"Que interesse isso (Estranhamento) pode ter - alguém poderia perguntar- para historiadores, para os estudiosos às voltas com documentos de arquivo, com atos notariais, e assim por diante? Por que deveriam perder tempo com o estranhamento e com conceitos semelhantes elaborados pelos teóricos da literatura? (...) Parece-me que o estranhamento é um antídoto eficaz contra o risco a que todos nós estamos expostos : o de banalzar a realidade (inclusive nós mesmos). As implicações antipositivistas dessa observação são óbvias. Mas salientar as implicações cognitivas do estranhamento, eu gostaria também de me opor com máxima clareza possível às teorias da moda que tendem a esfumar, até torná-los indistintos, os limites entre história e ficção. Essa confusão teria sido repelida pelo próprio Proust. Quando dizia que a guerra pode ser contada como um romance, Proust não pretendia de modo algum exaltar o romance histórico; ao contrário, queria sugerir que tanto historiadores como os romancistas (ou pintores) estão irmanados num fim cognitivo. É um ponto de vista que compartilho plenamente. Para descrever o projeto historiográfico em que pessoalmente me reconheço, utilizaria, com pequena modificação, uma frase de Proust :'mesmo supondo-se que a história seja científica, ainda assim seria preciso pintá-la como Elstir pintava o mar, ao revés."
Carlo Ginzburg. O Estranhamento. In: Olhos de Madeira. p. 39-41
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