segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Entrevista interessante com Luiz Tatit para a revista Pesquisa da FAPESP, Original disponivel aqui..
Lendo a entrevista me ocorreu que se a canção ,que segundo Tatit, a canção não se esgota no campo da música ( inclusive lembro dele falando em aula em 2009 que a sonoridade tem uma história e isso ultrapassa apenas música), não seria uma manifestação propriamente interdisciplinar (como o brincar, o humor, a cultura popular e tantas outras que cabem nos esqueminhas disciplinares....por isso eu, uma leiga, também posso escrever um artigo sobre o disco Minas (1975) de Milton Nascimento, por exemplo.Vamos à entrevista:

Luiz Tatit: A forma exata da canção

Com vasta carreira na música popular, linguista dá prioridade à investigação acadêmica da gênese da melodia a partir da fala
MÁRCIO FERRARI | ED. 246 | AGOSTO 2016

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© LÉO RAMOS
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Mesmo se considerando “mais acadêmico do que músico” – nada de vida boêmia nem o perfil avoado que se costuma atribuir aos criadores –, Luiz Tatit nunca deixou de seguir os chamados da arte. Com o grupo Rumo, fundado em 1974, gravou seis discos, um DVD e fez numerosos shows. Quando a banda decidiu se desfazer, em 1991, Tatit pensou que sua carreira musical havia terminado, mas houve convites irresistíveis de parceria. O professor voltou aos palcos e, em 1997, também ao estúdio para gravar o CD Felicidade (1997), o primeiro de sete até agora. O mais recente, Palavras e sonhos, saiu este ano.
“Sempre estive imerso numa dinâmica paradoxal”, escreveu o músico e linguista em um capítulo autobiográfico da segunda edição do livro Todos entoam (Atêlie Editorial, 2014). “Faço canções embebido de linguagem coloquial e escrevo textos calibrados na árida tradição do discurso semiótico francês.” Dentre esses textos – fruto do conhecimento acumulado numa carreira acadêmica da qual se aposentou há dois anos – estão os livros Semiótica da canção: Melodia e letra (Escuta, 1994), Musicando a semiótica (Annablume, 1997) e Análise semiótica através das letras (Ateliê, 2001), ao lado de obras que, sem perder o rigor da pesquisa, procuraram atingir um público mais amplo, como O cancionista: Composição de canções no Brasil (Edusp, 1995) e O século da canção (Ateliê, 2014). “Meu problema é como explicar a criação, e os artistas normalmente não se propõem a isso”, resume Tatit.
Hoje o pesquisador dá aula apenas na pós-graduação do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), que frequentou, na graduação, quase paralelamente ao curso de música da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Tatit só se deu o direito de ser ligeiramente indisciplinado em um aspecto. “Tenho ojeriza a todas as funções burocráticas: chefia, coordenação, diretoria…”, conta. “Mas o departamento sempre foi compreensivo quanto a isso. Nesses momentos, eles dizem: ‘Deixa, ele é artista’.”
Quando você entrou na ECA, já pensava em fazer o curso de música?
Não, o curso nem existia. Foi criado no segundo ano em que eu estava lá, em 1971. Minha opção pela ECA foi para adiar a decisão do que fazer. Eu sabia que minha área era humanidades, mas não tinha vontade de ir para o campo do direito, como meu pai. Sabia que o início do curso era básico. A ideia era escolher a carreira depois do primeiro ano. Pensei em publicidade, jornalismo, até cinema, porque havia assistido a aulas do Paulo Emilio Salles Gomes e fiquei encantado. Mas eu não tinha interesse específico por nada. Foi quando surgiu o curso de música.
Era uma solução?
