segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um trabalho de vovô...


Como seria esse "trabalho de vovô" que Verinha ia arranjar para seu vovô Joãozinho, quando o trouxesse para São Paulo, em 1967? (rs)

domingo, 30 de dezembro de 2012

40 anos da série Vagalume, quem lembra?


Como a Série Vaga Lume foi importante na minha adolescência, especialmente com a coleção "Os Karas", do Pedro Bandeira! Que saudade!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Do Desenho, Mário de Andrade


 
Do desenho

O que me agrada principalmente, na tão complexa natureza do desenho, é o seu caráter infinitamente subtil, de ser ao mesmo tempo uma transitoriedade e uma sabedoria. O desenho fala, chega mesmo a ser muito mais uma espécie de escritura, uma caligrafia, que uma arte plástica. Creio ter sido Alain quem chegou até o ponto de afirmar que o desenho não é, de natureza, uma plástica; mas se há exagero de sistema  numa afirmativa assim tão categórica, sempre é certo que o desenho está pelo menos tão ligado, pela sua finalidade, à prosa e principalmente à poesia, como o está, pelos seus meios de realização, à pintura e à escultura. É como que uma arte intermediária entre as artes do espaço e as do tempo, tanto como a dança. E se a dança é uma arte intermediária que se realiza por meio do tempo, sendo materialmente uma arte em movimento; o desenho é a arte intermediária que se realiza por meio do espaço, pois a sua matéria é imóvel.

Mas o desenho, da mesma forma que as artes da palavra, é essencialmente  uma arte intelectual, que a gente deve compreender com os dados experimentais, ou melhor, confrontadores, da inteligência. É fácil de provar este caráter antiplástico do desenho. Ele é, ao mesmo tempo, um delimitador e não tem limites, qualidades antiplásticas por excelência. Toda escultura, toda pintura, sendo um fenômeno material, nos apresenta um fato fechado, que se constrói de  seus próprios elementos interiores, inteiramente desrelacionado com o que para a estatua  ou para  quadro seria o não-eu. Os limites da tela, por exemplo, representariam para o quadro uma verdade infinitamente poderosa, que se impõe tanto como a disposição dos volumes e das cores, que o pintor escolherá para seu assunto. Mas este é na realidade e de certa maneira, de valor secundário, pois o que importa, antes de mais nada, para que se dê pintura legítima, é eue haja composição. E esta se dá justamente em relação aos limites da tela. Só mesmo para o quadro, o painel, o afresco e para as manifestações de escultura é que se pode aplicar crítica e esteticamente  a palavra ‘composição’. Aplicá-la  a desenho é um contrasenso, ou pelo menos abusivo.

      Porque o desenho é, por natureza, um fato aberto. Se é certo que objetivamente ele é também um fenômeno material, ele o é apenas como uma palavra escrita. Nós temos dados positivos para saber que, de fato, foi do desenho que nasceu a escrita dos hieróglifos. Não sabemos como se originou a pintura, mas é muito mais provável que sua primeira conceituação  em vermelho no espírito humano, tenha provindo dos rabiscos rituais, em preto,  em vermelho, em branco, com que todos os povos primitivos se enfeitam no corpo, para os cerimoniais. Jean de Bosschere faz uma observação muito interessante neste sentido. Diz que o desenho implica de tal forma um desenvolvimento intelectual maior, uma civilização mais adiantada que não é encontrado entre os povos naturais, ao passo que quase todos estes já se utilizam de processos primários de pintura. A afirmação, apesar do seu caráter dogmático bastante errado, não deixa por isso de ser interessantíssima. Não é inteiramente exato que não se encontre ) o desenho entre civilizações consideradas ‘primitivas’. São raras é verdade, mas existem, como por exemplo os bochimanos e certas tribos da América do Norte, que usam  o desenho  às vezes com tanta mestria como os magdalenianos do pré-histórico. Em todo caso, qualquer destes poucos exemplos que lembro agora, tem o desenho misturado ou com a cor, como é o caso dos  bochimanos, ou com o sulco escultórico, como nas cavernas pré-históricas. O que se poderia talvez argumentar é que esses povos tenham chegado ao desenho através da pintura e da escultura.

Argumentação mais forte contra a afirmativa de Bosschere é que,  mesmo a pintura do corpo, entre os povos mais atrasados mentalmente, é sempre uma escritura, de natureza hieroglífica. Hoje isso é questão passiva da etnografia, e sabemos definitivamente que cada rabisco, a cada cor, a cada mancha , a cada decoração enfim, os primitivos atribuem um valor simbólico, e cada elemento quer dizer alguma coisa compreensível à inteligência do clã ou pelo menos dos seus pajés. Tudo tem sentido, tudo tem valor de magia exorcistica ou propiciatória, e o primitivo jamais se pinta pelo simples prazer de se enfeitar. Esta noção de prazer só viria se conceituar posteriormente, conforme a doutrina aristotélica. Assim, em contrário à afirmação de Bosschere, as pinturas primitivas participam muito mais da natureza e da essência caligráfica do desenho, que da pintura propriamente dita.

E com efeito, na infinita maioria, todas essas decorações simbólicas do ser primitivo, são como o desenho, um fato aberto. Não é o limite natural do rosto, fechado pela cabeleira do ângulo do maxilar inferior, não é o limite imposto pelo peito,   que fecham essas pinturas corporais, ma antes elas se disseminam pelas faces, pelo corpo, sem o princípio da composição fechada. Desconhecem  portanto o elemento instintivo, da mesma forma que o desenho o desconhece, ao passo que a pintura o implica fatalmente. Um quadro sem moldura, está sempre de alguma forma emoldurado pelos seus próprios e fatias limites de composição fechada. Ao passo que colocar moldura num verdadeiro desenho, que só participe da sua exata natureza de desenho, que só participe da sua exata natureza de desenho, é uma estupidez que toca às raias do vandalismo. Os amadores do desenho guardam os seus em pastas. Desenhos são para a gente folhear, são para serem lidos que nem poesias, são haicais, são rubaes, são quadrinhas e sonetos.

O verdadeiro limite do desenho não implica de forma alguma o limite do papel, nem mesmo pressupondo margens. Na verdade o desenho é ilimitado, pois que nem mesmo o traço, esta convenção eminentemente desenhística, que não existe no fenômeno da visão, nem deve existir na pintura verdadeira  ou na escultura, e colocamos entre o corpo e o ar, como diz Da Vinci, nem mesmo o traço o delimita. Desenha-se um perfil,por exemplo, e o traço pára em meio, ao chegar no colo, ou n a raiz da cabeleira. Risca-se a expressão de u’a mão, a que um braço não continua; ou o movimento que fez agora este cabrito. E o cabrito não se apoia num chão.

Poderão argumentar  que estou exemplificando apenas como uma espécie de desenho, o esboço, o croquis, me esquecendo dos desenhos completos. Mesmo estes, milhares de vezes ultrapassam os limites de um quadrilátero imaginado, ou prescindem dele. Não me esqueci, porém, dos desenhos completos,    apenas afirmo que, quando eles implicam definidamente a moldura quadrangular ou circular, estão invadindo terreno alheio, terreno que é da pintura, terreno exclusivamente plástico que exige composição. A pintura também de utiliza das formas naturais e tanto pinta uma maça como um nu. Mas não exige o traço, e, quando o emprega, está invadindo o domínio do desenho. Não exijo nem desejo que a pintura seja abstrata. Deus me livre! Mas quando ela se aplica, mesmo no bom quadro de gênero, como o holandês, a representar coisas e fatos, ela procura descobrir e representar  um elemento de eternidade. E é por isto que a transposição da ‘matéria’ de um peixe, de um planejamento como de uma Madona  ou de uma ‘maja’, por meio da ‘matéria’ do óleo, da têmpera, da parede colorida, tem valor intransigente na validade estética de uma pintura, ao passo que no desenho esse problema de transposição não quer dizer nada. A bem dizer, não existe.

