Um belo e tocante texto da minha super amiga Lidiane, que conheci no primeiro ano da faculdade!
O pé na lua e o fim da Faculdade.
Postado por Lidiane Soares Rodrigues
Lembro-me com algum gosto da aula inaugural do meu curso. Como é típico dos discentes devo ter guardado o acessório e não o essencial, pois não me recordo do problema que movia a exposição do professor. E no entanto, guardo alguns comentários em parênteses, que fechados na hora, abrem-se continuamente em minhas reflexões. Contava o professor: “Eu estava nesta biblioteca aqui ao lado quando o homem chegou à Lua, lendo a bibliografia do meu doutorado, sobre a revolução industrial inglesa. Foi impactante”. Não pude compreender àquela altura que a chegada à Lua tocasse o coração do historiador da revolução inglesa, embora a relação mais óbvia se estabelecesse como evidente. Hoje, um pequeno passo na Universidade e um grande passo em direção à plena barbárie fizeram-me compreender que em certas circunstâncias há algo de ridículo e grandioso na dedicação que devotamos a nossos trabalhos acadêmicos. É evidente que me refiro à Polícia Militar na USP.
Sou roubada abruptamente do silêncio dessa sala de trabalho, em que numa monástica disciplina, entrego os melhores anos dessa sôfrega juventude que já se esvai à compreensão de nossa vida intelectual. Uma mensagem de telefone celular - afinal todos sabem que não atendo nada dentro desse convento ou bunker, como preferir - “ligue a TV, e prepare-se”. Meu amigo sabia perfeitamente que não poderia continuar o trabalho sobre “concepções divergentes do ofício de sociólogo nos anos cinqüenta e sessenta” sabendo, vendo, sentindo, o que ocorria nas ruas da Universidade de São Paulo.
Há cerca de sete anos, por volta desses dias de junho, muitos estudantes pensavam salvar a Faculdade de Filosofia da USP, empenhados numa greve, cuja reivindicação era simplesmente que a Faculdade continuasse a existir - o que, naquele momento significava: contratação de professores, em caso contrário, cursos seriam fechados. Para essa nobre missão, convidaram os nobres professores - os notáveis, as pratas da casa, para discursarem em apoio à causa. Eles foram. Quem podia ser contra estudantes que queriam... Estudar? Impossível não lembrar com saudade daqueles dias. Impossível não viver com pesar, estes.
Ontem, pela noite, soube que uma aluna do Departamento de História chamou a polícia e que a chefia do mesmo departamento foi responsável pela solução de um conflito que não existiu. Soube e acompanhei a tropa de choque agredindo os funcionários. Hoje, mais polícia. Polícia de lá, polícia de cá - expediente rotineiro, e não excepcional, na Universidade? Ela sempre foi o lugar do dissenso construtivo, do diálogo, do embate, do confronto de idéias. Ela deve ser isso. A polícia, a omissão a deslegitimarão dos espaços de dissenso - eis o cotidiano dela? Foi o que não quis notar quando, diante de minha indignação, um jovem, do alto da sabedoria de que eles se arvoram, disse: “não me espanta”.
Quando eu e alguns historiadores esperançosos e apaixonados por História manifestávamos nosso desejo de estudar a história da Universidade de São Paulo, ouvimos a resposta de algumas inteligências que vivem em eterno descanso: mas isso não é história. “Depois do século XVIII, só jornalismo” - nunca se deram ao trabalho de pensar a história pois deitam lânguidas nos divãs da tradição. Poderei agora responder, sem mais: “sim isso é história, afinal o objeto se tornou um cadáver”? Tristes tardes.
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