domingo, 28 de outubro de 2012

Partimpim Tlês - Release


Adriana Partimpim voltou a gravar um CD (oba!) e agora, ao contrário do que aconteceu no PARTIMPIM DOIS, ela não cresceu, mas diminuiu ! Aqui vai o release do trabalho, que eu baixei do seu site: divirtam-se:

Um, dois, tlês e...
Por Leonardo Lichote.


Partimpim mostra a mão, três dedos para cima, polegar e indicador juntos fazendo um círculo. É o sinal de ok. É o três. É seu terceiro disco. Na língua de criança que ainda não domina os erres e eles do mundo adulto – e assim os reinventa, provocadora -, ela diz “Tlês”.
“Tlês”, dito assim, é fala de gente muito pequena. Partimpim vem da densidade (infantil, mas densa) de “Dois” - com seu “Alexandre”, seu “Trenzinho do caipira” –, um claro amadurecimento da menina esperta que aparecera no disco de estreia, em 2004. Estaria Partimpim agora, portanto, regredindo, desamadurecendo? Nada. Sua lógica é outra, seu espaço-tempo tem regras próprias. Adriana Calcanhotto, alter-ego mais comportado de Partimpim, é quem dá o diagnóstico certeiro:
- Ela encolheu.
Isso. Como Alice, como a carruagem que virou abóbora depois da meia-noite, como um príncipe enfeitiçado por bruxa, como a molecada de “Querida, encolhi as crianças”. Partimpim agora canta canções em tom menor – licença ao maestro, a conversa não é de teoria musical, ou seja, tom menor aqui é menor de encolhido. Tão encolhido que a Partimpim de “Tlês” mede poucos centímetros, como aparece na foto da capa do CD, em sua encarnação atual, como boneca.
Menor, mas sem tatibitate. “Tlês” carrega a mesma sofisticação musical e poética de seus antecessores. Na superfície de suas 11 faixas, um apelo direto aos pequenos, sensorial, em seus arranjos lúdicos. Descendo uma camada, uma palavra estranha aqui ou um timbre inesperado ali acendem a luz de alerta nos ouvintes, aguçam a curiosidade, o comichão de entender o porquê daquele som, daquele verso (“Por que os peixes falam francês, não alemão?” é apenas uma das charadas do CD). Indo mais fundo, os mais velhos perceberão o diálogo sagaz entre as versões de Partimpim e as originais de Chico Buarque ou Jorge Ben Jor ou Dorival Caymmi. E assim, camada a camada, se penetra até chegar a leves reflexões filosóficas para todas as idades – sobre a vida, sobre a infância e sobre a música brasileira, sua tradição e como Partimpim, brincando, entra aí.
“Filosófica”, “tradição”, “sofisticação”, “diálogo”... Melhor dar o play. Na primeira vez, por favor, sem o shuffle, porque mesmo a anárquica Partimpim sabe que, nas horas certas e em certas horas, alguma ordem faz bem.
***
Antes, porém, uma pausa para que se entenda como as coisas foram dar no “Tlês”:
Calcanhotto estava em turnê com o show de “Micróbio do samba”. Em julho, Domenico Lancellotti, baterista da banda, tirou uma licença, e a artista, longe dos palcos, resolveu entrar em estúdio com algumas ideias que há um tempo já circulavam em sua cabeça para o novo CD de Partimpim. Em outubro de 2011, o nome “Tlês” já se anunciara a ela. Havia canções que Calcanhotto pensava para Partimpim desde o primeiro CD, como “Taj Mahal”, “De onde vem o baião”, “Acalanto”. Outras novas surgiram - como “Salada russa”, letra que Paula Toller deu a ela numa noite, ela musicou na manhã seguinte e gravou de tarde (“É a primeira vez que fiz algo assim, nem sabia que isso existia”, brinca).
- O disco acabou ficando num equilíbrio entre, de um lado, um universo fantasioso, de histórias para dormir, canções de ninar, e do outro lado essas músicas que queria trazer para a Partimpim, esses ready-mades, músicas que têm apelo para crianças mas que hoje estão em outros contextos – diz, trazendo para perto o conceito de Marcel Duchamp e sugerindo chaves para se entrar na cabeça de Partimpim.
