O Alfabeto grego
A introdução das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700 a.C., deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles inventaram a cultura letrada e a base do pensamento moderno. Nas condições modernas, parece haver apenas um curto lapso de tempo entre a invenção de um dispositivo e sua plena aplicação social e industrial, e nós nos acostumamos a pensar nisso como um fato de tecnologia. Isto não foi o que aconteceu no caso do alfabeto. As formas e os valores das letras tiveram de atravessar um período de variação local, antes de se tornarem padronizados para toda a Grécia. Mesmo depois que a técnica foi padronizada, ou quase, sempre houve duas versões concorrentes, a oriental e a ocidental – , seus efeitos registraram-se devagar na Grécia; esses efeitos foram, depois,parcialmente anulados, durante a Idade Média europeia; só chegaram a uma plena realização com o posterior invento do prelo. (...)
Essa invenção democratizou o conhecimento da escrita, ou antes tornou possível a democratização. Isto é frequentemente afirmado, porém em termos simplistas, como se fosse mera questão de aprender um certo número de letras, ou seja, aprender a escrevê-las. Dai que até ao sistema semítico se tenha atribuído este avanço. Se as sociedades semíticas da Antiguidade mostraram tendências democráticas, não foi porque fossem letradas. Ao contrário, na medida em que sua democracia foi modificada pela teocracia, com cargos sacerdotais investidos de considerável prestígio e poder, elas mostraram todos os sintomas de uma cultura perti-letrada. O sistema grego, graças a sua superior análise do som. Pôs a capacidade de ler teoricamente ao alcance de crianças num estágio em que ainda estavam aprendendo os sons de seu vocabulário oral. Adquirida na infância, essa competência podia converter-se num reflexo automático e assim passível de espalhar-se pela maioria de uma população determinada, desde quando se aplicasse o vernáculo. Mas isso significava que a democratização dependeria não apenas do invento em apreço, mas também da organização e manutenção do ensino escolar de leitura num nível elementar. Isso não foi alcançado na Grécia senão, talvez, trezentos anos depois que o problema técnico fora resolvido; e essa conquista foi abandonada de novo na Europa durante um longo período depois da queda de Roma. Quando funcionou, ela tornou o papel do escriba ou clérigo obsoleto, e retiro o status elitista do conhecimento da escrita, característico das épocas perito-letradas.
Foram os efeitos externos, políticos-sociais, da aquisição do pleno domínio da escrita, tão importantes e profundos como às vezes se proclama? Nossos estudos posteriores de culturas orais lançam sobre isso algumas dúvidas. O que a nova escrita pode ter feito, a longo prazo, foi mudar, em alguma medida, o conteúdo da mente humana. (...) A eficiência acústica da escrita teve um resultado que foi psicológico: uma vez aprendida, não se tem que pensar nela. Embora ela seja uma coisa visível, uma série de marcas, ela cessa de interpor-se, como objeto de pensamento, entre o leitor e sua recordação da língua falada. Desse modo, a escrita veio a assemelhar-se a uma corrente elétrica ligando recordação de sons da palavra falada diretamente ao cérebro, de modo que o sentido parece ressoar na consciência sem referir-se às propriedades das letras usadas. A escrita foi reduzida a um truque; não tinha valor intrínseco em si mesma como escrita, isso a distinguia das anteriores. Veio a ser um traço característico do alfabeto o fato de que os nomes das letras gregas, emprestados do fenício, pela primeira vez se tornaram sem sentido: alfa, beta,gama etc, são apenas uma cantilena destinada a gravar os sons mecânicos das letras, usando o chamado princípio acrofônico, numa série fixa no cérebro da criança, ao tempo em que correlaciona estreitamente com a visão de uma série de formas que o menino olha enquanto pronuncia os valores acústicos. Esses nomes, no semítico original, original nomes de objetos comuns, como ‘casa’, ‘camelo’ etc. (...)
Essa invenção democratizou o conhecimento da escrita, ou antes tornou possível a democratização. Isto é frequentemente afirmado, porém em termos simplistas, como se fosse mera questão de aprender um certo número de letras, ou seja, aprender a escrevê-las. Dai que até ao sistema semítico se tenha atribuído este avanço. Se as sociedades semíticas da Antiguidade mostraram tendências democráticas, não foi porque fossem letradas. Ao contrário, na medida em que sua democracia foi modificada pela teocracia, com cargos sacerdotais investidos de considerável prestígio e poder, elas mostraram todos os sintomas de uma cultura perti-letrada. O sistema grego, graças a sua superior análise do som. Pôs a capacidade de ler teoricamente ao alcance de crianças num estágio em que ainda estavam aprendendo os sons de seu vocabulário oral. Adquirida na infância, essa competência podia converter-se num reflexo automático e assim passível de espalhar-se pela maioria de uma população determinada, desde quando se aplicasse o vernáculo. Mas isso significava que a democratização dependeria não apenas do invento em apreço, mas também da organização e manutenção do ensino escolar de leitura num nível elementar. Isso não foi alcançado na Grécia senão, talvez, trezentos anos depois que o problema técnico fora resolvido; e essa conquista foi abandonada de novo na Europa durante um longo período depois da queda de Roma. Quando funcionou, ela tornou o papel do escriba ou clérigo obsoleto, e retiro o status elitista do conhecimento da escrita, característico das épocas perito-letradas.
Foram os efeitos externos, políticos-sociais, da aquisição do pleno domínio da escrita, tão importantes e profundos como às vezes se proclama? Nossos estudos posteriores de culturas orais lançam sobre isso algumas dúvidas. O que a nova escrita pode ter feito, a longo prazo, foi mudar, em alguma medida, o conteúdo da mente humana. (...) A eficiência acústica da escrita teve um resultado que foi psicológico: uma vez aprendida, não se tem que pensar nela. Embora ela seja uma coisa visível, uma série de marcas, ela cessa de interpor-se, como objeto de pensamento, entre o leitor e sua recordação da língua falada. Desse modo, a escrita veio a assemelhar-se a uma corrente elétrica ligando recordação de sons da palavra falada diretamente ao cérebro, de modo que o sentido parece ressoar na consciência sem referir-se às propriedades das letras usadas. A escrita foi reduzida a um truque; não tinha valor intrínseco em si mesma como escrita, isso a distinguia das anteriores. Veio a ser um traço característico do alfabeto o fato de que os nomes das letras gregas, emprestados do fenício, pela primeira vez se tornaram sem sentido: alfa, beta,gama etc, são apenas uma cantilena destinada a gravar os sons mecânicos das letras, usando o chamado princípio acrofônico, numa série fixa no cérebro da criança, ao tempo em que correlaciona estreitamente com a visão de uma série de formas que o menino olha enquanto pronuncia os valores acústicos. Esses nomes, no semítico original, original nomes de objetos comuns, como ‘casa’, ‘camelo’ etc. (...)
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