quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

NARRATIVAS E A AUTO DEFESA


Reportagem de época

O que eu mais amo em História são as narrativas. Depois de um dia infernal na vida pública como ontem, quando recebemos drops do autoritarismo que está se instaurando e as minhas queridas narrativas musicais do Clube da Esquina nunca fizeram tanto sentido de realidade, antes de dormir, lembrei de uma aula de História da professora Maria Aparecida de Aquino (essas que nunca saem da minha memória e estão na base da minha formação como historiadora). Ela, pesquisadora da ditadura civil militar iniciada em 1964, começou a contar mais ou menos assim : "Lembro perfeitamente do dia 13 de dezembro de 1968, quando assisti pela televisão o anuncio do Ato Institucional número 5, o AI 5, fechando o congresso e restringindo drasticamente os direitos de cidadania no Brasil..."
Depois disso ela continuou a aula, mas, por uma auto defesa instintiva, eu não estava mais ouvindo, estava pensando em como deve ter sido terrível receber uma notícias daquela pela TV! Daí, eu ali no início dos anos 2000, fiquei aliviada ao concluir que ainda bem que aquilo fazia parte de um passado distante. Não é mais assim. Algo bem mais semelhante do que eu gostaria ou poderia supor que acontecesse na minha vida de quase 40 anos de democracia, tinha começado a acontecer naquele dia e eu não pude mais usar a capa do esquecimento para me proteger, porque agora não era mais só a narrativa, era a realidade e eu fazia parte dela, nós fazemos. Além do mais, é claro para mim que o dia de ontem foi apenas o começo de algo que sei que não é mais uma revivência do golpe de 64, apesar das semelhanças iniciais. O que vivemos tem outras características novas e complexas, com as quais vamos ter que aprender a lidar, e sabemos que "é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte" .

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