Ilustração de Luís Jardim para a estória "Sorôco, sua mãe e sua filha", de Guimarães Rosa (1962) |
Estou me aproximando do fim da biografia do Tim Maia, um grande cancionista brasileiro, mas já posso dizer que de toda ela a anedota mais bonita é essa aqui, que fala do poder aglutinador da canção, que remete ao mito de Orpheu cujo som da lira aglutiva toda a natureza, ou a chirimia da estória de Guimarães Rosa, que era
"a cantiga que avocava* que era um constado de enormes diversidades desta vida, que podiam doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum, mas pelo antes, pelo depois" (Primeiras Estórias, 1962, p. 15).*avocar = atrair, chamar a atenção.
Aqui vai a narrativa sobre Tim:
“Tim estava popularíssimo, e foi o amor do público que o
salvou quando , mais uma vez, foi detido em seu carro com substâncias tóxicas
ilegais. Foi levado para o 13º. DP , no final da avenida Nossa Senhora de Copacabana, em frente à galeria
Alaska, um tradicional ponto gay carioca, com grande movimento por volta de uma
da madrugada.
Ao subir as escadas da delegacia, empurrado por dois canas,
Tim viu que tinha muita gente na calçada em frente e que já o haviam visto.
Parou e soltou a voz:
Ah! Se o mundo inteiro
me pudesse ouvir
Tenho muito pra
contar, dizer que aprendi
E na vida a gente
tem que entender
Que um nasce pra
sofrer enquanto o outro ri
O povo começou a cantar junto, a bater palmas e gritar seu nome. Os
tiras tentavam empurrar 128 quilos escada acima, mas ele não se movia nem
parava de cantar. Mais gente chegava, as putas e os travestis gritavam, todos
cantavam, a voz querida e poderosa de Tim Maia enchia a noite de Copacabana.
Diante da avassaladora solidariedade popular, da barulheira infernal e
do adiantado da hora, o delegado reagiu com bom senso e bom humor:
“Libera o elemento”.
(Nelson Motta. “Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia”, p.217-8)
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