Eu, com minha velha edição |
Neste fim de semana terminei a leitura de um dos livros mais melancólicos que eu já li, Ninguém escreve ao coronel (1968), de Gabriel García Márquez. Conforme o site da Amazon:
Segunda obra de García Márquez, Ninguém escreve ao coronel foi escrito em 1957, em Paris. Na época, aos 29 anos e trabalhando como correspondente de um jornal colombiano, o escritor vivia a depressão causada por uma grande nostalgia da sua Colômbia natal, agravada por sérias dificuldades financeiras. Pretendia estudar cinema na capital francesa, mas o periódico para o qual trabalhava foi fechado pelas autoridades colombianas.García Márquez redigiu três versões dessa novela curta, recusada por diversos editores até conseguir publicá-la, em 1961.
Não me lembrava se tinha ou não lido este livro, mas como sempre
acontece, me dei conta que eu pelo menos comecei a ler, porque encontrei
comentários à lápis nas primieras páginas. Agora reli inteirinha e foi uma
delicia! Nesta minha edição brasileira, da Recorde de 1968, a tradução é de
Danúbio Rodrigues, com capa de Darell e belas ilustrações internas de Carybe,
como esta, onde vemos os três personagens principais da breve novela, o
coronel, sua esposa acamada e o galo de briga do seu falecido filho Austín:
O livro conta a história de um ex coronel reformado, que cumpriu sua
missão e lutou pela pátria e para o qual ficou prometido o pagamento de uma
aposentadoria como retribuição. É a carta que atesta o ganho deste benefício
que o coronel espera há quinze anos, indo semanalmente ao correio para saber se
ela enfim chegou, mas “há quinze anos é sempre a mesma.lenga-lenga.
Isso já começa a parecer uma história de nunca se acabar.” (P.38)
Ele, em completa noção do absurdo da situação, zanga-se pela primeira
vez, “dando conta da sua solidão, Todos
os meus companheiros morreram esperando o correio” (...) Isso não é esmola.Não se trata de pedir
favor. Arriscamos nossa pele para salvar a República.” (P.38-9)
Mas como bem sabemos, nesta nossa América Latina, o mais comum aos
cidadãos sempre foi esperar anos, décadas, toda uma vida, sem receber nenhum
auxílio governamental, sempre preocupado com outras coisas e nunca com a vida
de seus compatriotas.
Ainda que casado, é destacado na história que o coronel (como todo
latino americano? Como todo personagem de Gabo?) é um homem solitário, o que
fica destacado em uma fala em tom quase
infantil, quando descobre que, mais uma vez, não recebeu nenhuma
correspondência :
“Eu não tenho quem me escreva.” (P.22)
Na primeira leitura que eu fiz, tem uma anotação na margem: Charlie Brown ficou triste porque só Snoopy recebe cartas |
Ou quando sua esposa o contesta:
“Você tinha direito a um cargo quando lhe botaram para moer ossos nas eleições. Também tinha direito à pensão de veterano, depois de arriscar a pele na guerra civil. Agora, todos estão com a vida assegurada e você, morrendo de fome, completamente só.
-Não estou só- defendeu o marido.
Procurou explicar qualquer coisa, mas foi vencido pelo sono”.(p.93)
Pobre e isolado na sua cidadezinha, o Coronel tinha apenas um bem
material para tentar garantir o sustento do casal, um galo de briga que herdou
de seu filho. Para sustentar o galo, ele e a esposa chegavam até a passar fome
e a mulher cansava de sugerir que o marido vendesse o galo, já que não estavam
mais podendo cuidar no bicho.
Mesmo concordando com a esposa, para o Coronel, abrir mão do galo que
tinha sido de seu filho, era uma uma
atitude que traria dores enormes, isso porque manter o galo era como manter o
filho vivo, de alguma forma. Simbolicamente o galo é também a
lembrança de um tempo bom, em que vivia com liberdade:
“O Coronel
lembrou-se de outra época. Viu a si mesmo com a mulher e o filho assistindo,
debaixo do guarda-chuva, a um espetáculo que não foi interrompido, apesar do
mau tempo. Lembrou-se também dos dirigentes de seu partido, escrupulosamente
penteados, abanando-se no quintal de sua casa ao som da música.”(P.87)
Manter o galo, “esse bicho que se
alimenta de carne humana” (P.77), apesar de tudo e de todos era o mais
importante, pois ele era a própria resistência, do latino americano, “sem dinheiro no banco, sem parentes
importantes e vindo do interior”.
Não é nada à toa que essa história, e o próprio
Coronel, sejam conhecidos dos mais
representativos da literatura hispano-americana.
Vale muito ler essa pequena joia.
Enquanto lia a novela de Gabo, muitas canções passaram pela minha cabeça, especialmente essa :
"Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela..."
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