sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

O par de brincos e o amor das irmãs em “A vida invisível”

cartaz do filme no Cina Belas Artes,  onde assisti 


Em 23 de janeiro assisti ao filme brasileiro “A vida invisível”, “melodrama tropical” dirigido pelo cearense Karim Aïnouz. Começando no final da década de 1940, conta a  contando a história das   irmãs Eurídice (Carol Duarte), então com de 18 anos e Guida ( Júlia Stockler), então com 20 anos,  jovens cariocas que carregam seus sonhos , a mais jovem de ser pianista, a mais velha de viver um grande amor. Muito unidas, ainda no começo do filme,  as irmãs acabam sendo separadas pelo pai, fato determinante para que cada uma tente viver sua própria vida sozinha na cidade do Rio de Janeiro.
arte divulgação do filme

Guida, definida pelo diretor aqui como uma "pipoca cheia de alegria", foge de casa  para viver um grande amor no estrangeiro, porém mantém, por quase a vida toda, o hábito de escrever para a irmã longas cartas contando sobre como a sua sobrevivência como mãe solteira no contato público da cidade.
Guida, usando os brincos da avó


 Na noite de fuga para um baile, apressada , Guida perde um dos brincos que tomou “emprestado” de sua falecida avó no jardim de casa. Esse par de brincos dourados é a grande metáfora da relação das duas irmãs, tanto que  e é muito significativo que Guida não deixe de usar apenas um brinco sem par por boa parte do resto do filme. Durante todo o filme, são muitas as cenas memoráveis envolvendo Guida, separei duas das mais bonitas e significativas, quando ela tem que se levantar para cuidar de si mesma após um parto solitário, em um hospital público.
 
pós parto de Guida
A outra é quando, depois de anos de rejeição da família paterna, ela reencontra ocasionalmente o pai, que a expulsou de casa grávida, num restaurante e consegue vê-lo através de um aquário cheio de peixes coloridos
peixes: cores e movimento

Já Euridice (nome da musa das músicas  de Orfeu), que é mais introvertida, é pianista e ,  embora tenha ajudado a irmã a sair de casa para ir ao baile, não entende o motivo dela não ter voltando mais, abandonado-a sozinha com os pais. Naquela noite, porém, ela acaba encontrando no jardim , o brinco perdido pela irmã e dele não se separa, chegando a usá-lo como pingente de um colar por muito tempo. Depois da partida da irmã, Euridice acaba se casando com Antenor (Gregório Duviver), um marido padrão do patriarcado, tomando posse se seu corpo, às vezes violentamente,  controlado-o como queria, interessando -se pouco pelos reais desejos da esposa e, sobretudo, rejeitado com força  o seu desejo de reencontrar a irmã desaparecida.
 Eurídice vê o seu próprio reflexo, com o a imagem do marido ao fundo

Algumas das cenas mais emocionantes do filme são as onde a pianista debruça-se sobre seu instrumento e a música que produz consegue dizer tudo o que as palavras não são capazes a respeito da sua “vida invisível”.
piano : a voz de Euridice

Trata-se de um filme pesado, que fala do amor entre duas irmãs, simbolizado  pelo par de brincos, mas é  também uma história  de tantas mulheres e a invisibilidade de seus desejos e corpos na sociedade patriarcal. Recomendo vivamente que assistam ao filme