sexta-feira, 23 de outubro de 2020

"Rosas venenosas”, Egito, 2018, direção Ahmed Fawzi Saleh

 

É um filme que conta a intensa história de amor entre dois irmãos, a jovem Tahya (Marihan Magdy) e seu irmão mais novo Saqr.  Eles vivem no pobre e paupérrimo bairro dos curtumes, no Cairo, e levam uma vida muito difícil, trabalham quase como escravos, em ocupações pesadas e quase insuportáveis, tem até um personagem que caiu morto e esgotado no meio da rua e isso foi considerado como normal ou aceitável. Me lembrou muito os relatos de trabalho durante a escravidão  trabalha-se até a morte e se ela vier, paciência. Não contente com essa vida,  Saqr  quer imigrar  ilegalmente para a Itália e Tahya tenta de tudo para removê-lo dessa ideia pois sabe o quanto isso pode ser perigoso.

Tahya e Saqr

Quando terminei de assistir fiquei muito impactada, devo ter feito uma careta ao comentar : Podia até dizer que é uma sessão de porradas na cara, mas não. É um filme africano, o desagrado é calmo e constante. Até no curtume nasce flor, né? Pois bem, é um filme que a gente não termina de ver do mesmo jeito que começou. E não necessariamente sai melhor.”

Disse isso não porque seja um filme ruim ou que conte uma história tenebrosa, muito longe disso, é um dos mais bem filmados dessa segunda temporada da Mostra de Cinemas Africanos, e trata de uma linda história de amor familiar, mas é que o local onde ele se passa é realmente muito intolerável: aquelas vielas sujas e miseráveis do bairro, aquelas fábricas, os curtumes, vão esgotando nossas energias, chega um momento que quase não aguentamos mais. Imagino o que seria assistir na sala escura do cinema, que falta de ar deve dar.



Mas eu sabia desde o início que causar essa sensação (ou algo assim)  era a intenção de  

Ahmed Fawzi Saleh. O filme é filmado para mostrar as realidades claramente, jogar aquela pobreza na nossa cara mesmo. Duro é saber que existem lugares aqui no Brasil, aqui em São Paulo mesmo, onde se vive daquele jeito hoje em dia.

Entrevista de Ahmed Fawzi Saleh

Se eu entendi bem, nesta interessante entrevista, Ahmed Fawzi Saleh explica que o interesse dele era contar uma história do bairro dos curtumes a partir de um olhar de alguém dali e que sabe que isso poderia ser estranho para outras culturas, inclusive pela forma que usou para contar : considera que o repertório imagético árabe/muçulmano produziu séculos de imagens planas e assim contou suas histórias, por que não filmar aquele bairro, muito muçulmano, da forma mais plana possível? Lembrando imagens do filme, alguma coisa nos incomoda nelas,  não por serem feias ou mal gravadas, mas talvez por isso, por serem mas planas, duras, não sei dizer. Na entrevista, também, ficamos sabendo que alguns atores trabalharam muito à contragosto naquele ambiente fétido, com cheiro de gases tóxicos das fábricas e outros trabalhos tenebrosos. Não os condeno. Mas Ahmed Fawzi Saleh tem razão quando diz que era preciso que eles conhecessem o lugar, por mais insuportável que fosse, também é possível (e preciso) filmar ali. E é.

Tahya 


Rosas

Tahya recorre a algumas saídas místicas ou mágicas para tolerar a vida, a das rosas vermelhas que desfolha no túmulo do pai do irmão (não sei se dela também) , mas que depois acabam no córrego fétido nas ruas do Curtume, envenenadas.Não tem saída. Ou tem, a única saída é o amor, é poder dizer ao irmão que quer  “continuar vendo-o todas as manhãs”(mais ou menos isso) e, em outro momento, ouvir dele “eu te amo e gostaria de me casar com você, se pudesse” (mais ou menos isso). E além do amor, também o parque de diversões, de resto é só aquela vida suja e feia.
A que será que se destina?


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