“ASCENDINO LEITE: - E a sua infância?
Mirando-me fixamente, os olhos brilhando por trás das lentes grossas, o
autor de Sagarana acentua, com certa ironia:
GUIMARÃES ROSA:- Não gosto de falar de infância. É um tempo de coisas
boas, mas sempre com pessoas grandes incomodando, comandando, estragando os
prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá um excesso de adultos,
todos eles, mesmo os mais queridos, ao modo de soldados e policiais do invasor,
em pátria ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então. Já era
míope e, nem mesmo eu, ninguém sabia disso. Gostava de estudar sozinho e de
brincar de geografia. Mas tempo bom, de verdade, só começou com a conquista de
algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a
porta. Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo
conhecido como personagens, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas,
numa combinação mais limpa e mais plausível, porque - como muita gente já compreendeu e já falou –
a vida não passa de histórias mal arranjadas, de espetáculo fora de foco. A
arte e o céu serão, pois, assunto mais sério, e também são países de primeira
necessidade...”
LIMA, Sônia Maria Van Dick. (org.).Ascendino Leite entrevista Guimarães Rosa em 26 de maio de 1946. João Pessoa: Editora UFPB, 1997, P. 39.
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