Uma das ideias iniciais era fazer o disco com poucos elementos. Mas, com os músicos soltos livremente no estúdio Monoaural, não demorou muito para que as regras fossem diluídas:
- Num primeiro momento, pensei numa coisa pouca, três guitarras e só. Mas não adianta, quando você junta os músicos, sai do controle. O Alberto (Continentino, baixista do “Micróbio”) já foi para o mais grave, pegou a guitarra barítono. Os músicos amigos começaram a querer tocar, Kassin, Berna... O Rodrigo (Amarante) que ia tocar numa faixa acabou voltando em várias. Então vi que não tinha porque parar isso e me prender na ideia de três guitarras. A primeira canção que se gravou foi “Taj Mahal”, que começou nesse espírito mais vazio, mas virou outra coisa.
 Além dos citados Alberto, Kassin, Berna e Amarante, o núcleo musical do disco inclui Domenico, Moreno Veloso, Pedro Sá e Davi Moraes. Ao lado dos convencionais baixo, piano e guitarra (que muitas vezes soam nada convencionais), eles seguem a onda brincadeira-experimentalismo de Partimpim. Basta ler a ficha técnica: estão listados lá instrumentos como “moeda no captador de guitarra”, “onça”, “parede e coxa”, “desentupidor de pia no prato com água”. Sem contar os sintetizadores mil.
Barulhos inclassificáveis à parte, esse é talvez o disco em que Partimpim mais se aproxima de uma sonoridade do pop contemporâneo. Partimpindie.
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Agora sim, o play. Na ordem.
“Salada russa”, a parceria com Paula Toller, abre o CD com uma lista de coisas que tem o nome “geograficamente errado” (“O queijo de Parma vem de Minas/ A vagem francesa de Campinas”). Quando o adulto pensa que pegou a lógica, ela conclui com uma rasteira: “Cachorro quente de Cabo Frio”.
“Taj Mahal” evoca no sintetizador com timbres retrô um passado futurista que nos lança nas mil e uma noites de Ben Jor. A mais linda história de amor que o compositor anuncia que vai contar nunca é contada, se desfaz em “tetê-teteretê”. Cada um cria a sua narrativa, portanto, “a gente mesmo faz”, como o Parangolé Pamplona (“É o Parangolé Mahal”, brinca Calcanhotto). Curiosidade: em vez de “tetê-teteretê”, Partimpim canta “dedê-dederedê”.
- Ouvi uma gravação de Ben Jor assim no YouTube, no “Acústico” da MTV. Achei que “dê” era mais “Tlês”, mais macio, que “tê” – explica Calcanhotto.
 “Lindo lago do amor”, de Gonzaguinha, é a primeira das muitas canções com bichos do disco, introduzindo uma atmosfera de fábula que atravessa o álbum. Timbres aquáticos mágicos – ouça e entenda. É uma das que Calcanhotto imaginava para Partimpim desde sempre.
“O pato”, de Jayme Silva e Neusa Teixeira, tornado clássico em gravações como a de João Gilberto, traz Adriana fazendo a voz de pato com o auxílio do pistom cretino, instrumento criado por Walter Smetak - músico, escultor, mago inventor de instrumentos musicais personalíssimos, mestre de tropicalistas como Tom Zé e Gilberto Gil. A faixa tem um caráter quase didático.
- Aquele “quen quen, quen quen” (canta, reproduzindo a o balanço sincopado dos grasnados), se você entende isso você entende o que é o samba ‑ diz Calcanhotto.
“Criança crionça”, de Cid Campos e Augusto de Campos, é introduzida pelo ronco de uma onça (espécie de cuíca bem mais grave) tocada por Domenico. Em torno da onça (o instrumento), constrói-se o arranjo sertanejo-erudito-experimental (com viola caipira, violoncelo e guitarras). E contrói-se também a história da onça (o bicho) que desonça ao dançar certa dança e dispensa sua comilança, para descanso dos outros bichos da floresta. É uma delícia de ouvir o desfiar da trama repleta de anças, ensas e, claro, onças. É a terceira vez que Partimpim bebe em Cid e Augusto (no CD de estreia, havia “Canção da falsa tartaruga”, e no “Dois”, “Alface”).
