quarta-feira, 15 de março de 2023

Sobre uma Literatura Negro-brasileira: Jeferson Tenório

 

Minha coleção de Jeferson Tenório

Depois de  Guimarães Rosa, só em 2022, enfim, achei ter encontrado um sentido literario pra minhas buscas pessoais, quando li os primeiros romances de Jeferson Tenório: O beijo na parede (2013) e Estela sem Deus (2018).

Tal qual uma criança iludida como sou, quis estudar essas obras, dei início a uma sondagem,  apostei nessa verdade que era meu caminho e dei com a "cara na parede". Me retrai, guardei minhas armas e me reservei.

Nessa primeira tentativa encontrei o texto reativo de Luiz Maurício Azevedo, que é tão diferente de mim: se eu me expresso no ritmo do Ijexá da Oxum e da flecha certeira de Oxóssi,  ele é todo armado com o alforje de Iansã e a espada de Ogum, mas que também diz verdades das  quais não posso discordar. Antes mesmo de ler o que ele escreve sobre Tenório eu já concordava e me perguntava :"com que direito eu, que embora negra, sou uma pesquisadora forjada no esquema literário branco, me dou o direito de estudar esse autor, um autor da vida, a minha vida, esse  Lima Barreto do século XXI?

Pois bem, continuo me perguntando isso, sempre vou me perguntar, mas já relativizo: se eu, que também  vivo na "pele" essas questões, não puder estudá-las, pensar sobre elas, certamente outra pessoa mais ditada pela branquitude,  que nunca vai saber como é, vai se apropriar e tentar ditar regras que o encaixe no status quo da Literatura Brasileira. Não posso deixar, não vou desistir. 

Livro questionador

Por hora, vejamos o tom de guerra do texto de Luiz Maurício. Choca um pouco, mas como afirmar que ele está de todo errado?

"Se você não é Jeferson Tenório, sugiro que aceite que você é um escritor irrelevante. Se serve de consolo, garanto que não está sozinho. Olhe bem, estou aqui, segurando sua mão. Estamos ombro-a-ombro nessa trajetória de fracasso literário. Jeferson Tenório faz parte da minoria. Jeferson é anormal. Ele nunca gostou do mIRC. Ele  não criou um Zine eletrônico nós anos 1990. Quando cria suas histórias, Jeferson precisa escolher se as dezesseis vezes em que foi parado por agentes da Polícia Militar (para averiguações, dada a sua cor provocativamente suspeita) ficarão do lado de fora de sua obra  decidido isso, ele precisa, ainda, estabelecer qual a natureza dessa presença. Jeferson Tenório e, talvez, por isso, o melhor escritor da atualidade. E o é não apenas por ser negro, mas , precisamente por sê-lo. Ser negro o possibilita ter como matéria-prima a si  mesmo e não apenas seu umbigo imaginado. Quando fala, fala do mundo. Quando reclama, reclama não daquilo que vê pela janela indiscriminadamente, mas da realidade examinada de forma meticulosa, celular, precisa. É a mágica da materialidade. Jeferson pensa melhor porque vive melhor. Ele começa a escrever antes da escrita, em um processo de mobilização que se revela, sob todos os aspectos, uma investigação psicanalítica perigosa, de m método de autoanálise que o obriga a pensar em si mesmo antes de pensar no mundo." 

(AZEVEDO, Luiz Mauricio . 'Por uma Literatura menos ordinária'. In: "Estética e raça: Ensaios sobre a Literatura negra". Porto Alegre: Sulina, 2021, p. 99-100.