quarta-feira, 24 de junho de 2015

Nada contra - Marcos Piangers

Colo aqui mais uma das deliciosas contribuições de Marcos Piangers sobre crianças no Facebook. 


Nada contra
Quando uma criança nos brinda com sua visão de mundo é uma delícia tão grande que devemos ficar bem quie- tos. É como olhar unicórnios se alimentando. Você quer ficar vendo aquilo sem espantar a magia do ambiente. Estávamos no carro, eu dirigindo, minha mulher no banco do carona e minha pequena no banco de trás, sentada no meio. Lá fora as pessoas desrespeitavam outras pessoas no trânsito. O que podemos chamar de um dia normal.

“O que eu não entendo é que uma mulher pode se vestir com cal- ça jeans e até com camisas masculinas. Isso é aceito pela sociedade,” ela tem oito anos e está falando sobre a sociedade. “E um homem não pode se vestir com roupas de mulheres que todo mundo fala mal. Não que eu tenha alguma coisa contra travestis.” Eu explodi em risos. “O quê, pai?!”, protestou a Anita. A Anita sempre diz que não tem nada contra determinada minoria, sempre que fala delas.

“Por que as pessoas tratam os pobres mal, pai? Não que eu tenha alguma coisa contra os pobres.” Ela sempre parece preocupada com a possibilidade de ser considerada racista, elitista, sexista, machista ou preconceituosa. Deve ser uma preocupação muito atual entre as crianças. Porque o mundo está politicamente cor- reto. E imagino que isso seja uma coisa boa. Mas quando eu tinha oito anos, nossa principal preocupação era conseguir a maior quantidade de doces entre a hora de acordar e a hora de dormir.
“Eu só acho que os homens deveriam poder se vestir com saia e salto alto se quisessem. As mulheres podem fazer isso. Os homens não, porque são considerados gays. Nada contra os gays,” ela diz novamente, antes que seja mal interpretada.
Estávamos no carro ouvindo a Anita falar sobre a sociedade. Lá fora as pessoas desrespeitavam outras pessoas no trânsito. O que podemos chamar de um dia normal.

Nos conta Piangers que, aos seus  8 anos, suas preocupações não eram tão "politicamente corretas" quanto as da filha de Anitta aos 8 anos, que respira o oxigênio mental do início do século XXI. Esse texto é muito interessante para demonstrar porque devemos pensar em uma História da criança, pois nem sempre elas foram do mesmo jeito...

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