"...Há outros silêncios intencionais, claramente criminosos. Sabemos hoje, com pesquisas históricas e arquivísticas, inclusive aquelas realizadas a pedido da Comissão Nacional da Verdade, que muitos dos fatos sistematicamente negados e desmentidos pelos militares, e que não encontravam comprovação independente de testemunhos das vítimas, aconteceram desde o primeiro dia da ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964. Arquivos foram destruídos, outros escondidos, mas sabemos com certeza, hoje, que a tortura e o desapaecimento de pessoas nos porões da ditadura não foram, como tantas vezes nos quiseram convencer, uma reação de um governo em guerra contra a luta armada desencadeada por parte da esquerdaa partir de 1968.Desde o primeiro dia do regime de 1964 prendeu-se e torturou-se neste país. Homens e mulheres, especialmente os sindicalistas de então, fossem comunistas, nacionalistas, trabalhistas, socialistas,ou não,sofreram a violência inominavel da tortura por parte dos Agentes do Estado. Muitos deles perderam seus empregos e ficaram impedidos de conseguir outros pelo conluio entre governantes e dirigentes das empresas que os demitiram. O silêncio que se difundiu sobre a tortura e o desaparecimento de pessoas no início do período ditatorial, produzido pela covardia dos que apoiaram o golpe nas ruas, nas associações empresariais e patronais, na imprensa, nos quartéis, aqui e no exterior, contaminou, por muito tempo, a palavra de historiadores que silenciavam sobre o que não podiam comprovar: o terror do regime de 1964, que tomara o poder apoiado por aqueles que diziam falar em nome de Deus, da democracia e da paz social, palavras que, vistas depois da experiência histórica das últimas décadas, me parecem mais heterônimos de certas frações do capital."
Marcelo Jasmin. "Silêncio da História: experiência, acontecimento, narração" In: NOVAES, Adauto (org).O silêncio e a prosa do mundo. São Paulo: Edições SESCSP, 2014, p.256-7 .