Antes de entrar para o curso, eu nunca tinha feito contato com a teoria musical. Meu irmão [Paulo Tatit, criador da dupla Palavra Cantada, com Sandra Peres] e eu ganhamos um violão quando tínhamos 11 ou 12 anos. Fomos aprendendo, mas era tudo de ouvido. Eu achava que o que eu fazia era um pouco de música, porque já compunha e me apresentava, mas tudo no âmbito da canção. Quando cheguei ao curso, vi que música era outra coisa. Eu me empenhei para me adaptar porque estava precisando de um curso que me interessasse – música era uma possibilidade, pelo menos na ideia. E a ECA estava precisando de alunos que já estivessem na universidade, porque era uma opção apenas para quem tivesse completado o primeiro ano básico. Estudei intensamente durante uns três meses. Eles mesmos me ajudaram. O maestro Olivier Toni, que era chefe do Departamento de Música, indicou um professor que poderia me ensinar rapidamente alguns elementos para fazer o teste de aptidão, claro que de uma forma atabalhoada. Acabei passando e fiz o curso inteiro. Normalmente as pessoas paravam no meio porque, como eu, entravam pensando em canção. Terminei o curso para constatar que não era o que eu queria.
Idade
64 anos
Especialidade
Semiótica e canção
Formação
Graduação em linguística (1978) e música (1979) pela Universidade de São Paulo; mestrado, doutorado e livre-docência na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde hoje é professor titular
Instituição
FFLCH-USP
Produção científica
34 artigos, 29 capítulos de livros, 11 livros próprios e 2 com outros autores. Orientou 26 dissertações de mestrado e 20 teses de doutorado (3 em andamento)
Não havia curso para o que você queria?
Minha trajetória, tocando de ouvido, é mais ou menos a de todos que lidam com canção. Não tem trabalho de aprendizado musical, nem é preciso. Não conheço um compositor que tenha se beneficiado do aprendizado musical para fazer canção melhor.
Nem Tom Jobim?
Ele é exceção, talvez ao lado do Edu Lobo, que aprendeu música tardiamente. O Jobim é um dos poucos casos de músico que faz boas canções. Normalmente os músicos são precários na canção ou quando produzem alguma coisa interessante demoram muito. Um cancionista de verdade faz centenas de boas canções. Foi algo que só o tempo me fez constatar.
Nada restou da passagem pelo Departamento de Música?
O curso era de música erudita, e erudita de vanguarda. Eu perseverei, até por ser um desafio. Claro que a música erudita também tem coisas que encantam a gente. Fiquei envolvido nas análises das óperas e sinfonias de Mozart e até no estudo dos dodecafônicos. No entanto, via que aquilo nada tinha a ver com o que eu produzia e não iria aproveitar na minha atividade. Só culturalmente.
Como eram os professores do departamento?
Eu fiz muitos amigos entre os colegas, os professores e os instrumentistas de orquestra, mas os professores que realmente contavam em termos ideológicos eram o Willy Corrêa de Oliveira e o Olivier Toni. Era um curso muito elitista. O Toni gostava de ironizar o que eu fazia, mas gostava de mim pessoalmente. Tínhamos uma briga declarada, mas amistosa. E ele dava aulas muito boas sobre ópera e harmonia. Até hoje, quando faço análise harmônica, uso o que aprendi com ele. O Willy Corrêa de Oliveira era outra coisa, um compositor de música erudita muito ortodoxo. Na época era apaixonado pela música de vanguarda e dava a linha ideológica do departamento. Todos os seus alunos ficavam muito impressionados porque ele encarava a música como uma missão de vida. Só compunha coisas “puras” que pudessem ser explicadas do ponto de vista lógico, tanto que depois ele escreveu um livro com o título Beethoven proprietário de um cérebro. Quando havia greve, Willy levava a gente para ter aula na casa dele. Ele acreditava no que fazia de uma maneira visceral.
Como partiu para a área de linguística?
A música passou ao mesmo tempo a ser matéria de reflexão e composição. Fui fazer linguística em 1973. Na época era possível fazer dois cursos simultaneamente na USP. Eu me encaminhei para a ideia de criar um modelo para a canção e precisava distinguir o objeto-canção da música. Via que eram coisas muito diferentes e me perguntava por que todo cancionista que eu conhecia e de que eu gostava não sabia música. Isso precisava ser explicado. Canção não é música. Tenho 11 livros explicando isso. Sei que não é fácil entendê-los. Tem um fundo de semiótica, certa exigência que acaba afastando o leitor. Mas a questão é difundir ou pelo menos tentar explicar por que existe a diferença entre canção e música, que em geral não se percebe, não só no Brasil como no mundo todo. Existem cursos de música popular, mas não de canção. Nem nos Estados Unidos, que têm uma canção importante, absolutamente original e forte.
