Estou acompanhando o curso “Cinemas Africanos: Trajetórias e Perspectivas”, pelo Cinecesc e organizado pela Mostra de Cinemas Africanos, e está sendo uma bela introdução àquela cinematografia. Como material preparatório para aula sobre a produção contemporânea, foi indicado que a gente assistisse a dois filmes curta metragens muito interessantes, pena que os links foram disponibilizados apenas aos alunos do curso e já saíram do ar após a aula, mas eu posso comentar mesmo assim, vai que surja uma outra chance de assisti-los.
"Nora", Moçambique/Estados Unidos/Reino Unido, direção Alla Kovgan e David Hinton
Baseado
nas memórias da dançarina auto exilada do Zimbábue Nora Chipaumire, o filme é esteticamente lindo, leve
como a coreografia de Nora, o filme é todo contado a partir da performance de
dança contemporânea de Nora, com trilha sonora de trilha sonora é de Thomas
Mapfumo. Nas palavras de Ana Camila Esteves e Jusciele Oliveira no texto “a
música e a dança africana como lugares de memória” (Catálogo da “Mostra de
Cinemas africanos” Cinesesc, 2019): “o corpo que dança é um corpo que narra, um
corpo que marca as múltiplas temporalidades convocadas pelas trajetórias
pessoais, um corpo que constrói um espaço simbólico do que é ser africano”.
Isso é quase tão lindo quanto o belíssimo filme. Essa coisa de narrar sua
história através do corpo que dança, uma dança contemporânea, eu já vi em filmes
como o camaronês O
Enredo de Aristóteles, mas mesmo tendo observado, não atentei para a sua importância
na narrativa. Ao final ficamos querendo ser lindas como
Nora, usar os vestidos que ela usa (eu juro que tenho um quase igual ao laranja
deslumbrante que ela está na foto do cartaz) e especialmente dançar como ela
dança. Inspirador! Achei algumas imagens di divulgação do filme.
"O Azul Branco Vermelho do meu Cabelo", França, Dir.
Josza Anjembe, 2016.
No curtíssimo e marcante filme
sobre as dificuldades de adaptação de uma jovem que nasceu na França, mas tem família
africana, e vive uma vida de desterro naquela região. Muito querida pelos amigos
e amigas, ela é admirada porque é muito brilhante, a garota passa no vestibular
e pretende cursar Ciências políticas em território francês, mas para isso
precisa conseguir os documentos, com a assinatura dos pais . O problema é que
ela,mesmo querendo muito estudar, não se sente integrada à França, ela está lá na escola, nas festas, nas
reuniões familiares,mas ainda precisa de algo mais para que ela seja realmente
integrada. Ela sente isso o tempo todo. Faltava a ela ser francesa, parecer uma
francesa. Isso é muito dolorido.
Alerta de Spoyler
O Black não cabe no 3 por 4 |
No momento mais impactante do filme
a bela garota, que demonstrou inúmeras vezes o quanto ela gosta de si como ela
é, de seus cabelos Black Power, sempre hidratados com manteiga de Karité, tenta
tirar uma foto para os documentos da matrícula da faculdade e isso acaba
virando uma peregrinação, nenhum lugar tem espaço para seu Black, ela não cabe
na realidade reduzida da França, a menos que vire algo o mais parecido com uma
francesa possível. Então a cena mais triste: ela corta seus adorados cabelos,
fica careca,vira outra pessoa, mas pelo menos sua imagem de enquadrou no 3 por
4. Eu, que amo meus cabelos, senti a dor dela, soube do que se tratava, como de
fosse comigo.
O tema central ser a relação entre meninas/mulheres e seus cabelos foi muito bem abordada no fantástico filme queniano "O Rei do Mercado"[Soko, Sonko], no qual temos novamente o pai e a menina e sua relação mediada com os cuidados com os cabelos dela.
Todo o sentimento de desterro, de anulação da identidade, de busca, sem sucesso, de uma aceitação qualquer está contida na imagem da despedida daqueles cabelos tão representativos, que, “como já dia o poeta Gil, negro é a soma de todas as cores, assim como são coloridos dos cabelos lisos das francesas, os cabelos das cores da bandeira francesa.