A pintura busca sempre elementos de eternidade, e por isso ela tende ao divino. O desenho, muito mais agnóstico, é um jeito de definir transitoriamente, se posso me exprimir assim. Ele cria, por meio de traços convencionais, os finitos de uma visão, de um momento, de um gesto. Em vez de buscar as essências misteriosas e eternas, o desenho é uma espécie de definição, da mesma forma que a palavra ‘monte’ substitui a coisa ‘monte’ para nossa compreensão intelectual.

E foi isto que  afirmei, no início deste artigo, ser o desenho ao mesmo tempo uma transitoriedade e uma sabedoria. Ele é uma espécie de provérbio, uma experiência vivida e transformada numa definição eminentemente intelectual. Tem assim, a mesma força equilibrada e clássica dos provérbios. O desenho não é uma frase, é uma frase-feita. Da mesma forma como a frase feita, o provérbio, o dito, vão se fixando aos poucos, numa luta grave entre o sentimento e a sua  expressão, até que, livres de elementos condicionais, se organizam em sua forma definitiva: também o desenho se liberta das fragilidades sentimentais da frase espontânea, por ser mais lento na sua luta entre a visão recebida ou imaginada  e sua expressão gráfica. Essa luta, esta lentidão, permitem ao desenho o tempo, a depuração , que a frase de conversa não tem. E ele assume, assim, a natureza essencialmente  poética do provérbio. Digo ‘poética’ porque o provérbio, mesmo quando fixado em linha de prosa, é pura poesia: emprega os processos essenciais da manifestação poética, é da natureza eminentemente definidora da poesia, e não da natureza descrevedora e contemporaneamente raciocinanteda prosa. Todo conceito, todo o grito, toda oração, todo fim verbalizado da experiência fisiopsíquica, é poesia.  E com efeito, os livros sagrados, os provérbios, as frases feitas, as máximas, orações e ritos, são sempre fortemente ritmados, e usam frequentemente os processos materiais da poesia, as metrificações e a rima.

Mas nós todos estamos cansados de saber que a sabedoria dos provérbios se não é de todo mentirosa, é eminentemente  transitória. Não representa nenhuma eternidade, mas a verificação de um momento; e não é menos verdade que a cada provérbio existente podemos quasi sempre opor outro provérbio que o contradiz completamente. Sim, se nos quixamos de algum mau governo, dirá o chileno descontente que  é porque a galinha do vizinho é mais gorda do que a nossa; mas se ele se queixa, lhe responderemos que cá e lá más fadas há. E assim o provérbio é muito mais a definição de uma verdade transitória, mansa como a reflexão conceituosa de  um chim, que uma verdade eterna, filosóficamente provável.  Essa a natureza delicioso do desenho, que é transitório e sábio como um provérbio, terrestremente momentaneamente conceituoso como um provérbio. Uma esperança de conforto...

ANDRADE, Mario de. Do desenho. In: Aspectos das artes plásticas no Brasil. 2ª. Ed, São Paulo : Martins, 1975.p. 69-77
 

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Importância de uma História da Infância...

 
“Um outro diálogo interdisciplinar possível com as pesquisas inauguradas pelo livro (História Social da Criança e da Família, 1979) de Ariès, comentado anteriormente, e que florescem hoje no Brasil : a chamada ‘história da infância”. Por ela, torna-se possível explorar  a variação de uma concepção de infância no tempo, correlacionando-a a variações históricas nos modos de tratar, de se relacionar e de vivenciar a infância. Tais mudanças podem ser observadas em textos sobre a criança ou voltados para ela, nas artes plásticas, nos tratados de educação e pedagogia. Neste momento da ciência, em que se valoriza a interdisciplinaridade, esses estudos realizados por historiadores de formação, revelam-se frequentemente uma antropologia voltada para  tempos passados, e são extremamente valiosos no debate das imagens sobre as crianças e sua atuação no mundo.”

Clarice Cohn. Antropologia da Criança.2ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. , 2009.p,43-4.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Antropologia e a revisão do conceito de Cultura

 
Antes que alguém me diga que essas coisas são mais do que conhecidas para os cientistas sociais, digo que tenho plena ciência de que isso deve ser o B+A = BA  para eles,  mas para mim, confesso,  são perspectivas novas e interessantes para mim:

 "A partir da década de 1960 (...) Na revisão do conceito de cultura, os antropólogos, ao invés de tomá-la como algo empiricamente observável e delimitado, cada vez mais abdicam de falar em costumes, valores, crenças para frisar que o que que de fato interessa está mais embaixo.Ou seja, não são os valores ou crenças que são os dados culturais, mas aquilo que os conforma. E o que os conforma é uma lógica particular, um sistema simbólico acionado pelos atores sociais a cada momento para dar sentido a suas experiências.Ela não é mensurável,  portanto, e nem detectável em um lugar apenas -é aquilo que faz com que as pessoas possam viver em sociedade compartilhando sentidos, porque eles são formados a partir de um mesmo sistema simbólico."


Clarice Cohn. Antropologia da criança,p. 19

Os planos não realizáveis do Xico Sá!

O texto original está aqui. Mas eu roubei e copiei aqui:

Plano bom é plano não-realizado

26/12/12 - 11:09


Trilha para os últimos dias do mundo que não acabou
Nas espumas flutuantes de mares e cervejas crepusculares, reflito:
Plano bom é plano não-realizado.
Cronicamente inviável e repetitivo vos digo, como a cada fim de ano: nossos planos são muito bons, como na canção dos Doces Bárbaros, nossos planos são recicláveis, como os de mil novecentos e antigamente…
Nossos planos são os mesmos que se arrastam desde século seculorum, nossos planos são tão conhecidos, tão íntimos, eles nos acompanham há tanto tempo que viraram nossos amantes, nossos melhores amigos.
Nossos planos renascem a cada fim de ano como os nossos melhores cúmplices.
Nossos planos sabem que se os realizássemos à risca a vida perderia a graça, seríamos perfeitos demais, estávamos todos magérrimos, malhados, gozando a saúde dos deuses ou dos imortais da ABL, seríamos todos um bando de Davids Beckhans e Giseles.
Nossos planos são muito bons, mas sinto muito por eles, coitados, mais uma vez não serão cumpridos na íntegra no ano da graça de 2013.
Cumpriremos, no máximo, os 10% da humaníssima cota do possível, os 10% do garçom, justa medida.
Nossos planos são muito bons e nunca foram atrapalhados por crise alguma. O que nossos planos enfrentam para valer é uma invencível guerra interna nos fracos juízos repletos de defeitos de fábrica.
Nossos planos são muito bons, mas, como sempre, ainda temos o benefício da dúvida, ainda temos a complacência e, se, por acaso, faltar alguma conversa fiada no estoque, botamos a culpa nos outros –nosso inferno mais próximo.
Nossos planos mal devoraram a ceia do Natal, nossos planos famintos, nossos planos eivados pela fome histórica de todos os semi-áridos e Jequitinhonhas, e lá estão nossos planos a dormir a mais preguiçosa das siestas espanholas.
Nossos planos estão dengosos, como nunca, para o ano novo, nossos planos querem colo, nossos planos odeiam uma academia de ginástica, um cooper às cinco da matina, uma dieta saudável…
Nossos planos não têm medo do colesterol e muito menos da gordura trans, nossos planos adoram uma costelinha de porco, como aquela que Maria fez ainda no Paraíso, costelinha com cerveja preta.
Ah, nossos planos lamberam os beiços, mesmo não sabendo o que seríamos de nós dali a duas voltas do sol no eixo da existência.
Nossos planos não se desgastam à toa, não vivem de estresse, não andam de automóvel na cidade de SP, nossos planos são eternos pedestres e adoram uma rede depois do almoço.
Nossos planos são do interior do mato e ruminam um capinzinho entre os dentes manchados pelo cigarro brabo do tempo.
Nossos planos se espreguiçam, estralando todas as juntas e costelas, quando ouvem falar outra vez de novos planos.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Feliz Natal


