sexta-feira, 30 de outubro de 2020

"Madame Brouette", Senegal, 2002, direção Moussa Sene Absa

 

O filme começa com belas imagens de uma festa, com  várias mulheres vestidas de amarelo, muita música e alegria:

Festa das mulheres de amarelo

e só depois saberemos que é o batizado do bebê de Miti, a 
protagonista:

batizado

Mas logo somos inseridos na trama desta mãe e do bebê,  pois ouvimos ouvimos um tiros disparados dentro da casa de Madame Brouette e de lá sai um homem de vestido vermelho ferido, que vai morrer na porta. Isso dá inicio às especulações, chega a imprensa para recolher depoimentos sobre a Madame e também o grupo de cantadores para cantar a história de Madame, e essa cantata teatralizada do próprio drama do filme, nunca antes observada nos cinemas africanos,   fez com que esse filme ficasse famoso pelo aspecto musical. Esse  fim  trágico que dá inicio ao filme com as questões colocadas: Teria sido ela quem matou o marido? Por qual motivo?  
cantadores 

 Este é  mais um filme africano que ressalta a força e o poder da mulher para ganhar a vida (AMO)! Miti (Rokhaya Niang)  é uma bela senegalesa divorciada, que jura não querer mais saber de homens em sua vida e que vive com a filha pequena, ganhando a vida empurrando seu carrinho “Madame Bourett” pelas ruas de Dakar e sonhando um dia ter sua lanchonete.

carrinho de Miti

Miti é uma defensora das mulheres que sofrem de violência por seus maridos e o filme mostra imagens muito cruas dessas violências em público, que já não causavam espanto a ninguém a não ser na própria Miti, que quase sempre leva as mulheres para morarem na casa de seu pai, onde estava morando com a filha. São muito belas as cenas de empatia e união entre mulheres neste longa

Miti acolhe a mulher agredia na rua

 
Mulheres se trançando

Por ser um filme senegalês, fui preparada para me deparar com realidades muito diferentes, mas não foi que senti que o Senegal e sua cultura  não está mais tão longe da Camila e do Brasil como já esteve? De algum jeito que não sei qual, senti o Senegal quase familiar. Apenas quase. A cena das mulheres comendo no mesmo prato, como demarcando um forte laço entre elas, eu também já vivi aqui em São Paulo, com um senegaleses. Para mim ficou claro o laço

O prato compartilhado : Só quem provou, sabe o significado

Estava indo tudo caminhando em paz com Miti e seu carrinho, ela estava quase criando uma comunidade onde as mulheres poderiam viver longe da violência masculina, até que um dia, na rua, conhece o belo policial e se apaixona. Como é uma mulher dona da sua vida, Miti se permite, inclusive, a dar uma chance ao amor, pois o homem trata muito bem ela e sua filha, por que não acreditar que ela também pode viver um romance?

Um homem bonito 

E vive mesmo alguns momentos lindos de amor entre o belo casal, ele vai a casa de seu pai, pede permissão para cortejá-la, e  oferece dinheiro a ela, pois sabe como é difícil a vida no Senegal, ela , como tem poder sobre si mesma, responde: “fiquei contigo porque queria, não  pelo dinheiro”. estava tudo muito lindo até que, na festa da virada do ano, ela foi a rainha da beleza, de vestido rosa, sendo trazida por outros  baços até seu homem de bordô, deixando todos extasiados com sua elegância

rainha da festa de ano novo

 Naquela mesma noite os dois se deitam em uma bela cena de desejo e amor, mas o homem, que não era exatamente um príncipe encantado, paquera outras mulheres e articula seus planos financeiros às escondidas de Miti. A questão foi que aquela noite rendeu frutos e Miti engravidou. Seguindo a tradição senegalesa, acabou sendo expulsa de casa por seu pai. Na cena da expulsão, Miti brilha altiva contra a postura machista do próprio pai que tem a coragem de expulsar a filha grávida e a neta de sua casa para atender  às expectativas da sociedade.

Enfrentando os pais

Muito desta força de reação surgiu porque Miti acreditava que poderia contar com o apoio do pai do seu filho, mas logo descobriu que não era bem assim. De qualquer forma, ela não esmoreceu, enfrenta todos os desafios como uma heroína!  A cena do  parto é uma das mais bonitas do filme: “o nascimento de um príncipe africano para combater o mal”, como diz a música de Jorge Ben 

Nascimento do bebê (cena linda)

 Mas o filme não deixa apenas uma imagem negativa do relacionamento homem e mulher, pois a filha de Miti, ainda criança, encontra seu namorado, um garotinho Samba, que promete protegê-la sempre e realmente “cumpre” esse papel, justamente quando o namorado de sua mãe não estava mais à disposição para isso. Eis um amor puro 

Amor puro 

Nesta fantástica entrevista  com o diretor  Moussa Sene Absa  , entre tantas outras coisas sobre cinema, África, mulheres, ele conta que  é leitor de Jorge Amado e quando esteve no Brasil. uma Frag vestida de vermelho o abraçou e, certamente essa vivência o influenciou na criação da cena do  marido de Miti, voltando do tajabóne (festa tradicional, onde homens e vestem de mulher e mulheres de homem, como o carnaval no Brasil) usando um vestido vermelho.



Moussa Sene Absa 

Realmente esta cena do filme remete muito a cena inicial de “Dona Flor e seus dois maridos”, com Vadinho morrendo vestido de mulher, no meio do carnaval!  Adoro a interação África/Brasil. 

Vindo do Tajábone 

Grande filme! Amei! Encerro com uma imagem do baile de ano novo: reparem nas cores: Como a África é linda 

Festa colorida no Senegal