Mesmo com a multiplicidade das mídias, a telenovela continua sendo um importante filtro da realidade brasileira. Atualmente, a mais famosa é "Amor de mãe", escrita por Manuela Dias e com direção artística de José Luiz Villamarim.
Nesta semana, uma cena da novela se destacou e muitos dos meus contatos a publicaram no status do Whatsapp e o crítico de televisão Mauricio Stycer comentou no Twitter como um momento de desabafo dizendo que "a gente não é gente não, a gente é sobrevivente". Na cena, a personagem Camila, interpretada por Jéssica Ellen, que é uma professora de História negra em uma escola da periferia do Rio de Janeiro, desabafa com sua mãe Lurdes, interpretada por Regina Casé . Vejamos do que se trata:
Quando vi a cena só lembrei da cena final da novela "Clara dos Anjos", escrita por Lima Barreto (1922), que reli em 2019, contando a história das dificuldades para uma moça negra e periférica no Rio de Janeiro do início do século XX:
"Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com grande acento de desespero
-Mamãe!Mamãe!
-Que é minha filha?-Nós não somos nada nesta vida." (Lima Barreto "Clara dos Anjos", 1922)
Desde a novela de Lima Barreto em 1922 até a telenovela global de Manoela Dias em 2020, passou quase um século, mas nas duas cenas as jovens negras e periféricas continuam falando a mesma coisa, como se o tempo não passasse ou a História pudesse atuar na vida de quem é negra e periférica nesse país!
Agradeço à personagem Clara e à personagem Camila por usarem suas vozes para sublinhar que "tão ligadas que não é fácil, né manas".
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