Com algumas poucas recoendações, também recomendo a leitura deste conto de Clarice Lispector. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

A teoria dos sentimentos morais, Adam Smith (1759)


Para minha pesquisa de doutorado , comecei a ler o livro "A era da empatia - Liçoes da natureza para uma sociedade mais gentil", do primatólogo americano  Frans de Wall e publicado em 2010. Logo no começo ele faz uma excelente citação do primeiro livro de Adam Smith "A teoria dos sentimentos morais" (1759). Vou transcrever o texto do livro de Wall, com a citação inclusa:
 
"Adam Smith, o pai da economia, compreendia melhor do que ninguém que a luta em defesa de nossos interesses pessoais necessita ser temperada pelo sentimento de solidariedade. Ele defendeu esse ponto de vista em 'A teoria dos sentimentos morais', um livro muito menos conhecido do que A riqueza das nações. Smith iniciou seu primeiro livro com uma frase memorável:  'Por mais egoísta que se possa admitir que seja o homem, é evidente que existe certos princípios em sua natureza que o levaram a interessar-se pela sorte dos outros e fazem com que a felicidade destes lhe seja necessária, embora disso ele nada obtenha que não o prazer de testemunhar'." (SMITH,1759, p.09')"
 
Estou gostando  muito deste livro ... vamos seguir comentando...

sábado, 22 de dezembro de 2012

A Fantástica fábrica de chocolate, Roald Dahk

 
" A cachoeira é a coisa mais importante de tudo! - continuou o senhor Wonka. - Ela mistura chocolate! Ela bate, amassa, mexe e remexe! Faz o chocolate ficar leve, espumoso! Nenhuma outra fábrica no mundo mistura chocolate em cachoeira! Mas é o único jeito certo de fazer isso! O único! E minhas árvores, vocês gostam? - exclamou apontando com a bengala. E meus arbustos? Não são bonitinhos? Digo e repito: detesto feiura! E tem mais, é tudo comestível!Cada coisa é feita de algo diferente, delicioso! E as campinas? Vocês gostam da grama e dos meus copos-de-leite? A grama que vocês estão pisando, meus queridos, é feita de um novo tipo de açúcar mentolado que eu mesmo inventei! Chamo de VERDOCE! Experimentem uma folhinha de grama! Por favor, provem!"

Roald Dahk - A Fantástica fábrica de chocolate,p. 72

Declaração em juízo - Carlos Drummond de Andrade

Declaração Em Juízo

Carlos Drummond de Andrade

peço desculpas de ser
o sobrevivente.
não por longo tempo, é claro.
tranqüilizem-se.
mas devo confessar, reconhecer
que sou sobrevivente.
se é triste/cômico
ficar sentado na platéia
quando o espetáculo acabou
e fecha-se o teatro,
mais triste/grotesco é permanecer no palco,
ator único, sem papel,
quando o público já virou as costas
e somente baratas
circulam no farelo.
reparem: não tenho culpa.
não fiz nada para ser
sobrevivente.
não roguei aos altos poderes
que me conservassem tanto tempo.
não matei nenhum dos companheiros.
se não saí violentamente,
se me deixei ficar ficar ficar,
foi sem segunda intenção.
largaram-me aqui, eis tudo,
e lá se foram todos, um a um,
sem prevenir, sem me acenar,
sem dizer adeus, todos se foram.
(houve os que requintaram no silêncio).
não me queixo. nem os censuro.
decerto não houve propósito
de me deixar entregue a mim mesmo,
perplexo,
desentranhado.
não cuidaram que um sobraria.
foi isso. tornei, tornaram-me
sobre - vivente.
se se admiram de eu estar vivo,
esclareço: estou sobrevivo.
viver, propriamente, não vivi
senão em projeto. adiamento.
calendário do ano próximo.
jamais percebi estar vivendo
quando em volta viviam quantos! quanto.
alguma vez os invejei. outras, sentia
pena de tanta vida que se exauria no viver
enquanto o não viver, o sobreviver
duranvam, perdurando.
e me punha a um canto, à espera,
contraditória e simplesmente,
de chegar a hora de também
viver.
não chegou. digo que não. tudo foram ensaios,
testes, ilustrações. a verdadeira vida
sorria longe, indecifrável.
desisti. recolhi-me
cada vez mais, concha, à concha. agora
sou sobrevivente.
sobrevivente incomoda
mais que fantasma. sei a mim mesmo
incomodo-me. o reflexo é uma prova feroz.
por mais que me esconda, projeto-me,
devolvo-me, provoco-me.
não adianta ameaçar-me. volto sempre,
todas as manhãs me volto, viravolto
com exatidão de carteiro que distribui más notícias.
o dia todo é dia
de verificar o meu fenômeno.
estou onde não estão
minhas raízes, meu caminho
onde sobrei,
insistente, reiterado, aflitivo
sobrevivente
da vida que ainda
não vivi, juro por deus e o diabo, não vivi.
tudo confessado, que pena
me será aplicada, ou perdão?
desconfio nada pode ser feito
a meu favor ou contra.
nem há técnica
de fazer, desfazer
o infeito infazível.
se sou sobrevivente, sou sobrevivente.
cumpre reconhecer-me esta qualidade
que finalmente o é. sou o único, entendem?
de um grupo muito antigo
de que não há memória nas calçadas
e nos vídeos.
único a permanecer, a dormir,
a jantar, a urinar,
a tropeçar, até mesmo a sorrir
em rápidas ocasiões, mas garanto que sorrio,
como neste momento estou sorrindo
de ser - delícia? - sobrevivente.
é esperar apenas, está bem?
que passe o tempo de sobrevivência
e tudo se resolve sem escândalo
ante a justiça indiferente.
acabo de notar, e sem surpresa:
não me ouvem no sentido de entender,
nem importa que um sobrevivente
venha contar seu caso, defender-se
ou acusar-se, é tudo a mesma
nenhuma coisa, e branca

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Infância e história - Giorgio Agamben

 
"É a infância, a experiência transcedental da diferença entre língua e fala, a abrir pela primeira vez à história o seu espaço. Por isso, Babel , ou seja, a saída da pura língua edêmica e o ingresso no balbuciar da infância (quando, dizem-nos os linguistas, a criança forma os fonemas de todas as línguas do mundo), é a origem transcedental da história. Experenciar significa, necessariamente, neste sentido, reentrar na infância como pátria transcedental da história. O mistério que a infância institui para o homem pode de fato ser solucionado somente na história, assim como a experiência, enquanto infância, e pátria do homem, é algo de onde ele desde sempre se encontra no ato de cair na linguagem e na palavra. Por isso a história não pode ser o progresso contínuo da humanidade falante ao longo do tempo linear, mas é, na sua essência, intervalo, descontinuidade, epoché. Aquilo que tem na infância a sua pátria originária, rumo à infância e através da infância, deve manter-se em viagem." Giorgio Agamben. Infancia e História. p. 64-5

