Isso, claro, foi algo inesperado, pois todos temos internalizada a crítica rasa "Olavo Bilac é parnasiano, o príncipe dos poetas, eca"
Mas o professor nos colocou esse desafio de ler Bilac, pensando no seu contexto histórico e literário...
No contexto literário, o poema foi publicado (o livro de poesia TARDE, de 1919) era, sim, um avanço para a época, não podemos ser anacrônicos e achar que eles tinham as mesmas concepções que temos hoje em dia, por favor!
Falando propriamente do poema, temos uma reflexão social, com um eu lírico que assume estar olhando tudo a partir de uma perpectiva superior (reparem como a segunda pessoa do singular determina o tom do discurso de superioridade, que não combina com o tema "música brasileira",como disse o professor, parece que o tema "cultura musical' estava tão fortemente presente que as belas letras não podiam mais se calar, então a idéia era falar sobre, mas assumindo um papel de superioridade em relação à algo tão popular ...
No que se refere ao contexto histórico, o poema aborda uma idéia muito da época, mesmo que hoje a consideremos ultrapassada e tal, que é a teoria das três raças. Se lembrarmos bem, em 1840 o IHGB (Instituto histórico georáfico do Brasil) promoveu um concurso que premiaria a melhor resposta para a pergunta "qual a melhor maneira de escrever a História do Brasil?" Quem ganhou o concurso foi Carl von Martius, com a proposta de que se deveria valorizar a contribução portuguesa (especialmente a monarquia), mas salientar que o processo histórico brasileiro devia considerar a fusão das três raças.
Mas não foi Matius quem executou sua idéia vencedora, mas sim Francisco Adolfo Varnhagen, que partiu dela para escrever sua História geral do Brasil, em 1854.
Nesse pouco mais de 50 anos entre a publicação do livro de Varnhagen e a do poema de Bilac, cresceu uma percepção de que essas três raças tinham em comum um sentimento de desadequação, pois a presença delas nestas terras eram produto de três povos em total estado de indeterminação, pois as três estava em trânsito quando da formação do Brasil: (a mata que não era mais o lugar só de índio; o deserto, que também não era mais o lugar do negro; e o mar que era o lugar transitório do colonizador português)
Todos precisavam mover-se em busca de algum pólo fixo, desta sensação, surge o Estado Brasil, que é definido pela falta de um ponto de chegada...
Alguns aninhos depois (lembrem-se que nalquela época não havia o imediatismo da intenet...) isso se concretizou como idéia no livro do Sergio Buarque de Holanda, Raizes do Brasil (1936), no qual lemos que somos estrageiros em nossa própria terra.
Não é pouca coisa lembrar, também, que essa idéia já aparecia em 1919, em um poema parnasiano, quem diria, heim!
Por isso que eu detesto criticas que apostam na POSITIVAÇÃO DA NEGATIVIDADE, porque acho que quem usa esse recurso pensa que fazer critica é simplesmente falar mal de algo, como uma mulher que um dia me disse não gostar do barroco mineiro por não gostar de igrejas... Como é?
Se formos por ai, perdemos algumas das maiores obras de arte do mundo, como a música de Bach... mas só podemos criticar com propriedade, se não formos ignorantes e construirmos nossa própria opinião, o mais longe de ideologias possível .
Enfim, leiamos o poema:
MÚSICA BASILEIRA
Olavo Bilac
Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.
Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.
És samba e jongo, chiba e fado, cujos
Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:
E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964, p.263.
Um comentário:
Concordo com você: o exercício crítico não significa a prática rasa do "falar mal". Boa sorte nesse seu novo curso. Um abraço.
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