Quando você percebeu essa diferença?
Foi em 1974, no começo do grupo Rumo, que aliás foi criado praticamente para explicar isso. No começo era uma banda meio estranha. Apresentava o show e depois discutia com a plateia. A grande preocupação inicial era teórica. Havia uma busca comum a todos os membros do grupo. Começamos a ensaiar e ao mesmo tempo estudar os grandes sambas da era do rádio, especificamente dos anos 1920 e 1930. Eu fui desenvolvendo a ideia de que aqueles sambistas provavelmente compunham a partir de outra coisa que pouco tinha a ver com teoria musical. A melodia saía da fala e depois eram dados os contornos. O grande trunfo seria emitir a melodia e depois estabilizar aquilo para ser repetido sempre da mesma maneira. É esse o desafio do cancionista. Ele afinava um pouco as notas e levava para o cantor, que entregava para o maestro, que colocava na partitura, já corrigindo alguma coisa, e então se fazia o arranjo para a orquestra. Eles tinham a habilidade de transformar a modulação da fala em melodia cancional. Quase não dispunham de recursos musicais. Isso valia para Noel Rosa, Ismael Silva, Assis Valente, João de Barro, Lamartine Babo e Cartola, e, depois, também Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola etc.


Tatit (de barba) em foto da época do primeiro disco, de 1981: perdendo a ênfase didática com o processo de profissionalização
Por que a pesquisa foi buscar os primeiros sambistas?
Procuramos a origem para descobrir o “segredo” da canção. Foi nesse período que surgiu a canção moderna, ligada à gravação e ao rádio, simultaneamente com os Estados Unidos. No passado o que havia eram brincadeiras de rua: ficava-se repetindo um tema. Ainda não havia canção como se conhece, com primeira e segunda parte, voltando em seguida. A organização do formato só aconteceu com o disco, para fixar na memória, uma vez que os compositores não utilizavam partitura. Era esse formato que a gente queria entender. Nós fizemos nessa época uma pesquisa imensa com colecionadores. Foi o que deu origem ao disco Rumo aos antigos, que saiu ao mesmo tempo que o disco de estreia com canções originais, que chamava apenas Rumo, de 1981. Mas o insight veio mesmo com uma música do repertório de Germano Mathias, Minha nega na janela, na gravação do Gilberto Gil. Eu quase enxergava o compositor fazendo a canção a partir de uma fala. Concluí que os autores não têm consciência disso, porque não é papel deles refletir sobre a linguagem da canção. Parece com a nossa consciência da gramática da língua. Falamos e escrevemos português, mas ninguém tem consciência de onde está o predicado, o complemento nominal etc. A gramática é algo intrínseco a todas as linguagens. Só os gramáticos a explicitam. Estudar a linguagem é estudar a gramática interna – da música, do teatro, da televisão, de tudo. Naquele momento eu estava tentando explicitar a gramática da canção.
Como o estudo da linguística o ajudou nessa pesquisa?
Não havia ninguém que escrevesse sobre isso. Como o curso de música não tinha resolvido o tema da canção, decidi procurar em outro lugar. De início, fui às aulas de literatura, que tinham os melhores professores na época. O curso do Davi Arrigucci Júnior, por exemplo, me empolgou. Mas continuava não resolvendo a questão. Aí achei o curso de semiótica. Meu interesse foi pela própria disciplina, que me seduziu porque eu percebi que servia para todas as linguagens ou manifestações narrativas. Eu vi que, em termos de continuidade de estudo, era ali que estava a saída.
Quando decidiu ser professor?