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Oralidade na Invenção do Cotidiano

 
"Com toda razão, a oralidade exige o reconhecimento de seus direitos, pois começamos a descobrir mais nitidamente o papel fundador do oral na relação com o outro.
O desejo de falar vem à criança pela música das vozes, que a envolve, nomeia e chama a existir por sua conta. Toda uma arqueologia de vozes codifica e torna possível a interpretação das relações, a partir do reconhecimento das vozes familiares, tão próximas. Músicas de sons e de sentidos, polifonias de locutores que se buscam, se ouvem, se interrompem, se entrecruzam e se respondem. (...) numa sociedade não existe comunicação sem oralidade, mesmo quando essa sociedade dá grande espaço à escrita para a memorização da tradição ou para a circulação do saber. A oralidade está em toda a parte, porque a conversação se insinua em todo o lugar; ela organiza a família e a rua, o trabalho na empresa e a pesquisa nos laboratórios. Oceanos de comunicação que se infiltram por toda parte e sempre determinantes, mesmo onde o produto final da atividade apaga todo traço dessa relação com a oralidade."
 
Michel de Certeau; Luce Giard e Pierre Mayol, A Invenção do Cotidiano : 2 – Morar, cozinhar, p. 336-8

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Do abraço ao grunhido: a Web!

Um amigo, meio que em tom de brincadeira, disse sentir saudade das comunidades do Orkut. Eu lhe respondi da seguinte forma:

'Eu também sinto falta das comunidades do orkut ativas. Pelo que eu penso, elas foram a última tentativa de aproximar pessoas do mundo todo, que moravam longe uma da outra, mas que tinham interesses semelhantes. Não me importando que vão dizer que estou velha (porque isso eu estou mesmo), mas lembro das White Pages do ICQ...  Mas as coisas foram ficando cada vez mais individualistas. Veja por exemplo o Twitter, que é algo ao contrário a aproximação, como disse José Saramago em uma das suas últimas ranzizices :

"Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido."

Bom, concordo em partes com Saramago, pois eu estudo comunicação "de" e "com" bebês, por isso não acho os grunhidos algo assim sem importância, mas como são sons primitivos do corpo, mesmo eles são mais expressivos que os 140 caracteres padronizados do Twitter (não me acostumo com eles)... Os tempos da web já foram bem mais interessantes...

sábado, 15 de dezembro de 2012

Os Filhos dos dias, Eduardo Galeano


 
Gente achei isso muito lindo, de verdade. Mas como não dá para confiar assim do nada nas citações usadas na internet, fui procurar para saber se era mesmo dele esta citação. E é!
Está no livro  "Os Filhos dos Dias", lançado este ano no Brasil e inspirado na sabedoria maia e todo escrito em forma de Calendário... 

domingo, 9 de dezembro de 2012

Bach para bebês


Vocês já ouviram alguma faixa destes discos com versões de músicas para bebês? Adoro esta capa, com bebês fantasiados ao modo barroco (rs) É que ouvir música de qualquer tipo é muito importante desde a gestação, pelo que pelo que eu entendi deste texto explicativo aqui. Já ouvi falar de estudos sobre os benefícios de ouvir  música clássica para bebês, pois elas   estimulariam o desenvolvimento cognitivo infantil. Por isso que agora já temos vários discos que apresentam versões de todo tipo de música para bebês!  Nestes discos, escolhem algumas peças do tema  escolhido (popular ou clássico) que  poderiam melhor desenvolver a cognição dos bebês... é uma gracinha.Mesmo eu, já velha para isso,  adoro escutar de vez em quando! Com esta gravação abaixo (que devo explicar para não causar confusão, não está naquele disco cuja capa ilustra este post, mas sim nesta capa que ilustra o vídeo)  eu até vejo um bebezinho escutando e se deleitando com o clima mágico da música:
 
 

sábado, 8 de dezembro de 2012

O Amor acaba - Paulo Mendes Campos

Peguei o texto completo de Paulo Mendes Campos (que sempre adorei) e a imagem de Eleonora Campos deste site aqui.

 
"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba. "

Texto extraído do livro "O amor acaba", Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 21, organização e apresentação de Flávio Pinheiro.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Como um simples mortal atige a perfeição?

Está claro que para se tornar perfeito só é preciso morrer. Se isso acontecer com impressionanes 104 anos, a pessoa vira mesmo quase um santo. Estive procurando, desde que recebi a notívia da morte de  Oscar Niemeyer, um comentário crítico sequer sobre seus feitos. Quase não há. Mas achei este texo da  Renata Falzoni  no site da ESPN , com o qual concordo ...
 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Literatura

"A literatura é hoje a fonte a partir da qual os mitos se fertilizam, brotam, da qual fluem e invadem as almas. Ela é a Grande Lira do homem moderno, tal qual Orfeu. Enquanto ela tocar, teremos conforto para o frio, o escuro, a solidão e a insônia dos tempos hostis. Ela nos conduzirá sempre para a vitalidade pujante dos inícios, lá onde o poeta proclama, a cada nova vez e sempre." ♥ N. Sevcenko. Dicionário de Mitos Literários . Org, Pierre Brunel, 1998.

domingo, 2 de dezembro de 2012

cantigas do norte de Minas

Ainda sobre Steven Pinker



Para escrever meu projeto de doutorado em 2009 meu orientador me recomendou  a  leitura deste livro. Sobre ele  escrevi este post, destacando que tantas vezes lembrava dele nas aulas de Semiótica de Luiz Tatit. Mas agora,    apesar do nome sedutor e da intenção  de parecer descontraído, o que me  lembro é que esta  foi uma das leituras mais árduas do doutorado todo! (rs) Não só porque o livro é enorme (ele para  de pé sozinho na estante), mas também porque estranhei sair  do ambiente mental das ciências humanas, pareceu mais  pesado. Apenas depois de   algum tempo  que fui ler Oliver Sacks  e outros que resgataram a graça da reflexão sobre o cérebro humano, fazendo tudo parecer realmente delicioso.
Agora, já na fase final, resgatei algum suco no livro de Pinker (pouquíssimo em meio a um livro de 560 páginas), como quando ele aborda a  língua dos bebês (foi o primeiro autor que li tratando deste tema, mas não foi o melhor). Para ele, criança ao falar faz escolhas dentro do que foi experimentado, pois não pode repetir todas as frases que ouviu, precisando 
“extrair um conjunto de regras que lhe permitirá compreender e expressar novos pensamentos." (Pinker, 2008. p. 44-5) 
Você, adulto, pode dizer que isso é um dos postulados mais básicos da linguística,  né? Mas não chama a atenção que bebês, que nem entraram ainda no mundo oral, o exercitem ? Ainda citando Pinker:

(Pinker, 2008. p. 43-5)


Realmente uma questão para se pensar, porque nós adultos tendemos a achar (e às vezes até a exigir) que as crianças possuam a mesma percepção e condição que nós temos, o que é uma violência! As crianças são livres do comprometimento com a gramática dos adultos, e talvez seja por isso que elas conseguem desenvolver a linguagem tão rapidamente. Vejamos uma tirinha usada por Pinker:

(Pinker, 2008. p. 54)


Acho que comecei a torcer um pouco menos o nariz para este livro, o que pensam?

sábado, 1 de dezembro de 2012

Abraçaço (do e no) Caetano Veloso!