“Por que os peixes falam francês?”, de Alberto Continentino e Domenico, trafega na mesma seara mágica-aquática de “Lindo lago do amor”, mas de forma mais etérea, com sintetizadores flutuantes, cantos de baleia e desentupidores. A canção faz parte da trilha da peça “O menino que vendia palavras”, na qual aparece em outra gravação, também com Partimpim.
Em “Passaredo”, de Francis Hime e Chico Buarque, Partimpim lista os pássaros da floresta como se estivesse cumprimentando-os, saltitando pela floresta ao ritmo da guitarra marcada e das flautas. O mesmo espírito leve atravessa o refrão (“O homem vem aí”), que não traz a tensão alarmista da gravação original.
- Talvez tenha pensado que esse “o homem vem aí” mais tenso era algo datado, pré-ecologia como a entendemos hoje – explica a artista. – E quis botar flautas, claro. Felipe Pinaud foi tão passarinho!
“De onde vem o baião”, de Gilberto Gil, completa a aula iniciada em “O pato”, no curso de música-brasileira-em-duas-lições:
- Concordo com Gil, que diz que o que não é samba é baião ‑ cita Calcanhotto.
A presença do fraseado de guitarra paraense de Davi, o prato-e-faca do Recôncavo de Moreno, tudo abençoado pela o sample da voz de Gonzagão (“‘Vamos remelexendo’, que ele fala na música, é o mote desse disco”, brinca Calcanhotto) reafirma, na prática, o pensamento de Gil.
- Em meio a tantos bichos do disco, essa é a canção do humano – avalia Adriana, que revela outra música de Gil que está desde sempre na cabeça de Partimpim. – Queria fazer “Buda nagô” (sobre Dorival Caymmi). Quando falei com Gil, ele disse: “você tem razão, é uma música infantil”.
É de Caymmi “Tia Nastácia”, da trilha do “Sítio do Picapau Amarelo”, de 1977. A história do sinhozinho branco que busca o colo quente e as palavras da velha negra soa mais potente hoje, com o debate recente sobre o racismo de Monteiro Lobato e a entrada em cena da obra-prima “Sinhá”, de João Bosco e Chico Buarque, que trata das relações de opressão e afeto entre negro e branco que formaram o povo brasileiro.
- “Tia Nastácia” tem a ver com as coisas de que falo no “Tlês”, é uma canção linda  explica Calcanhotto. - Mas mais que isso é uma forma de tocar no assunto do Lobato, algo que queria fazer. E da maneira como a letra faz, falando de tantos sinhozinhos, de tanta gente branca que foi criada e amamentada por Tias Nastácias... É Gilberto Freyre em sua glória.
“Também vocês”, inédita parceria de João Callado e Partimpim, é canção de ninar para criança cantar para adulto. Adriana leu em textos de Luís Fernando Veríssimo referências a monstros debaixo da cama e fez versos, como explica na dedicatória, para sua netinha Lucinda cantar para ele não ter medo. Neles, depois de pôr os monstros para dormir, Partimpim ensina aos mais velhos lições como “Nunca dizer nunca” e “Gostar de gostar”.
“Acalanto”, também de Caymmi, fecha o disco. A música que Dorival fez para ninar Nana, afirma-se por sua doçura e por sua força de canção de ninar definitiva da música brasileira – por Caymmi, por Nana, pela proximidade com o terreno atemporal do folclore de “Boi da cara preta”. Guitarras e barulhinhos carregam a canção na ponta dos dedos. Alice Caymmi, neta do compositor, faz contracantos que sintetizam todo o clã Caymmi em si, sobretudo a tia Nana, num diálogo de gerações que tece todo o disco – a presença de Moreno evocando Santo Amaro ancestral e o Rio contemporâneo, Davi e seu berço Novos Baianos, Gonzagão e Gonzaguinha, o coro com os netos de Chico, Moraes Moreira, Vinicius e os filhos de Domenico e Kassin...
- É um emaranhado que tem mais a ver com ideia de trama, teia, do que com o conceito de linha evolutiva. Reflete mais como as coisas são na música, a meu ver - diz a artista.
E silêncio. Partimpim vai dormir e continuar o sonho. Até alguém dar play e começar tudo de novo, talvez agora com shuffle, porque surpresa também é terreno dela.

Assessoria Adriana Partimpim / Factoria Comunicação
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