A Chave do Poema – Manuel Bandeira
A poesia concreta pode que seja uma maluqueira e até que não
seja poesia. Mas que está despertando interesse, está. Vivo assediado de perguntas ‘em forma
de cavalo-marinho’, velhos, moços e moças que me pedem que defina o que seja a
poesia concreta. O diabo é que ainda não descobri o endereço de Ferreira Gullar
para encaminhar toda essa gente para ele. Ora bem, declaro em público e raso
que não sei o que é um poema concreto. As três experiências que fiz, inspirado
nos processos dos irmãos Campos e de Décio Pignatari, não creio que sejam
poemas concretos: serão paraconcretos ou preconcretos, sei lá! Diagramas
líricos, dois uma simples modalidade de palavras cruzadas: sempre gostei de
palavras cruzadas, os irmãos Pongetti que o digam, sempre adivinhei um conteúdo
poético nos seus problemas.
O meu “Poema de amor”, publicado no último suplemento
literário do Jornal do Brasil, é puro
diagrama de um grito passional, rojão de lágrimas felizes, portanto a ler-se na
direção do vetor, isto é, de baixo para cima. Tradução: Rosa tumultuada te adoro.
Puerilidade? Então me deixem ir para junto de Jesus, que
disse Sinite parvulos venire ad me.
Ora direis: ‘Mas isso não é poesia, é enigma’, Eu vos direi
no entanto que toda poesia é enigma. Toda palavra, antes que lhe conheçamos o
significado, é um enigma formidável. Claro enigma chamou o poeta Carlos a um de
seus livros e no soneto da “Oficina irritada” claro enigma é Acturo, a estrela
de primeira grandeza na cauda da Ursa Maior. Que haverá de mais poético
(concreto no duro!) que o universo? Que
maior poeta que Deus? (No entanto os seus desígnios , consultem o Corção, são
muitas vezes impenetráveis.) Mesmo o Deus feito carne, o Deus feito homem se exprimiria por poesia enigma.
Hoje todos sabemos o que o Cristo queria dizer quando falou : ‘Quem come a
minha carne e bebe o meu sangue pertence a mim e eu nele. Porque a minha carne verdadeiramente é comida e o meu
sangue verdadeiramente é bebida .’ Mas o tempo, para os seus discípulos, isso soava
a enigma e muitos deles, ouvindo-os, se puseram a dizer : ‘ Duro é este
discurso;quem o pode entender?’
Os enigmas da poesia concreta têm isto de bom: é que são
todos decifráveis, porque todos resultam de um esforço consciente da
inteligência. Não era assim com os do surrealismo, que nasciam feitos, do
subconsciente, recesso tão tenebroso quanto aquele porão do conto de Otto Lara
Resende. Porque é decifrável, o poema
concreto convence, uma vez explicado; o leitor comum deseja é
compreender, porque o que ele mais teme é ser empulhado. Uma senhora que não
tinha entendido o meu poema de domingo telefonou-me pedindo a tradução.
Disse-lha e ouvi-a sorrir do outro lado,
encantada. ‘Ah, é!’ Por pouco que não me chamou ‘o maior’.
3/4/1957
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