A capa do mais novo  álbum de Caetano Veloso, assinada por FernandO Young
(não confundir com Fernanda Young, please), que representa o título do disco: um abraçaço!
 
Divulgando a capa tão significativa e carinhosa e a lista de faixas :
 
1. A Bossa Nova É Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero Ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando O Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana
 
Caetano Veloso, aquele lindo, comemora agora seus 70 anos, recheado de homenagens merecidíssimas e lançando seu último álbum intulado Abraçaço, termo que ele mesmo explica  lindamente assim:
 
"— Abraçaço é uma palavra muito bonita e tem essa reverberação, parece um eco, mais ainda quando escrito, esse a-ce-cedilha duas vezes. É como se fossem círculos concêntricos de abraços, que vão se expandindo. Não é apenas grande ou maravilhoso como é um golaço, por exemplo. É expansivo. No disco, o abraçaço abarca desde cena íntimas até o fato que "o império da lei há de chegar ao coração do Pará". Caetano Veloso, entrevista ao Globo em novembro 2012.

 
Adoro quando Cae comenta música a música como nesta entrevista (coisa que ou ele nem sempre faz, ou eu que acabo nunca tendo acesso). Eu ouvi poucas coisas do novo disco por enquanto, mas quando ouvi a música "O Império da Lei" claro que identifiquei de imediato a referência ao assassinato da missionária Dorothy Stang em 2005 e, consequentemente, isso me fez relembrar do alerta do Willi Bolle na época : esse universo sem lei, onde até Deus, se vier, que venha armado, do Grande Sertão : Veredas, não está morto no Brasil do século XXI. É o Caetano tocando o dedo na ferida novamente, colocando-se, sem querer agradar...
 
Acho ótimo, e sintomático, termos um artista como Caetano no Brasil, que tem suas opiniões e não tem medo de remodelá-las, nem de ser polêmico em alguma parte do processo de reflexão. Pensa e faz pensar. Penso que  precisamos de gente assim, por isso ele é meu "ídolo", afinal com ele não preciso concordar com tudo o que ele pensa ou faz (não é um modelo de vida), é um incentivador da reflexão ... e é um puta de um poeta! Agrada tantos  e também desagrada na mesma medida. Quem precisa de unanimidades?
 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A voz das palavras mágicas de João Guimarães Rosa

Aleluia gente, o texto completo da minha fala no III Congresso Internacio​nal de Leitura e Literatura Infanfil e Juvenil, realizado em maio 2012, na PUCRS foi publicado nos anais do evento. O nome do texto é "A voz das palavras mágicas de João Guimarães Rosa", e o link para ler na íntegra é http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IIICILLIJ/Trabalhos/Trabalhos/S3/camilarodrigues.pdf.

Sobre as "Histórias que os camponeses contam: O significado de Mamãe Ganso", de Robert Darnton



Na velocidade dos nossos tempos (até se pensando em ciências humanas como a História), o livro O Grande Massacre de Gatos, publicado por Robert Darnton (que eu amo) em meados dos anos 1980, para nós (leitores dos anos 2000)  um pouco datado, já que aponta tantas “novidades” na época (como as trazidas pela História das Mentalidades, que à época era mesmo a nova voga e hoje, mais de vinte anos depois, já foram quase que totalmente abandonadas pela produções de historiografia, deixando atrás de si, entretanto, algumas pegadas de todo um caminho no percurso daqueles historiadores, que agora já foram incorporadas à percepção do pesquisador. Como exemplo, neste livro, tomo alguns trechos de um texto fundamental para a minha pesquisa que estou relendo com cuidado, o salutar capítulo “Histórias que os camponeses contam: O significado de Mamãe Ganso”:   

“As grandes coletâneas de contos populares, organizadas nos séculos XIX  e início do século XX, oferecem uma rara oportunidade de se tomar contato com as massas analfabetas  que desapareceram no passado, sem deixar vestígios. Rejeitar os contos populares porque não podem ser datados nem situados com precisão, como outros documentos históricos, é virar as costas a um dos poucos pontos de entrada no universo mental dos camponeses (...)
O maior obstáculo é a impossibilidade de escutar as narrativas, como era feitas pelos contadores de histórias. Por mais exatas que sejam , as versões escritas dos contos não podem transmitir os efeitos que devem ter dado vida às histórias do século XVIII: as pausas dramáticas, as miradas maliciosas, o uso dos gestos para criar cenas – uma Branca de Neve com uma roda de fiar, uma Cinderela catando piolhos de uma irmã postiça – e o emprego de sons para pontuar as ações – uma batida à porta (muitas vezes obtida com pancadas nas testas de um ouvinte) ou uma cacetada, um peido. Todos estes dispositivos configuravam o significado dos contos e todos eles escapam ao historiador. Ele não pode ter certeza de que o texto inerte e sem vida que ele segura, entre as capas de um livro,  fornece um relato exato da interpretação que ocorreu no século XVIII.(...) Anotações da mesma epopeia, narrada pelo mesmo cantor, demonstram que cada interpretação é única. No entanto, (...) em cada caso, o cantor procede como se caminhasse por uma estrada bem conhecida. Pode desviar aqui, para fazer uma pausa, ou ali para apreciar uma vista, mas sempre permanece em terreno familiar, tão familiar, na verdade, que seria capaz de dizer que repetiu exatamente os mesmos passos dados antes. Não concebe a repetição da mesma maneira que a pessoa alfabetizada, porque não tem noção de palavras, linhas, versos. Os textos, para ele, não são rigorosamente fixos, como são para leitores da página impressa. Cria-se um novo texto ao narrá-lo, escolhendo novos caminhos através  dos velhos temas. Até pode trabalhar com material tirado de fontes impressas, porque a epopeia, no todo, é tão maior que a soma de suas partes a ponto de as modificações de detalhes mal perturbarem sua configuração geral.”(DARNTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: O significado de Mamãe Ganso. In: O Grande Massacre de Gatos,2006. p.32-4)

  “... Um longo espaço de tempo pode parecer desagradavelmente vago a qualquer pessoa que exija que a História seja precisa. Mas a precisão pode ser inadequada, ou mesmo impossível, na História das mentalidades, um gênero que requer métodos diferentes dos empregados nos gêneros convencionais, como a História política. Visões de mundo não podem ser descritas da mesma maneira que acontecimentos políticos, mas não menos ‘reais’. A política não poderia ocorrer sem que existisse uma disposição mental prévia, implícita na noção que o senso comum tem do mundo real. O próprio senso comum é uma elaboração social da realidade, que varia de cultura para cultura. Longe de ser a invenção arbitrária de uma imaginação coletiva, expressa a base comum de uma determinada ordem social.” (DARNTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: O significado de Mamãe Ganso. In: O Grande Massacre de Gatos,2006.p.34-9)

