domingo, 30 de junho de 2013

Alimentação das crianças brasileiras


 
Alimentação das crianças brasileiras

Dois alimentos tradicionais para crianças são o pirão de leite e o pirão escaldado, com ovos cozidos, ‘cabeça de galo’, infalível na idade escolar. O pirão de leite acompanhava picadinho de carne, n’água e sal. Depois bebia-se o caldo do cozido.
            Leite quase nenhum. Ou nenhum. A primeira reação era do próprio interessado:
-‘Sou lá menino novo para beber leite!’
Verduras, hortaliças, sopas, nada. O brasileiro detesta, em regra geral, possuir uma pequenina tarefa em casa, uma horta no quitalejo. E tudo sempre foi muito caro para a pecúnia popular.
Bolacha ou pão com café pela manhã. Munguzá, milho cozido com leite de côco, bem mais comum entre o povo que o de gado. Cuscuz de milho. Durante o dia os engodos sedutores nos tabuleiros da rua, cocada, bolo preto, cajicão, a puxa-puxa para enganar, depois estilizada no plano da resistência pelo ‘pirulito’ moderno, dourado, doce e sujo. Menino de rua , sempre comendo  e empre faminto. Infinitamente menor o uso do amendoim na alimentação brasileira. Na África Ocidental e Oriental é básico. No Brasil, de onde viajou, é uma gulodice, um passatempo, sem a indispensabilidade africana.
            Dos alimentos-guloseimas recordo a farinha de castanha, a de milho, a pipoca, presentemente industrializada e servida salgadinha, aos elegantes. A simples e gostosa farinha de mandioca com açúcar ou rapdura pilada. O mel de engenho. O Jerimum, batata, com leite são acepipes sertanejos, assim como a farinha com leite e açucar. E os favos de mel mais encontradiços que no litoral. E as frutas do mato, procuradas nas safras e nunca intencionalmente plantadas. A colheita sistemática sem cultivo fê-las rarear e algumas espécies desapareceram dos arredores das cidades onde abundavam.   
            Como a criança tem a vocação pela fruta, comendo-a em maiores quantidades e frequência que o adulto, há também a sabida habilidade de localizar as árvores frutíferas em maturação, quando quase toda a gente ignora. Também, antigamente, as mulheres do povo que iam às frutas, nos morros e  tabuleiros no Nordeste, eram acompanhadas pelos filhos menores, tornados depressa veteranos na identificação da pomicultura selvagem e utilização de seus sabores. Faziam mesmo um pequeno comércio de frutas nativas nas cidades, depois de impossível continuação pela morte das fruteiras ou avanço  dos arrabaldes, ocupando o que dantes era baldio, povoado de frutos. Esse aspecto era idêntico às populações do Sul e Centro e, Pará e Amazonas, verificava-se semelhantemente, quanto ao oferecimento de frutos colhidos nas cercanias das cidades e que foram extintos pelo desenvolvimento urbano.
            Outra fonte de alimentação infantil, nas cidades e vilas marítimas, são os moluscos e crustáceos nos mangues, alagados e pedras que empoçam água, guardando peixinhos que aguardam a vinda da preamar. No comum os mangues eram povoados pelos meninos, ‘catando’ siris e ‘caçando’ goiamuns. Já não os vejo presentemente nos manguais desertos, unicamente campos de pesca de adultos.
            Como, sem necessidade alimentar mas atendendo ao irresistível apelo da idade e da ecologia fascinante, fui pescador de manjubas e mores no rio Potengi, na convivência dos grupos de meninos de todas as classes, presto um depoimento de testemunha, de fato e de direito.”     
 
 
 
 
CASCUDO,  Luís da Câmara.História da Alimentação no Brasil (cozinha brasileira). São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968. 2 V., p. 304-6