Koré (I)
Por que sempre voltas mendiga
com braceletes de ouro e súplices olhos
de violeta?
Tuas sandálias te trazem nos andrajos
de púrpura. É primavera.
O vento se debate
nos arbustos brilhantes.
O jardim te espelha, pétalas refletem
teu sorriso
e se ofuscam.
Voltas. Sempre de novo és tu
e me assedias:
vaso antigo, útara,
coluna entre o arvoredo.
Queres cantar comigo na relva da manhã?
Conheço tuas pálpebras, os anéis do teu cabelo,
a curva de teu colo. Sem te ouvir
sei como cantas.
Voltaste: é primavera.
O jardim se adorna
com jóias do teu cofre
pérolas frementes.
Forças, amiga, demasiado as cordas
do meu canto.
Revela-se em mim tua fragilidade.
Demora, se puderes, e com o orvalho de teus colares claros
guarda meu pranto
quando ainda mais uma vez
te fores.
Dora Ferreira da Silva, in: Hídrias (2004).
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