Além de tudo isso, me chama a atenção a diferença que o texto sutilmente  apresenta entre as histórias contadas oralmente  e suas versões escritas.   Darnton acerta quando destaca que os símbolos alegóricos (como o relação direta entre o vermelho do chapeuzinho e a conotação sexual, ou o frágil pote de vidro alegorizando a virgindade da menina no  conto) não existiam nos contos populares, mas  foram crianções literárias de alguns compiladores, como Perrault ou os irmãos Grimm. Só que, ainda assim, é com base na interpretação destes símbolos que se sustentam muitas interpretações, como a dos psicanalistas e estes a estendem para o tempo longo das lendas e  não apresentam muitos pudores em anular a visão histórica das expressões. É  como se, desde sempre e em todas as culturas, o vermelho, o vidro tivessem significado a mesma coisa  e por isto esses contos seriam  quase que "Histórias Primordiais" (DARNTON,, 2006. P.37). Quando, na verdade,  estes símbolos e seus significados  foram criação dos próprio psicanalistas intérprete.
Porém, se a interpretação psicanalítica parece não servir muito para a História antropológica de Darnton, já que  não seria possível dizer nada sobre o que pensam os populares sobre símbolos que não aparecerem em suas expressões orais; penso que é muito significativo para o historiador que se debruça sobre as narrativas literárias destes contos, que também possuem sua História e isso não deve ser anulado. É preciso pensar mais ainda sobre.  Conforme eu for achando mais momentos ímpares para a reflexão de uma historiadora da História Cultural / do Livro e da Literatura  como eu volto a postar aqui, certo?

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Crianças resenhistas


No site da Editora Cosac Naify, que puplicou um edição capichadíssima do Pinóquio - A história de um boneco no final de 2010, agora podemos ler pelo menos duas resenhas do livro escritas por crianças .

Como já dei a referência, vou copiar os textos aqui porque  vale  muito:

Era uma vez um pedaço de pau que um dia foi parar na oficina do senhor ANTÔNIO que tinha o apelido de Cerejo mas que não gostava desse apelido. Um dia o mestre Cerejo foi trabalhar e pegou um pedaço de pau que falou não me golpei com tanta força e o mestre cerejo virou e viu que não tinha ninguem na rua e falou deve ser coisa da minha imaginação então entrou um carpinteiro que cujo nome era GEPPETTO procurando um pedaço de madeira para fazer um boneco o cerejo deu a madeira que falava, sem saber GEPPPETO foi para casa fazer o boneco pouco antes de ser terminado o boneco ja foi malcriado.GEPPETTO pegou pelas pernas de PINÓQUIO e o botou no chão para ver se ele andava mas ele não conseguio então GEPPETTO o segurou pela mão e tentou fazer que ele andasse e não que ele conseguio mas ele começou a corre para lá e para cá até que saiu de casa e GEPPETTO foi atras dele até que um guarda que estava por lá prendeu GEPPETTO. E PINÓQUIO votou para casa e encontrou o grilo falante só que PINÓQIO não gostava deescutar o grilo falar atirou um pedaço de madeira no grilo que o matou. Eu gostei muito do livro acho que as crianças vão adorar porque alem de ser uma historia classica e boa prende muito a atenção.Gabriel Jeneci, 10 anos  Postada  em 13/12/2011 

“O livro foi uma surpresa, é bem diferente do filme de Walt Disney, mas além de ser diferente, ele é muito divertido, mostra que se você não ouvir as pessoas que te amam, você vai se dar mal na sua vida e estragar a vida de outras pessoas. A personagem que eu mais gostei foi a Fada dos Cabelos Turquesa, porque ela é uma grande mãe de coração e esta sempre ajudando os outros, principalmente o boneco Pinóquio. Pinóquio, no começo um menino bobo e irresponsavél, fácil de se enganar. Mas no final ele se tornou um menino de bem, trabalhador, obediente e amável. Recomendo este livro para crianças maiores de dez anos. Porque em algumas partes o vocabulário se torna complicado. As ilustrações do livro são bem bonitas, são estilo antigo, quando a gente fala do Pinóquio lembra do desenho animado, as do livro são diferentes.”Luiza Pereira, 10 anos Postada em 13/12/2011
Legal que tenha chamado a atenção para a diferença em relação à versão Disney e o cuidado em lembrar perspectivas de época: "desenhos antigos", vocabulário difícil para crianças com menos de 10 anos (rs)...Claro que todo texto escrito por crianças, especialmente os que são bem escritos como esses, levantam muitos questionamentos sobre quanto da opinião da própria criança (sem intervenção de adultos, que costumam ser intrusos) há ali. Mas não acho MESMO que as crianças não podem construir e expressar suas próprias opiniões, que são sempre peculiares e irreverentes. MNem toda criança precisa escrever resenhas assim como essas, mas todas deveriam ter o DIREITO AO ACESSO À VERSÃO ORIGINAL DE COLLODI, com o pau que lamentava e tudo, antes de terem seu imaginário dominado pelo desenho dos anos 1940, que é lindo, claro, mas o original é bem melhor! 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crianças do Coração


Aconteceu o que eu sabia que ia acontecer desde que comprei o chocolate imenso pra emergências: acordei de madrugada aos prantos e devorei todinho, sem nem lembrar que estou no meio da terrível dieta dos "matos". Mas mesmo que eu tivesse me lembrado, não ia deixar de comer o doce, afinal não estou fazendo dieta para emagrecer e agora, nesse momento da minha vida, tudo que menos precisava para  manter minha saúde (até emocional) em ordem é ficar assim como estava, sem comer doce algum há mais de um mês. Está mais do que difícil, mas ainda assim, ontem, quando cheguei na  metade do livro de David Grossman, ele me lembrou  daquela que sempre foi  minha única saída na vida:  Existem as CRIANÇAS DO CORAÇÃO e, principalmente,  também existem as suas NARRATIVAS MARAVILHOSAS, que sempre podem  confortar  a todos em qualquer situação e até  salvar vidas (ou mortes) em momentos de extrema tensão: Sempre existe alguma "Xerazade", e chocolates...  

P.S. A expressão "Crianças do Coração" citada aqui está no livro Ver: Amor, de David Grossman, mas eu encontrei na internet este site intitulado com essa expressão, de onde tirei a imagem que ilustra o post. Mesmo sabendo que os sentidos dados a expressão não são iguais, me pareceram  totalmente ajustáveis. 

P.S.2 Lendo David Grossman mais um pouquinho, com a cabeça mais fresca, vi a que sua Xerazade não salva uma vida, como a a Sherazade; mas talvez ela, de alguma forma, salve uma morte ... vamos ver como as coisas vão se desenvolver nesta metade final do livro ...

