sábado, 1 de junho de 2013

A infância para Walter Benjamin


“Benjamin não ressalta a ingenuidade ou inocência infantis, mas, sim, a inabilidade, a desorientação, a falta de desenvoltura das crianças em oposição à “segurança” dos adultos. Mas essa incapacidade infantil é preciosa: não porque ela nos permite lançar um olhar retrospectivo comovido e cheio de benevolência sobre os coitadinhos que fomos, ou que nos cercam hoje. Mas porque contém a experiência preciosa e essencial ao homem do seu desajustamento em relação ao mundo, da sua insegurança primeira, enfim, da sua não-soberania. Essa fraqueza infantil também aponta para verdades que os adultos não querem mais ouvir: verdade política da presença constante dos pequenos e dos humilhados que a criança percebe, simplesmente porque ela mesma, sendo pequena, tem outro campo de percepção; ela vê aquilo que o adulto não vê mais, os pobres que moram nos porões cujas janelas beiram as calçadas, ou as figuras menores na base das estátuas erigidas para os vencedores. A incapacidade infantil de entender direito certas  palavras, ou de manusear direito certos objetos também recorda que, fundamentalmente, nem os objetos nem as palavras  estão aí somente à disposição para nos obedecer, mas que nos escapam, nos questionam, podem ser outra coisa que nossos instrumentos dóceis.

As imagens da infância evocadas por Benjamin tentam pensar aquilo que, profundamente, jaz neste prefixo in – da palavra infância. O que significa para o pensamento humano essa ausência originária e universal de linguagem, de palavras, de razão, esses logos que não é nem silêncio inefável, nem mutismo consciente, mas desnudamento e miséria no limiar  da existência e da fala?  Retomando essa questão, Giorgio Agamben nos indica que essa experiência inefável da in-fância – inefável não porque seria um início paradisíaco além das palavras, mas porque in-fância está aquém das palavras, ao mesmo tempo sem palavras, sem linguagem e, porém, condição de possibilidade de sua eclosão –, que essa experiência da infância ‘exclui que a linguagem possa se apresentar como totalidade e verdade’. Nem no domínio do pecado nem jardim do paraíso, a infância habita muito mais, como seu limite interior e fundador, nossa linguagem e nossa razão humanas. Ela é o signo sempre presente de que a humanidade do homem não repousa somente sobre sua força e seu poder, mas também, de maneira mais secreta,  mas tão essencial, sobre suas faltas e suas fraquezas, sobre esse vazio que nossas palavras, tais como fios num motivo de renda, não deveriam encobrir, mas sim, muito mais, acolher e bordar. É porque a in-fância não é a humanidade completa e acabada, é porque a infância é, como diz Lyotard, in-humana, que talvez, ela nos indique o que há de mais verdadeiro no pensamento  humano: a saber, sua incompletude, isto é, também, a invenção do possível.” 
 Jeanne Marie Gagnebin. Infância e Pensamento. In : 7 aulas sobre linguagem, memória e história, p. 179-81.

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