Achei que a pós-graduação poderia me interessar porque eu gosto de pesquisa e tinha uma ideia para levar adiante. Comecei a fazer mestrado enquanto dava aula de violão para sobreviver, umas 40 por semana. Nessa época a dissertação de mestrado tinha a mesma importância e dava o mesmo trabalho que o doutorado. Quando cheguei ao doutorado, soube que podia pedir uma bolsa – ninguém tinha me dado essa informação. Quando terminei, em 1986, percebi que não tinha profissão rentável e em 1987 passei um ano terrível. Os problemas financeiros só foram resolvidos porque passei a fazer jingles com o pessoal do Rumo. No ano seguinte, entrei para o corpo docente, e isso me facilitou tremendamente a vida. Minha profissão estava definida. Em todas as minhas pesquisas, a questão era semiótica e a aplicação era a canção. Na época ganhei uma bolsa da Fundação Vitae, que hoje não existe mais. Foi o que resultou no livro O cancionista. Era uma bolsa muito boa, quase o dobro do salário da USP.
Os termos cancionismo e cancionista surgiram aí?
Eu já havia utilizado antes, em 1983, num artigo para a Folha de S.Paulo. Nesse livro, fiz um esforço tremendo para escrever algo mais legível do que os livros de perfil acadêmico. Embora seja uma disciplina muito importante para mim, sei que a semiótica é quase ilegível. No decorrer da escrita desse livro, me ocorreu estender o conceito a todas as pessoas ligadas à canção – o cantor, o instrumentista, até o ouvinte. O título ficou O cancionista – Composição de canções no Brasil.
Na época das vacas magras, o Rumo não garantia algum sustento?
Nós já estávamos quase no fim da carreira, só faltava o último disco, que saiu em 1992. Mas nunca resultou em nada financeiramente. Nós éramos 10 pessoas. Se ganhávamos alguma coisa, era sobra de bilheteria. E nos teatros em que a gente se apresentava, como o Lira Paulistana, cabiam no máximo 200 pessoas. Não se falava em dinheiro. O Rumo só durou tanto porque todos faziam outra coisa.
Como se desenvolveu a musicalidade do Rumo, considerada original pelos críticos?
No início a banda tinha o nome Rumo de Música Popular. Começou mais como uma proposta teórica do que uma banda de música. O interesse de pesquisa era principalmente meu, mas acabou influenciando o pessoal no sentido de defender uma ideia. O desafio era conseguir arranjar a musicalidade das canções, que eram feitas a partir de entoação. Os instrumentos não podiam burlar aquelas inflexões que vinham da fala. Por isso as músicas tinham uma entoação explícita, todos diziam que era “canto falado”. Era exatamente essa a proposta: mostrar a origem da canção em cada composição. Às vezes até saía uma coisa mais legal, mas em geral as canções eram duras, ásperas, didáticas. Às vezes ficavam um pouco instrutivas demais, mas depois do primeiro disco passamos a dominar a nova técnica e tudo se suavizou. Houve três ou quatro anos de certa efervescência.
© ARQUIVO PESSOAL
Tatit em carreira solo com a convidada Ná Ozzetti, ex-companheira do Grupo Rumo
Tatit em carreira solo com a convidada Ná Ozzetti, ex-companheira do Grupo Rumo
Quando e como foi a decisão de acabar?
Não conseguíamos mais nos encontrar para ensaiar e fazer temporadas. Eu já estava na USP, e todos os outros tinham seus projetos pessoais. Não havia como viajar. Dissemos: “Vamos parar, já que até aqui viemos bem”. Fizemos um show em 1992, lançando um disco novo, com canções inéditas, que se chamava Rumo ao vivo. Voltamos em 2000, por saudade de fazer show, e fizemos uma apresentação em 2004. Fechamos bem o ciclo, e convertemos todos os discos em vinil para CD. Só o último disco, de 1992, tinha sido lançado diretamente em CD.
Vocês participaram da época mais agitada da casa de shows Lira Paulistana. Eram chamados de “vanguarda paulista”. 