domingo, 18 de novembro de 2012

Comecinho de "Pinóquio - A história de um boneco", de Carlo Collodi



"Era uma vez...
-Um rei - dirão logo os meus leitores.
Não, meninos, vocês se enganaram. Era uma vez um pedaço de pau.
Não de madeira de lei, mas um simples pedaço de lenha, desses que no inverno atiramos nos fogões e nas lareiras para ascender o fogo e aquecer os aposentos.
Não sei como a coisa aconteceu, mas a verdade é que um belo dia esse pedaço de pau foi parar na oficina de um velho carpinteiro, que tinha o nome Antonio, embora todos os chamassem de Cerejo, por causa da ponta de seu nariz - sempre roxa e lustrosa, como uma cereja madura.
Assim que mestre Cerejo viu aquele pedaço de pau ficou todo alegre e, esfregando as mãos de contente, resmungou a meia-voz:
- Esta madeira veio bem na hora: vou usá-la para fazer uma perna de mesa.
Dito e feito, logo pegou a enxó afiada para começar a retirar a casca e desbastá-la, mas, quando ia dar o primeiro corte, ficou com o braço suspenso no ar, pois ouviu ua voz muito débil, que lhe pedia suplicante:
- Não me golpeie com força!
Imaginem como ficou o bom e velho mestre Cerejo!
Girou os olhos perturbados pelo cômodo para ver de onde podia ter saído aquela vozinha, mas não viu ninguém! Olhou embaixo da banqueta, mas ninguém;olhou dentro de um armário que estava sempre fechado, e não viu ninguém; olhou a porta da oficina para dar uma olhada até a rua, e ninguém! Ou então?
-Já sei! - disse rindo e coçando a peruca - é claro que essa voz foi imaginação minha. Voltemos ao trabalho.
E tomando de novo a enxó na mão, desferiu um soleníssimo golpe no pedaço de madeira.
-Ai! Você me machucou! gritou lastimando-se aquela vozinha.
Desta vez mestre Cerejo ficou pasmado, com olhos arregalados de medo, a boca escancarada e  a língua balançando à altura do queijo, como uma carranca de chafariz. Mal recobrou o uso da palavra, começou a falar trêmulo e balbuciando de temor:
- Mas de onde será que vem esta vozinha que disse ai? ... E olha que não há ninguém aqui. Seria por acaso este pedaço de pau quee aprendeu a choramingarncomo criança? Não posso acreditar. Aqui está este pedaço de pau; uma racha para queimar como todas as outras que, quando se põe no fogo, serve uma panela de feijão...
Ou então? Será que alguém se escondeu dentro dela? Se foi isto, pior para ele... Então ele não vai ver!
E, dito isto, agarrou com ambas as mãos o pobre pedaço de pau e começou a batê-lo sem piedade contra as paredes da oficina.
Depois ficou escutando para ver se alguma vozinha se lamentava. Esperou dois minutos, e nada; cinco minutos, e nada; dez minutos, e nada!
- Já entendi - disse esforçando-se para rir e desagrenhando a peruca -, está claro que a vozinha que disse ai não passa da minha imaginação! Voltemos ao trabalho.
Mas, como se sentiu inadir por um grande medo, começou a cantarolar para adquirir um pouco de coragem.
Então deixou de lado a enxó e apanhou a plaina para desbastar e polir o pedaço de pau; mas, no momento em que o aplainava para cima e para baixo, ouviu aquela mesma vozinha que lhe disse entre risos:
- Pare com isso! Está me fazendo cosquinhas no corpo!
Desta vez o pobre mestre Cerejo caiu fulminado. Quando reabriu os olhos, viu que estava sentado no chão.
Seu rosto parecia transfigurado, e além disso a ponta do seu nariz, que habitualmente era roxa, tornou-se azul de tanto medo..."    


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ainda sobre a regulamentação do ofício de historiador ...


UM HISTORIADOR VALE TANTO QUANTO UM MÉDICO OU UM ADVOGADO, NÃO É?

Por Marcos Silva

- Professor Titular de Metodologia da História, FFLCH/USP -

O Senado brasileiro vem de aprovar lei regulamentando a profissão de Historiador. A partir de agora, algumas tarefas específicas passarão a ser privilégio profissional de quem tiver formação acadêmica na área. Não é a primeira carreira de nível superior que merece essa regulamentação. Mesmo no campo das Ciências Humanas, Sociólogos e Geógrafos já desfrutam há alguns anos de condição similar.

Participo do debate sobre a questão, na área de História, ao menos desde os anos 80 do século XX. Lembro de colegas que sustentavam a falta de necessidade de regulamentação em nosso espaço profissional, considerando que importantes historiadores brasileiros do século XX (Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Jr.) não tinham formação em curso superior de História. Esse argumento apresentava duas graves fragilidades: 1) quando os três fizeram cursos superiores, não havia bacharelado em História no Brasil; 2) Freyre, Buarque de Hollanda e Prado Jr. tiveram condições pessoais ou familiares para requintadas formações humanísticas fora do Brasil – respectivamente, Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha.

A situação é muito diferente para um jovem brasileiro de classe média ou menos que, nos dias de hoje, estuda História e se lança num mercado de trabalho fortemente regulamentado noutras áreas. Permanecer nesse mercado fora de suas regras dominantes
é assistir à consolidação dos direitos alheios sem garantia de direitos próprios.

Regulamentar uma profissão é definir exclusividades de exercício, sim. Isso não se confunde com impedir o direito ao pensamento. A História, como tema, sempre será objeto de livre acesso para jornalistas, ficcionistas, advogados, médicos, cidadãos em geral... O desempenho profissional na área, diferentemente, dependerá de uma comprovada capacidade técnica e teórica, obtida em formação acadêmica – como ocorre em relação a médicos, engenheiros, dentistas...

Há quem legitime a regulamentação de algumas carreiras (Medicina e Direito, particularmente) e reivindique a liberdade de prática profissional para as demais: Medicina lida com vidas humanas, Direito zela pelas garantias individuais e coletivas
diante da Lei. Quer dizer que falar sobre o tempo humano (fazer, memória) não possui igual magnitude? Quer dizer que pesquisar e ensinar o Holocausto Nazista ou a Ditadura brasileira de 1964/1984 não é tão minucioso quanto interpretar uma lei ou fazer uma cirurgia? Não vejo hierarquia entre essas práticas. Respeito muito os colegas profissionais de outras áreas regulamentadas. Tenho muito respeito por mim mesmo e pelos demais colegas de minha área profissional.

Enquanto houver regulamentação de algumas profissões, não vejo legitimidade em exigir desregulamentação de outras. Agora, podemos conversar sobre desregulamentação geral das profissões no Brasil. Quem se habilita?

A Diaba e sua filha, de NDiaye



"Há em Moçambique um provérbio que diz : a vida de cada um é um rio. Assim pensando, o tempo que nos cabe para viver é alimentado por uma fonte eterna : a infância. E assim dita, a infância não é um tempo passado, mas a capacidade infinita de nos renovarmos entre nascentes e estuario.
Este conto de Marie Dianye (A Diaba e sua filha) é uma história extraordinária, repleta de mistério e sedução, que confirma , em mim, a ideia de que aquilo que chamamos de literatura infantil é, muitas vezes, um esteriótipo fundado numa falsa menoridade da criança e na verdadeira  arrogância do adulto. Este conto fala desse rio que apenas existe se nos olharmos como eternos inventores da nossa própria infância. Na margem desse rio, nenhuma história tem idade porque toda a narrativa está fora do tempo.
Nesta história não há lugar, não há nomes, tudo é nocturno, o que sucede está envolto em brumas. Todos nós habitámos essa casa de luz calorosa onde uma diaba se recorda de ter sido feliz. Todos nós fechamos a porta do preconceito, e nada mais queremos saber sobre os que ficam confinados na outra margem. longe da nossa existência.
NDiaye escreve sobre os nossos medos e o modo como eles são colectivamente construídos. Escreve sobre a necessidade de classificarmos os outros e os arrumarmos em bons e mauls, em anjos e monstros. Nestas páginas se inscreve, enfim, a facilidade em culparmos e diabolizamos os que são diferentes e o modo como os sinais de aparêcia ( no caso, os pés de cabra) se erguem como marca de fronteira entre os "nossos" e os"do lado de lá".
Terminou com o recurso a  um outro provérbio africano, que diz : eu sou os outros.  Marie Dianye confirma a verdade desse aforismo numa história em que se desfazem as fronteiras entre homem e animal, entre humanidade e demónios, os do bem e os do mal. Os outros que somos (ou que poderíamos ser) desfilam neste apelo para reencontrarmos, na diversidade das criaturas que somos, a nossa própria humanidade."
Mia Couto. Orelha do livro A Diaba e sua filha, de Marie Dianye

