Clarice Lispector. "A via Crucis do corpo" 1a. ed.. Rio de Janeiro:Artenova Capa Salvio Negreiros, 1974 Naquela grande faxina do começo da quarentena, em março, achei livros que havia esquecido que eu tinha e não achei um (Do Desejo, Hilda Hilst) que tinha certeza que tinha, mas não tenho. Os da Clarice Lispector que tenho, e amo, estão todos aqui. Apenas seleção de favoritos. Mas ter encontrado esse me surpreendeu. Não lembro de ter lido. Ele tem uns sublinhados, mas não fui eu, de olhar eu não reconheço esse texto, ele foi comprado em um sebo e custou R$5.Uma primeira edição de Lispector, com uma capa muito estilo "perto do coração selvagem" da vida , por esse preço?! Quando achei, tirei o pó e guardei de novo na estante e esqueci. Agora, meses depois, pensei em me aproximar deste estranho e ler, por isso o resgatei, agora, depois da juventude, ler (não reler) Clarice, como será? Na nota introdutória achei a velha Clarice: genial, pena que se leve tão a sério. Mas isso tinha uma justificativa que é claramente reiterada ao longo do livro: A obra nasceu da necessidade financeira da autora e foi feita a toque de caixa e para atender uma encomenda: Um livro de textos eróticos. Em 1974 Clarice tinha seus pudores, o maior deles era o medo de que, um dia, seus filhos viessem a ler a obra! Mas a necessidade, muito mais do que a ocasião, faz o ladrão! O fato é que o livro, bem curtinho, falha à proposta encomendada de ser literatura erótica,palmas à ele, não não por não ter muito muito erotismo (talvez fosse bem vindo),mas por se recusar a ser "de encomenda". Eu sei que falha porque sou uma leitora de Hilda Hilst - a diva da literatura erótica nacional - desde menina, sei o que é literatura erótica e sei que os textos de Clarice, nesse livro, passam perto, mas não saem das margens. Interessante é que Hilst também fica à espreita dessa leitura, tanto que comecei o post citando um livro dela, ausente em minha biblioteca. Mas voltando à Clarice, eu me compadeço dela, compreendo seu pudor, e concluo que do jeito que está, muito ao modo Lispector, o livro ficou bom, Nem precisava ser mais erótico, pois todo texto de Clarice, aquela ficção desvela as cascas e armaduras. Porém, em meio aos textos de ficção, insólitos, quase obscenos, dramáticos e até engraçados, ela insere alguns depoimentos muito doídos (para ela e para nós), que em sua maioria, tratam da dor de escrever aquele livro:
Em uma dessas crônicas, senti o primeiro arranhão no meu peito com o seguinte trecho sobre um fracassado :
Todo escritor carece de um bom leitor para si, eu sei que não sou sou boa leitora de alguns grandes autores, como Machado de Assis, mas da Clarice eu acho que sou uma leitora bem razoável. Digo isso, evidentemente, porque ela consegue me dar as porradas que deseja. Mesmo com esse livrinho erótico de açúcar, me roubou uma noite de sono, a qual passei amarguradamente ouvindo Danúbio Azul:
Não sei se o período da pandemia, da quarentena, do isolamento social ao qual estamos submetidos agora é o melhor para se ler Clarice, mas eu li, precisei ler, e precisei ler agora, Nada acontece por acaso. Dizia uma a professora de literatura brasileira na USP de quem fui aluna, Yudith Rosembaun, que a gente não sai da leitura de uma obra de Clarice do mesmo jeito que entrou. A professora repete e amplia essa ideia neste vídeo. Enquanto isso, nesse domingo de inverno, vou continuar a ouvir Danúbio Azul. |
domingo, 5 de julho de 2020
Pelas pontas dos dedos : Lendo "A via crucis do corpo", de Clarice Lispector
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