Quando o livro LINDO chegou |
Decidi que minha primeira leitura de 2022 seria Tereza Batista cansada de guerra , do Jorge Amado lá em dezembro do ano passado, porque tinha ouvido falar que ele é todo escrito em cordel (amo literatura oral) e sobretudo que Tereza (TB) seria a melhor heroína de Jorge! Quis saber , ainda nos últimos dias do ano passado me chegou essa primorosa edição da Editora Martins (1972).
Começando pelas epígrafes que nos explicam duas coisas que não podemos esquecer que a vida de TB é uma história de de cordel! Ela, por sua vez, tem a concha muito dura para suportar todas as batalhas, mas sempre preservando a ternura de seu interior!
Neste segundo capítulo, o maior e o mais difícil de ler, especialmente por uma mulher, pois conta a história de TB, tão conhecida por todos nós, de menina pobre, que perdeu os pais num acidente ainda criança, vai ser criada por um casal de tios, Felipa e Rosalvo, ambos com segundas intenções na criança, Rosildo, caso tivesse coragem, queria desejava matar a mulher, deflorar Tereza fugir com ela, já a tia queria vendê-la ao capitão Justiniano Duarte da Rosa, conhecido deflorador de meninas, que levava até um colar de argolas de ouro , mais de quinze, uma para cada defloração! E desse capitão, Tereza foi escrava por anos, sem nunca ter conhecido nada de bom na vida. Até que um dia surge Dan, um mocinho inconsequente, de férias da faculdade, que era amigo do capitão, mas que acaba seduzindo a jovem Tereza e a apresenta o prazer de ser mulher na cama com um homem :
"Dan seduzia Tereza. Sem querer, sem saber por que, à revelia de sua vontade, Tereza responde aos olhares - que olhos mais tristes, mais azuis e funestos, a boca vermelha, os anéis do cabelo, anjo caído do céu. Quando se foram rua afora, conversa de não acabar, Tereza escondeu no peito a flor trazida por ele. Nas costas do capitão, Daniel lhe mostrara a rosa fanada e tendo-a beijado, no balcão a pousou. Para ela a colhera e beijara; no seboso balcão uma rosa vermelha, um beijo de amor" Jorge Amado " (p,157).
Um dia eles foram pegos em flagrante e Tereza logo percebeu que Dan era um fraco e ela só podia contar consigo mesma para se livrar da escravidão e do capitão, nasceu a "Tereza medo acabou" (um dos nomes e guerra da TB), que defendeu primeiro a si mesma de seu senhor de escravo .
3.
Ai entramos num dos melhores capítulos do livro, onde TB é mesmo a grande heroína! Tendo de amigado com um médico enquanto fazia a vida em Aracajú, vai viver com ele numa cidade do interior, pois ele vai assumir um posto de saúde, Mas quando veio a peste de Varíola (das tantas que assolaram o Brasil), que agora já tinha vacina, superfaturada claro, mas o que não tinha era quem tivesse coragem de sair aplicar e cuidar dos doentes. Todos morreram de medo de se infectar, inclusive o seu médico, e foi ela, que já tinha se vacinado na capital, a mais valente, que os políticos, os médicos, os enfermeiros, TB, percorreu as ruas miseráveis, entrou no leprosário para vacinar e cuidar. Para isso, chamou suas amigas do bordel e foram elas as heroínas contra a peste:
Quando veio a peste, TB tinha assumido a chefia das "quengas da rua do Cancro" e a 'bexiga chegou com raiva, tinha gana antiga contra aquela população e o lugar, viera a propósito , determinada a matar, fazendo-o com maestria, frieza e malvadez, morte feia e ruim, bexiga virulenta. (...) Se não fossem a bexiga, o tifo, a malária, o analfabetismo, a lepra, a doença de Chagas, a xistossomose, outras tantas meritórias pragas soltas no campo, como manter e ampliar os limites das fazendas do tamanho de países, como cultivar o medo, impor o respeito e explorar o povo devidamente? Sem a disenteria, o crupe, o tétano, a fome propriamente dita, já se imaginou o mundo de crianças a crescer, a virar adultos, alugados, trabalhadores, meeiros, imensos batalhões de cangaceiros - não esses ralos bandos de jagunços se acabando nas estradas ao som das buzinas dos caminhões - a tomar as terras e a dividi-las? Pestes necessárias e beneméritas, sem elas, como manter a sociedade constituída e conter o povo, de todas as pragas a pior? Imagine, meu velho, essa gente com saúde e sabendo ler, que perigo medonho" (p.199-201)
Esse capítulo é maravilhoso, termina com dois Omolu (um jovem e um velho) louvando a coragem de Tereza. Ao final o capítulo assume contar a história do folheto mais verdadeiro que circula no nordeste sobre TB!
4.
Nesse capítulo sabemos da história das duas vezes em que Tereza teve a morte nas entranhas. Não foi maior capítulo, mas pelo tema tratado, acho que podia ter sido mais curto. Não me emocionou a história de amor da mocinha Tereza e o usineiro Emiliano, que ao seu modo, foi meio coronel com ela e , pela primeira vez no livro, a força da heroína TB não brilhou,enfim.
5.
"...lhe digo, meu senhor, que Tereza Batista se parece com o povo e com mais ninguém. Com o povo brasileiro, tão sofrido, nunca derrotado. Quando o pensam morto, ele levanta do caixão" (p. 455)
Para Lilia Moritz Schwarcz, no artigo "O artista da mestiçagem", publicado no livro "O universo de Jorge Amado":
"Jorge Amado nunca pretendeu ser intérprete do Brasil, mas sempre foi"(p. 35)
E do brasileiro como ninguém, apresentá-lo assim, declaradamente, como uma personagem feminina, bela e mítica é muito significativo. Talvez Tereza, ao lado do meu querido Pedro Arcajo, de Tenda dos Milagres, seja uma grande personagem da literatura amadiana.
"Estando de violão em punho, com certeza Dorival Caymmi cantará para a noiva, não lhe compôs uma modinha? Trouxe com ele dois rapazolas, ainda muito jovens, os dois com pinta de músico, um chamado Caetano, o outro chamado Gil" (p.458).
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