Alimentação das
crianças brasileiras
Dois alimentos tradicionais para
crianças são o pirão de leite e o pirão escaldado, com ovos cozidos, ‘cabeça de
galo’, infalível na idade escolar. O pirão de leite acompanhava picadinho de
carne, n’água e sal. Depois bebia-se o caldo do cozido.
Leite quase nenhum. Ou nenhum. A
primeira reação era do próprio interessado:
-‘Sou lá menino novo para beber leite!’
Verduras, hortaliças, sopas, nada. O
brasileiro detesta, em regra geral, possuir uma pequenina tarefa em casa, uma horta
no quitalejo. E tudo sempre foi muito caro para a pecúnia popular.
Bolacha ou pão com café pela manhã.
Munguzá, milho cozido com leite de côco, bem mais comum entre o povo que o de
gado. Cuscuz de milho. Durante o dia os engodos sedutores nos tabuleiros da
rua, cocada, bolo preto, cajicão, a puxa-puxa para enganar, depois estilizada
no plano da resistência pelo ‘pirulito’ moderno, dourado, doce e sujo. Menino
de rua , sempre comendo e empre faminto.
Infinitamente menor o uso do amendoim na alimentação brasileira. Na África
Ocidental e Oriental é básico. No Brasil, de onde viajou, é uma gulodice, um
passatempo, sem a indispensabilidade africana.
Dos alimentos-guloseimas recordo a farinha
de castanha, a de milho, a pipoca, presentemente industrializada e servida
salgadinha, aos elegantes. A simples e gostosa farinha de mandioca com açúcar
ou rapdura pilada. O mel de engenho. O Jerimum, batata, com leite são acepipes sertanejos,
assim como a farinha com leite e açucar. E os favos de mel mais encontradiços
que no litoral. E as frutas do mato, procuradas nas safras e nunca
intencionalmente plantadas. A colheita sistemática sem cultivo fê-las rarear e
algumas espécies desapareceram dos arredores das cidades onde abundavam.
Como a criança tem a
vocação pela fruta, comendo-a em maiores quantidades e frequência que o adulto,
há também a sabida habilidade de localizar as árvores frutíferas em maturação,
quando quase toda a gente ignora. Também, antigamente, as mulheres do povo que
iam às frutas, nos morros e tabuleiros no Nordeste, eram acompanhadas
pelos filhos menores, tornados depressa veteranos na identificação da
pomicultura selvagem e utilização de seus sabores. Faziam mesmo um pequeno
comércio de frutas nativas nas cidades, depois de impossível continuação pela
morte das fruteiras ou avanço dos
arrabaldes, ocupando o que dantes era baldio, povoado de frutos. Esse aspecto
era idêntico às populações do Sul e Centro e, Pará e Amazonas, verificava-se
semelhantemente, quanto ao oferecimento de frutos colhidos nas cercanias das
cidades e que foram extintos pelo desenvolvimento urbano.
Outra fonte de
alimentação infantil, nas cidades e vilas marítimas, são os moluscos e
crustáceos nos mangues, alagados e pedras que empoçam água, guardando peixinhos
que aguardam a vinda da preamar. No comum os mangues eram povoados pelos
meninos, ‘catando’ siris e ‘caçando’ goiamuns. Já não os vejo presentemente nos
manguais desertos, unicamente campos de pesca de adultos.
Como, sem necessidade
alimentar mas atendendo ao irresistível apelo da idade e da ecologia
fascinante, fui pescador de manjubas e mores no rio Potengi, na convivência dos
grupos de meninos de todas as classes, presto um depoimento de testemunha, de
fato e de direito.”
CASCUDO, Luís da Câmara.História da Alimentação no Brasil (cozinha brasileira). São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968. 2 V., p. 304-6