4 livros na estante |
Desde o ano passado eu falo frequentemente deste autor, vocês devem ter
percebido. Foi uma "descoberta" de 2019 e fazia tempo que não me deparava
com um autor desta forma e isso vem modificando minha postura como leitora. Não
foi por querer, mas em um primeiro momento eu encontrei o texto de Hatoum como
uma verdadeira historiadora lê suas fontes : realmente lê, mergulha, aceita ou
rejeita se possível, aprende algo com ela, sem conhecimentos externos, sem
ouvir entrevistas do autor, sem saber quantos livros, quais são os romances, se
há crônicas, se há contos, simplesmente lê.
Eu gosto muito da forma como ele
escreve, isso em todas as obras, de algumas gosto mais do que em outras, mas sei que esta
qualidade de bom escritor está sempre garantida, por isso ele me acompanhou em
momentos difíceis de longas espera em hospital em 2019, dessas coisas a gente
não se esquece. Dele eu li somente os romances, e com eles aprendi muito sobre o que seria
escrever um romance no Brasil contemporâneo através dos seus questionamentos.
Por curiosidade, achei esse depoimento de Ricardo
Ballarine sobre a leitura de algumas obras de Hatoum e apesar de eu já ter
escrito um post sobre minhas primeiras impressões a cada romance lido, agora,
decorridos alguns meses, quis sintetizar
um pouco a minha impressão sobre as quatro primeiras obras.
De todos, o meu favorito é o Relato
de um certo oriente (1989) , primeiro que ele publicou e o segundo dele que
li e sobre o qual comentei aqui.
Mas gostar ou não de um livro tem a ver com muitos fatores, nosso repertório literário ou expectativas de
leitores, por exemplo, o Ricardo Ballarine, no texto comentado acima, disse que
tentou ler por duas vezes, na primeira largou e na segunda, “pelo menos”,
conseguiu terminar, o livro que li e reli tantas vezes e aplaudi sempre. Mas não recomendo começar por ele, fundamental
é provar primeiro o gostinho de Hatoum. Desde
o início percebi que o volume é difícil de ler para leitores mais habituados a uma
narrativa mais fluída, mas talvez por isso mesmo seja um livro imprescindível.
E não é apenas pela ourivesaria (na minha primeira impressão de leitura eu já usava essa mesma palavra) com as palavras que o torna peculiar, mas também a estrutura
do texto que me lembra a de alguns reconhecidos autores estrangeiros,
especialmente os que tratam da narrativa de memórias de refugiados europeus que
li , como W. G. Sebald, cujas obras dialogariam
facilmente com o romance ambientado em Manaus no início do século XX. O
interessante dessa obra é que ela mostra coisas novas , sem mostrar
claramente (ele garante o beneficio da dúvida sobre se é aquilo mesmo, o tempo
todo), muitas que não desejamos enxergar o que eu chamaria de boa literatura,
isso pensando mundialmente.
A terceira leitura foi Cinzas do
Norte (2005) ,
que comentei aqui.
Achei muito diferente dos dois primeiros, muito menos poético ou sensorial, foi
a primeira vez que senti aquele vazio de
esperar algo tão grande quanto o que ele já havia me oferecido, mas não ser
atendida. Também por isso o Cinzas
demorou a chegar até mim, mas chegou, muito mais pela razão do que pela emoção,
como havia sido nos dois primeiros. Estava lendo um escritor, um escritor
brasileiro, foi muito bonito constatar isso. Depois que terminei essa leitura,
comecei a ouvir um pouquinho o que ele
fala e me deliciei ao perceber como ele sabe o que é um romance, o que
significa escrever um romance no Brasil e essa contribuição me fez gostar do Cinzas. Até agora é meu terceiro
favorito.
O quarto livro é o Orfãos do
Eldorado (2008) não é um romance e eu só percebi durante a leitura, e isso me
fez estranhar muito o livro de cara, como comentei aqui
, enquanto lia não sabia o que era, até pensei que pudesse ser um poema, mas o
ouvi explicar que se trata de uma novela encomendada. Lamentei um pouco, porque
ele trata de lendas manauaras, é tão bonito, mas falta mais recheio e se fosse
um romance, não faltaria. O choque da comparação entre os dois primeiros e os
dois últimos livros dele que li me fez ficar um pouco decepcionada e eu
resolvi parar de ler um tempo. Podia ler os contos, as crônicas, mas dei um
tempo mesmo.
Embora eu saiba que Hatoum não
precisa corresponder às minhas expectativas,
não posso calar meu desejo, muito menos o fato de que ele não foi
atendido. A psicanálise já explicou como é difícil, ou até impossível, ao ser humano superar uma frustração. Até
mesmo se ela for de leitor(a) e é preciso falar dela, por isso precisei voltar
ao tema dos primeiros romances de Hatoum, apesar de já ter começado a ler a
trilogia O lugar mais sombrio , acho melhor falar deles só depois de ler os
três, por enquanto ainda preciso tocar nessa ferida, “a perda do meu autor
querido”, e o questionamento sobre a possibilidade ou impossibilidade de gostar
dele, da forma como ele vier.