Que livro lindo! Comprei ontem e ele já foi todo molhado de lágrimas de emoção. Vamos ler um belo trecho:
“Quando o homem fala, tenta dar um sentido, um significado, ao que estava em estado instintivo no som. O verbo quer classificar, selecionar, ordenar os sons gerados pela tensão visceral do corpo. Mas aquele signo, aquela canção, quer permanecer proto, latente. Mais do que mediar, o que é proferido pelas personagens é exibido, exposto.
O canto não é reproduzido (porque não reproduzível) pelo escritor, é pura potencialidade: - “era um constado de enormes diversidades desta vida, que podiam doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum. É o terreno do ‘poder ser’, do ‘vir a ser’ – ‘podiam doer’- sem qualquer lei - ‘sem jurisprudência’ (...)
O canto em “Sorôco...” é gerundinal. Ele espraia-se. (...) Quando as duas partem, Sorôco, solitário, ‘ afora essas não se conhecia o parente dele nenhum, separa-se da ascendência – a mãe – e da descendência – a filha- (...) O mundo inteiro era aquele canto, aquela dor. Sorôco sai do tempo, sem mãe e sem filha, sem passado e sem futuro. Presente absoluto que é a própria eternidade. Sorôco é um só oco, como sugere a etimologia de seu nome. A libertação temporal é também espacial: ‘ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras...’”
Gabriela Reinaldo. “Uma cantiga de se fechar
os olhos...”, p. 217.
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