quanta porcaria repetimos e repetimos. (Buzina, bate-estacas). Esqueça. Isso não muda nada. Está aí o cadáver."(p. 20)

"A cidade, o que ela quer dizer, jovem? Este barulho, o som, não para, ela não permite silêncio. Ou pior: o que ela cala com seus gritos? Hein? Fala por cima da gente." (P. 55) 

"Venha, sente-se, sente-se. À vontade, jovem. Descruze essas pernas, relaxe. Ouça a cidade. [bate-estacas, pássaros, choro de criança, vendedor gritando ofertas, martelete].Você ouve? Vida, jovem, vida! E Carlabê lidando com a morte, cheirando a morte, cotando  morte, moendo a morte, jovem! Vendendo a morte rodo dia. (74)   


CORPO ESTENDIDO NO CHÃO, A MORTE DA CIDADE 

"Veja a última vez. O corpo solo, no solo. Ali jaz. E a cidade jaz também ao redor. A cidade jaz há mais tempo. Sem o direito de ser enterrada. Ou talvez seja essa a função de todo esse pó. Colocar sete palmos sobre ela, deixá-la descansar. Mas o corpo agora está tão só, protegido pelo manto (serra policorte,ininteligivel )  em frente à papelaria (***) Não vou o cartaz plotado na porta? Xerocan,imprimem e plastificam. Mas tem que vender brinquedos também. Não prevejo um bom dia de vendas. O que você acha? Ou o corpo vai é chamar mais gente ali, não sei. Vou confessar: tenho vontade de fazer companhia a ele. Por que esses olhos tão grandes,jovem? É só carne." (P. 29)

"Carta 

No caminho pra cá cinco quadras quatro obras

Sem ninguém prédios no

Esqueleto 

Vem dessas obras o pó do ar saramara falou

Respirar dói esse vento gelado em nenhum momento você 

Pensou que ia pegar para mim abelardo roubar o açougue 

Roubar o golsalves é me roubar porque eu e o

Gonsalves

Fico inacredo contigo " (p.54)

"Esse pó, essa areia (tosse tosse).É assim também no seu  bairro? Sabe, não é só das construções, do chão sendo remexido e perfurado para subir mais um prédio. É também daqueles que estão virando ruína, dos micropedacinhos se soltando da velharia sem manutenção que tem aqui." (P.175)

"...eu só percebendo a inquietação, a água começando a fazer bolhas dentro dela,pronta para subir fervura. Carlabê querendo sentir que cabia, que se encaixava em algum lugar" (p.116)

OUTRAS REFERÊNCIAS 

AO GRANDE SERTÃO?

"Este bairro me mastigou, me engoliu, me cuspiu outra. Uma autóctone." (Carlabê, P.45)

"“O sertão me produziu, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca.” (Grande Sertão: Veredas)

 À BLITZ 

"Carlabê, agora desapareceu, sumiu, escafedeu-se, minha Arlinda Orlanda. Volte! Volta pra casa."(93).

COISAS DE MULHERES

" Carrego lenços na bolsa, essa é a lição número 3, jovem. Sempre carregue lenços, eles limpam lágrimas e todo tipo de sujeira. Mantém suas mãos imaculadas.,(p. 181)

"...eu só percebendo a inquietação, a água começando a fazer bolhas dentro dela,pronta para subir fervura. Carlabê querendo sentir que cabia, que se encaixava em algum lugar" p.116 

MARCAS DA LEITURA

A leitura do romance foi rápida, durou entre 3 e 7 de janeiro, marcada por postagens muitas vezes musicais das redes sociais. Nelas eu expresso algumas questões que me ajudam a formar um desenho do romance. Depois, como boa leitura, reverberou no meu pensamento :

3 de janeiro

CARLABÊ:Comecei a ler apenas as primeiras paginas ontem,por enquanto ainda não estamos flanando pela cidade, estamos no apartamento onde Carlabê morou com Saramara. Por hora só ouvimos um áudio de Saramara conversando com um interlocutor que grava a conversa sobre Carlabê. É uma leitura saborosa, escrita instigante, nada linear, requer muita atenção para saber quem está falando, quem está ouvindo ... É cheia de sons (a narrativa é cortada pelo som de ônibus, de carro de polícia, etc), de cheiros. Saramara explica que Carlabê trabalhava em um açougue e tudo que ela não queria era ficar cheirando carne, por isso emanava outros cheiros:
"Sente o cheiro? Baunilha, lavanda, frutinhas. Principalmente baunilha. O cheiro dela. Você sabe, o cheiro são moléculas que se desprendem de algo. Então, nesse sentido, ela segue aqui, sim." (P .11)

