terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Páramo, Guimarães Rosa


"Não me surpreenderia, com efeito, fosse verdade o que disse Eurípides: 'Quem sabe a vida é uma morte, e a morte uma vida?'" PLATÃO, "GÓRGIAS"

"Sei, irmãos, que todos já existimos, antes ou em diferentes lugares, e que o que cumprimos agora, entre o primeiro choro e o último suspiro, não seia o equivalente de um dia comum, senão que ainda menos, ponto e instante efêmeros na cadeia movente: todo homem é um ressuscita no primeiro dia.
Contudo, às vezes sucede que morramos, de algum modo, espécie diversa de morte, imperfeita e temporária, no próprio decurso desta vida. Morremos, morre-se, outra palavra não haverá que defina tal estado, essa estação crucial. É um obscuro finar-se, continuando, um trespassamento que não põe termo natural à existência, mas em que a gente se sente o campo de operação profunda e demandadora, de íntima transmutação precedida de certa parada; sempre com uma destruição prévia, um dolorido esvaziamento; nós mesmos, então, nos estranhamos. Cada criatura é um rascunho, a ser retocado sem cessar, até a hora da libertação pelo arcano, a além do Lathes, o rio sem memória. Porém, todo verdadeiro grande passo adiante, no crescimento do espírito, exige o baque inteiro do ser, o apalpar imenso de perigos, um falecer no meio de trevas; a passagem. Mas o que vem depois, é o renascido, um homem mais real e novo, segundo refém os antigos grimórios. Irmãos, acreditem-me.”

GUIMARÃES ROSA, ‘’Páramo”. In: Estas estórias, p. 261/2

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