domingo, 16 de maio de 2021

Ninguém escreve ao Coronel : Uma narrativa de solidão e resistência latino americana

 

Eu, com minha velha edição

Neste fim de semana terminei a leitura de um dos livros mais melancólicos que eu já li, Ninguém escreve ao coronel (1968), de Gabriel García Márquez. Conforme o   site da Amazon:

Segunda obra de García Márquez, Ninguém escreve ao coronel foi escrito em 1957, em Paris. Na época, aos 29 anos e trabalhando como correspondente de um jornal colombiano, o escritor vivia a depressão causada por uma grande nostalgia da sua Colômbia natal, agravada por sérias dificuldades financeiras. Pretendia estudar cinema na capital francesa, mas o periódico para o qual trabalhava foi fechado pelas autoridades colombianas.García Márquez redigiu três versões dessa novela curta, recusada por diversos editores até conseguir publicá-la, em 1961.

Não me lembrava se tinha ou não lido este livro, mas como sempre acontece, me dei conta que eu pelo menos comecei a ler, porque encontrei comentários à lápis nas primieras páginas. Agora reli inteirinha e foi uma delicia! Nesta minha edição brasileira, da Recorde de 1968, a tradução é de Danúbio Rodrigues, com capa de Darell e belas ilustrações internas de Carybe, como esta, onde vemos os três personagens principais da breve novela, o coronel, sua esposa acamada e o galo de briga do seu falecido filho Austín:



O livro conta a história de um ex coronel reformado, que cumpriu sua missão e lutou pela pátria e para o qual ficou prometido o pagamento de uma aposentadoria como retribuição. É a carta que atesta o ganho deste benefício que o coronel espera há quinze anos, indo semanalmente ao correio para saber se ela enfim chegou, mas “há quinze anos é sempre a mesma.lenga-lenga. Isso já começa a parecer uma história de nunca se acabar.” (P.38)

Ele, em completa noção do absurdo da situação, zanga-se pela primeira vez, “dando conta da sua solidão, Todos os meus companheiros morreram esperando o correio” (...) Isso não é esmola.Não se trata de pedir favor. Arriscamos nossa pele para salvar a República.” (P.38-9)

Mas como bem sabemos, nesta nossa América Latina, o mais comum aos cidadãos sempre foi esperar anos, décadas, toda uma vida, sem receber nenhum auxílio governamental, sempre preocupado com outras coisas e nunca com a vida de seus compatriotas.

Ainda que casado, é destacado na história que o coronel (como todo latino americano? Como todo personagem de Gabo?) é um homem solitário, o que fica destacado em uma fala  em tom quase infantil, quando descobre que, mais uma vez, não recebeu nenhuma correspondência :

“Eu não tenho quem me escreva.” (P.22)

Na primeira leitura que eu fiz, tem uma anotação na margem:
Charlie Brown ficou triste porque só Snoopy recebe cartas

Ou quando sua esposa o contesta:

“Você tinha direito a um cargo quando lhe botaram para moer ossos nas eleições. Também tinha direito à pensão de veterano, depois de arriscar a pele na guerra civil. Agora, todos estão com a vida assegurada e você, morrendo de fome, completamente só. 

-Não estou só- defendeu o marido.                      

 Procurou explicar qualquer coisa, mas foi vencido pelo sono”.(p.93)

Pobre e isolado na sua cidadezinha, o Coronel tinha apenas um bem material para tentar garantir o sustento do casal, um galo de briga que herdou de seu filho. Para sustentar o galo, ele e a esposa chegavam até a passar fome e a mulher cansava de sugerir que o marido vendesse o galo, já que não estavam mais podendo cuidar no bicho.

Mesmo concordando com a esposa, para o Coronel, abrir mão do galo que tinha sido de seu filho,  era uma uma atitude que traria dores enormes, isso porque manter o galo era como manter o filho vivo, de alguma forma. Simbolicamente o galo é também a lembrança de um tempo bom, em que vivia com liberdade:

“O Coronel lembrou-se de outra época. Viu a si mesmo com a mulher e o filho assistindo, debaixo do guarda-chuva, a um espetáculo que não foi interrompido, apesar do mau tempo. Lembrou-se também dos dirigentes de seu partido, escrupulosamente penteados, abanando-se no quintal de sua casa ao som da música.”(P.87)  

Manter o galo, “esse bicho que se alimenta de carne humana” (P.77), apesar de tudo e de todos era o mais importante, pois ele era a própria resistência, do latino americano, “sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

  Não é nada à toa que essa história, e o próprio Coronel, sejam conhecidos dos  mais representativos da literatura hispano-americana.

Vale muito ler essa pequena joia.

Enquanto lia a novela de Gabo, muitas canções passaram pela minha cabeça, especialmente essa :

"Já foi lançada uma estrela

Pra quem souber enxergar

Pra quem quiser alcançar

E andar abraçado nela..."



 

 

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