4 de janeiro

CARLABÊ: Saramara, uma jornalista sessentenária , e a jovem Carlabê ,que está desaparecida, moraram juntas num apartamento no bairro de Santa Cecília, mas não têm parentesco, são amigas , se ajudam, são companheiras. O que as une de verdade é a situação: duas mulheres sozinhas no centro da "maior cidade da América do Sul"("Sassa" canta Baby trocando "melhor cidade" por "maior cidade"). Elas "usufruem" de alguns "benefícios" como poder ir trabalhar a pé, caminhando pelo chão do centro, onde são vizinhas dos "mendigos, esses que abrem mão de um teto em outra parte 'da maior cidade', mas não abrem mão do chão, deste chão. Deste bairro. Do centro."(P.51)
O livro está se mostrando como uma espécie de raio-x de um viver no centro, como eu esperava encontrar. A narrativa é polifônica e a voz da cidade é a mais constante, pois a escrita de Noronha é bem contemporânea... Estou gostando muito, sentindo cada vez mais forte aquela agonia de ser uma mulher engolida pelo centro da "maior cidade" .
Sobre "Carlabê", Isabela Noronha. São Paulo: Cia das Letras, 2024

5 de janeiro

CARLABÊ: "Carlabê, agora desapareceu, sumiu, escafedeu-se, minha Arlinda Orlanda. Volte! Volta pra casa."(93).
Saramara é uma narradora sensacional, a alma desse livro! Eu sabia que esse "Arlinda Orlanda" era uma referência oculta (o livro tem algumas delas, eu amo), mas demorei tanto pra lembrar de onde veio:"Estou a dois passos do paraíso", da Blitz!


6 de janeiro

CARLABÊ: Faltam pouquíssimas páginas para o fim, não estou sabendo lidar com o fato de que logo vou me despedir da narrativa de Saramara, ou que até essa altura nada, ou quase nada, está claro para mim nessa história. Talvez termine assim, em aberto. Tomara que não, é um livro sensacional, merece um final! Vamos ver ...



7 de janeiro

CARLABÊ: Como havia adiantado, realmente terminei de ler meu primeiro livro do ano ontem. Em geral, pela sua escrita performática, posso dizer que é um livro literalmente sensacional, que causa sensações, porque não está totalmente pronto e coloca o leitor pra "trabalhar" a cada linha , para "completar", para ler cartas, ouvir os incômodos ruídos da cidade, a tosse, os silêncios cortando o texto o tempo todo! No fim me diverti, me emocionei e já estou com uma baita saudade! Saudade de cantar com Saramara, saudade do "pé do todi" (essa só entende quem leu), saudade do chão de Santa Cecília ,saudade de perfume de baunilha de Carlabê, saudade do seu "fodace"! Esse é só um texto curto de primeiras impressões,mas selecionei alguns trechos ótimos sobre a cidade,sobre o centro, sobre a vida e devo usar como norte do texto maior sobre ele que escreverei no Pequenidades. Dessa vez não vou deixar passar meses,juro!



9 de janeiro 

"OUVINDO" AUTORES NO INSTAGRAM: Como sempre digo, uma das coisas que mantém ativa minha conta no Instagram é a possibilidade de, eventualmente,me comunicar com autores que estou lendo. Não que seja essencial, afinal sempre prefiro ler a obra antes de ouvir o autor, mas é um deleite: acabo sempre conferindo se tem perfil do auto(a), quando tem, observar como se comporta com os leitores, etc. Embora eu comente em postagens as leituras em seu solitário decorrer, nunca marco o autor(a). E quando o livro é muito impactante eu mesma nem desejo falar nada,mas sempre acabo aprendendo alguma coisa acompanhando perfis de autores.
No caso de Isabela Noronha, autora de "Carlabê", eu soube do livro ouvindo ela falar dele, sobre "gentrificação no Santa Cecília" (atentei de cara para esse masculino) numa entrevista. Primeiro ouvi a autora. Agora, depois de meses desejando ler, ganhei de natal, li e fui assistir novamente aquela entrevista: Foi muito bom conseguir visualizar melhor, tanto o projeto literário de Isabela, quanto o próprio romance Carlabê. Nesse caso, ainda não sei se já quero comentar minha leitura com ela, tenho vergonha, embora ache que ela, uma autora de oficinas literárias, do tipo que gosta de ouvir leitores, adoraria saber que também achei seu livro "estranho"(ela adorou quando disseram isso). Eu é que ainda preciso digerir melhor.Fica o registro...


Aí fiquei namorando meu exemplar tão bonito 



Que leitura, meu amigos. Agora que escrevi esse post enorme sobre o maravilhoso primeiro livro do ano, já posso embarcar no segundo. Veremos ...