segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Lucas e seus hospitais (I). In: “Um tal Lucas”


Lucas e seus hospitais (I). In: “Um tal Lucas”

"Como a clínica onde Lucas e internou é uma clínica cinco estrelas, os pacientes-sempre-têm razão, e dizer que ao quando eles pedem coisas absurdas é um problema sério para as enfermeiras,  cada uma mais  gostosinha  que a outra e quase sempre dizendo sim pelas razões anteriores.
Certamente não é possível atender ao pedido do gordo do quarto 12, que em plena cirrose hepática exige de três em três horas uma garrafa  de genebra, mas em compensação com que prazer, com que gosto as garotas dizem sim, pois não, claro, quando Lucas, que foi para o corredor enquanto arejam o seu quarto e descobriu um ramo de margaridas na sala de espera, pede  quase timidamente que o deixem levar uma para o quarto e assim alegrar o ambiente.

Depois de deitar a flor na mesa de cabeceira, Lucas toca a campainha e pede um copo d’água para dar uma postura mais adequada à margarida. Quando lhe trazem  o copo e instalam a flor, Lucas repara que a mesa de cabeceira está cheia de frascos, revistas, cigarros e cartões postais, de modo que talvez se possa colocar uma  mesinha  aos pés da cama, localização que lhe permitiria gozar da presença da margarida sem ter que torcer o pescoço para distingui-la entre diferentes objetos que proliferam na mesa de cabeceira.  

A enfermeira traz logo o que ele pediu e põe o copo com a margarida no ângulo visual mais favorável, coisa que Lucas agradece comentando uma passagem que como muitos amigos vêm visitá-lo  e as cadeiras são um tanto escassas, nada melhor do que aproveitar a presença da mesinha para acrescentar duas ou três poltronas confortáveis e criar um ambiente mais adequado ao diálogo.

Tão logo as enfermeiras aparecem com as poltronas, Lucas diz a  ela que se sente extremamente grato aos seus amigos que o apoiam tanto naquele mau pedaço, razão pela qual a mesa se prestaria perfeitamente, após a colocação de uma toalhinha, para sustentar duas ou três garrafas de uísque e meia dúzia de copos , se possível de cristal facetado, além de um recipiente com gelo e garrafas de soda.

As garotas se espalham em busca de tais acessórios e os arrumam artisticamente na mesa, ocasião em que Lucas se permite observar que a presença de copos e garrafas desvirtua consideravelmente  a eficácia estética da margarida, bastante perdida no conjunto, mas a solução é muito simples porque o que está faltando de fato neste quarto é um armário para guardar a roupa e os sapatos, grosseiramente amontoados num móvel do corredor, de modo que bastará colocar o copo com a margarida em cima do armário para que a flor domine o ambiente e lhe transmita esse encanto um pouco secreto que é a chave de toda boa convalescença.
  Superados pelos acontecimentos, mas fiéis às normas da clínica, as garotas arrastam penosamente um amplo armário sobre o qual acaba pousando a margarida como um olho ligeiramente estupefato mas cheio de benevolência. As enfermeiras sobem no armário para pôr um pouco mais de água fresca no copo , e então Lucas fecha os olhos  e diz que agora está tudo perfeito e que vai tentar dormir um pouco. Assim que fecham a porta ele se levanta, tira a margarida do copo e a joga pela janela, porque não é uma flor de que goste particularmente." p. 51-3.

Claro que o mini conto é mais complexo e tal, mas eu não pude deixar de traçar alguma relação entre a relação de Lucas com a margarida e algumas coisas boas que eu conquistei  na vida, mas que minha terapeuta sempre diz que eu tendo sempre a jogá-las pela janela, sem piedade...


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