Esse rótulo veio da imprensa. Não fomos nós que inventamos. Nossos estilos eram completamente diferentes: o Rumo era uma coisa, o Arrigo Barnabé era outra, o Premê [grupo Premeditando o Breque], outra ainda. Tínhamos em comum o Lira Paulistana, que dava espaço para todos. Acabamos aceitando o rótulo porque todos tinham interesse em mostrar uma nova forma de compor. Nós nunca compusemos para o mercado, não por desprezo, mas porque não sabíamos fazer assim. Só muitos anos depois, a partir de 2011, gravei um disco com o Arrigo, exatamente quando fizemos 60 anos. Com o Itamar Assumpção, fizemos algumas parcerias no finalzinho da vida dele. Ele me telefonava, passava as letras e eu fazia as melodias – mas ele já estava muito doente, nem comentou as últimas melodias que eu fiz.
Você segue principalmente as ideias do linguista Algirdas Julien Greimas. É possível explicá-las em linhas gerais e poucas palavras? 
Greimas, embora nascido na Lituânia, é o criador da semiótica francesa, com um projeto que vem do linguista suíço Ferdinand de Saussure [1857-1913]. Ele apareceu em 1966 com o livro Semântica estrutural, que propôs um modelo geral para descrever o sentido. A ideia vem da teoria narrativa do folclorista russo Vladimir Propp, que analisou algumas dezenas de contos tradicionais, defendendo a ideia de que cada um deles é uma espécie de arquétipo recorrente de construção do sentido – ou seja, a estrutura é a mesma. Greimas levou isso mais longe. Para ele, a estrutura é a mesma em todos os textos e até no pensamento científico.
E como você chegou à aplicação específica para as canções?
No final dos anos 1980, apareceu um outro autor, o francês Claude Zilberberg, com a semiótica tensiva, que discorda da interpretação, então predominante, de que Saussure tratava de estruturas estáticas. Zilberberg incluiu aspectos dinâmicos e temporais da fala no cerne do modelo semiótico, como as inflexões de andamento e tonicidade. Essas noções me permitiram pensar em categorias gerais que pudessem sustentar ao mesmo tempo os processos linguísticos e melódicos. Era o que faltava para uma apresentação coerente dos mecanismos que provocam os efeitos de compatibilidade entre melodia e letra depreendidos da superfície das canções. A minha livre-docência é inteira sobre esse autor.
O modelo semiótico que você desenvolveu tem continuidade?
Espero que sim. Observo que meu modelo aplicado à canção é único por enquanto, mas há muitos orientandos que o aproveitaram para seus trabalhos e agora estão em outras faculdades pelo Brasil. O processo é lento, mas está acontecendo. Virou um projeto de vida para mim. Não dá para fazer semiótica se não for um projeto de vida. É difícil, mas, ao mesmo tempo, quando se domina, fica-se querendo aplicar.
Quais são as grandes mudanças que você observou desde seus primeiros dias na carreira acadêmica?
Eu ainda peguei uma fase na USP, sobretudo no final dos anos 1980, em que a visão da carreira era bem diferente. Os professores da área de humanidades normalmente dirigiam suas ideias para produzir livros, que às vezes demoravam 10 anos para serem escritos. Eu ainda sou um pouco assim, e me sinto desadaptado aos dias de hoje. Tudo o que interessa do que eu produzi está em livro. A prática atual é escrever pequenos artigos para publicar, de preferência, em revistas internacionais, seguindo o modelo norte-americano. Quem não fizer isso não ganha pontos suficientes sequer para fazer um curso de pós-graduação. Sob pretexto de internacionalizar a universidade, tornou-se dominante uma prática que só faz sentido nas áreas de exatas e biológicas, para mostrar que a pesquisa tem interesse mundial, às vezes, em textos escritos diretamente em inglês técnico. Mas em ciências humanas o interesse normalmente é local. Estuda-se uma comunidade próxima ou o nosso idioma, por exemplo. A semiótica explica bem isso: há certas coisas que você só alcança na sua língua.

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