Linda exposição sobre Pinóquio


No fim de outubro, no dia do meu aniversário, eu recebi  um grande presente no Sesc Belezinho, vi a exposição 9 cenas de Pinóquio  e, claro, amei:

Ai, aqui estaria a própria alegorização do o fim da infância construída por Carlo Collodi... Eu acho que todas as crianças deveriam ler Pinóquio algum dia. A criança que ainda vive em mim só leu o original de Collodi um pouco "madura" já (depois de ter lido inúmeras adaptações e ter assistido ao filme da Disney), mas ainda assim foi delicioso e me deu muita vontade de presentear todas as crianças com o livro...
Esta exposição no Sesc Belenzinzinho (como quase tudo relacionado ao Pinóquio) me emocionou demais, mas também me divertiu!
Adorei tudo, especialmente a própria sombra do bonequinho presente no ambiente que eu jurava que não ia sair nunca nas fotos, mas saíu...



domingo, 11 de novembro de 2012

(Im) Possível retorno do vovô Anshel


Dois momentos do livro "Ver: Amor" de David Grossman, onde o garotinho Momik expressa seu grande desejo de resgatar o ser que acreditava existir ainda no velhinho que ele chamava de vovô Anshel (um sequelado vindo de campo de concentração ). Me emociona muito, porque tantas vezes eu me sinto como  Momik nos últimos tempos ...


"Esses números realmente o deixavam doido, porque não estavam escritos com caneta e não saiam com água ou cuspe. Momik tentou de tudo quando lavava os braços do avô, mas o número permanecia e, por causa disto, Momik começou a pensar que talvez fosse um número escrito não por fora, mas  por dentro; por isto ficou até mais convencido de que  talvez existisse mesmo alguém dentro do vovô (...) e teve uma sensação realmente forte de que a qualquer momento vovô abriria totalmente, se abriria no meio e ao comprido como uma vagem  de ervilha amarelada e se fenderia assim em dois, uma espécie de vovô pintinho, um avô pequeno, sorridente e de bom coração e que gostava de criança saltaria dali, isto não aconteceu, mas de repente Momik sentiu um aperto no coração e uma tristeza estranha, levantou-se, aproximou-se  deste seu avô, abraçou-o com força, e sentiu  como ele era quente, exatamente como um forno, então vovô parou de falar sozinho, e durante talvez meio minuto ele se calou, as mãos e o rosto repousaram, e ele pareceu prestar atenção a  todas as coisas que havia dentro de si, mas, como se sabe, era-lhe proibido deixar de falar por muito tempo.  " p. 17-18


"Então Momik pode jogar a mochila, despir o vovô do casaco grande e velho de papai, cheirá-lo um pouco bem rápido, sentá-lo à mesa e esquentar a comida para os dois. Para a vovó Heni era preciso trazer a comida na hora do almoço até o quarto dela, porque sozinha ela não descia da cama, mas vovô come com ele, e isto lhe é agradável, como se ele fosse um avô  verdadeiro com o qual é possível conversar e tudo mais." P.33

sábado, 10 de novembro de 2012

Regulamentação da profissão de Historiador levanta polêmica...

 
Tirem suas conclusões, eu já tenho a minha...Na Folha de São Paulo, de autoria de Fernando Rodrigues, foi publicado o seguinte texto:
"Historiador? Só com diploma
BRASÍLIA - Poucos notaram, mas o Senado aprovou um projeto de lei estapafúrdio na última quarta-feira. Eis o essencial: "O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de diploma de curso superior em história, expedido por instituição regular de ensino".
Em resumo, se vier a ser aprovada pela Câmara e depois sancionada pela presidente da República, a nova lei impedirá que pessoas sem diploma de história possam dar aulas dessa disciplina.
A proposta é de um maniqueísmo atroz. Ignora que médicos, sociólogos, economistas, engenheiros, juristas, jornalistas ou cidadãos sem diploma possam acumular conhecimentos históricos sobre suas áreas de atuação. Terão todos de guardar para si o que aprenderem.
Há sempre a esperança de alguém levantar a mão e interromper essa marcha da insensatez na Câmara. Mas mesmo que seja abortado, o episódio não perderá a sua gravidade. Trata-se de um alerta sobre a obsolescência e a falta de lógica do processo legislativo brasileiro.
A ideia nasceu em 2009. Era um projeto do senador Paulo Paim, do PT gaúcho. Em três meses, o senador Cristovam Buarque, do PDT de Brasília, deu um parecer favorável. Ouviu um chiste de José Sarney: "Você quer me impedir de escrever sobre a história do Maranhão".
Cristovam parece arrependido do seu protagonismo. Indica ter deixado tudo para assessores, sem supervisioná-los como deveria. Erros acontecem. Só que o senador defensor da educação não quis reconhecer o equívoco na quarta-feira. Preferiu se ausentar do plenário.
O Senado tem 81 integrantes. Só dois votaram contra o diploma obrigatório para historiadores: Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Pedro Taques (PDT-MT). É muito pouco para impedir que o país se transforme, de lambança em lambança, numa pátria das corporações."
 
Mas a  ANPUH de São Paulo já deu sua resposta , a qual concordo plenamente:
 
"PROFISSÃO DE HISTORIADOR:
MARCHA DA INSENSATEZ OU DO DESCONHECIMENTO?

Nós, historiadores profissionais, sabemos que uma das regras básicas do nosso ofício é a elaboração de um discurso de prova, assentado na pesquisa e na crítica dos vestígios do passado, os documentos. Fernando Rodrigues, por não ter essa formação, talvez desconheça essa regra tão elementar e, por isso, não se deu ao trabalho de ler com atenção o documento que deveria balizar a sua análise (sic) publicada no jornal Folha de São Paulo de 10 de novembro de 2012: o Projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador, aprovado no Senado Federal na última quarta-feira. Em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas. Apenas estabelece que as instituições onde se realiza o ensino e a pesquisa de História contem com historiadores profissionais em seus quadros, por considerar que, ao longo de sua formação, eles desenvolvem habilidades específicas como a crítica documental e historiográfica e a aquisição de conhecimentos teóricos, metodológicos e técnicos imprescindíveis à investigação científica do passado. Da mesma maneira, a regulamentação pode evitar que continuem a se verificar, nos estabelecimentos de diversos níveis de ensino, situações como a de o professor de História ser obrigado a lecionar Geografia, Sociologia, Educação Artística, entre outras disciplinas, sem ter formação específica para isso (e vice-versa).

Temos certeza que o Senador Cristovam Buarque, tão sensível aos problemas da educação brasileira, apóia esta idéia, pois ela possibilita um ensino mais qualificado.

Temos certeza também que o Senador José Sarney, conhecedor do teor do projeto, está tranqüilo, pois sabe que não vai ser impedido, como nenhum cidadão brasileiro, de escrever sobre a história de seu estado, ou de qualquer período, indivíduo, localidade ou processo. Isso atentaria contra as liberdades democráticas, das quais os historiadores profissionais são grandes defensores.

Fique tranqüilo senhor Fernando Rodrigues, o senhor também poderá escrever sobre história. Só sugerimos que leia os documentos necessários antes de o fazer.

Benito Bisso Schmidt

Presidente da Associação Nacional de História – ANPUH-Brasil"