domingo, 31 de outubro de 2021

PEQUENA META CUMPRIDA

Pronta para encontrar meu crush

 


PEQUENA META CUMPRIDA - Em junho ou julho eu comprei uma camiseta com a imagem mais legal do Prince, a apresentação no Super Bowl, com aquelas cores e tons que só ele sabia usar. A estampa é perfeita, dá até pra eu ABRAÇAR MEU CRUSH. Mas naquela época ainda não dava, a camisa ficava apertada e a barriguinha atrapalhava o abraço. Pois bem, fiz dieta e prometi a mim mesma que em outubro poderia, enfim, abraçar meu querido Prince, no seu momento de maior brilho! A dieta ainda está em processo, mas já dá pra abraçar! Montei até um look "anos 80 revisitado", como se fosse a um tão sonhado show de Prince (quem viveu nunca vai esquecer, suponho!).
Salve Prince, my love
💗💗💗



sábado, 30 de outubro de 2021

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Encontro da APCG : Vocês não imaginam o prazer de estar de volta aos estudos genéticos


 

Eu realmente gosto muito de estar nos congressos de Crítica Genética, esse ano estive em um organizado pelos geneticistas do Piauí, que acompanhei com paixão, assistindo a tudo, se não estivesse em casa (minha mãe estava fazendo exames pré cirurgicos), acompanhava via celular, não perdi nada, como comento aqui.

Sendo assim, foi com muita alegria que escrevi o resumo expandido para participar deste pequeno encontro virtual nos dias 28 e 29 de outubro, como uma introdução para o encontro presencial planejado para outubro de 2022 em La Paz. É sempre ótimo estar entre pesquisadores discutindo sobre literatura.

Entretanto agora estou em um outro momento, voltando a treinar, estou no período de três meses de retorno, tentando não faltar, o que me deixa  sempre muito ocupada e cansada. Na manhã do dia da apresentação eu ainda fui treinar antes de almoçar, quando começamos a mesa, confesso, queria mesmo estar descansando, mas foi só começar que voltei a ficar animada. Mas não tanto para apresentar, como fui a primeira, não teve aquecimento, demorei para engrenar, mas foi um prazer.

Como aqui o resumo expandido aprovado da minha apresentação:

FUNDO JGR: UM  PROJETO LITERÁRIO, UMA PROPOSTA DE  BRASIL

Camila Rodrigues

Doutora  História FFLCH/USP

Para problematizar o papel do arquivo literário como espaço de trabalho de pesquisadores, não apenas da Crítica Genética (PINO; ZULAR, 2007), mas também de outras humanidades, apontamos que o material ali contido nos permite esboçar propostas de Brasil, materializadas em literatura, o que tomamos como autêntica  zona de reflexão e  intervenção dos escritores.  No início do século XXI o historiador Carlo Ginzburg (2002, p. 114) propôs que, para abordar as relações entre História e Literatura no novo século, caberia ao pesquisador deixar a análise do produto literário final,  para concentrar-se em suas fases preparatórias, o que legitimou metodologicamente  a consulta a esse tipo de acervo por historiadores afim de  problematizar tempo e narrativa. Seguindo esta aborgem foi desenvolvido em extenso estudo (RODRIGUES 2009;2014) em História Cultural (HUNT,1995)  tomando como fontes documentos disponíveis no Acervo de João Guimarães Rosa, o Fundo JGR, disponível no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), com aproximadamente 20.000 documentos sobre as funções deste autor  na vida pública, como literato e diplomata (LANNA et al. (org.), 2010). Deste montante, centramo-nos na análise de um recorte de cerca de 3987  documentos que correspondem ao seu meticuloso trabalho de criação literária, através de correspondências, anotações, diários, cadernos, cadernetas, pastas com folhas avulsas, entre outros; a partir dos quais adentramos os “bastidores daquela criação”(WILLEMART,1999) , para  ver esboçadas as linhas de força do projeto literário das"estórias" (ROSA,1962 ; 1967). Sob este viés,  foi feita uma consulta  aos seus Cadernos de Estudos, nos quais o tema oralidade destacou-se nos registros de elocuções, pausas (M%) e ritmos  (RODRIGUES, 2014); conforme foi apresentado em 2013,  no XI Congresso Internacional da APCG  (RODRIGUES, 2015). Dando continuidade a esse estudo, em 2021, trazemos uma face complementar, com alguns textos de recepção dos livros, selecionados e arquivados pelo próprio autor, e que mostram resultados daquele  projeto  literário, nos quais  a escrita x oralidade é discutida  por críticos literários e formadores de opinião e  escritores como Josué Montelo (1962),que observou nas estórias a marca da crise da linguagem;Tristão de Ataíde (1967), que destacou que tanto valor ao que se ouve poderia causar estranheza no leitor; ou  mesmo Carlos Osmar (1962), que comemorou a utilização de novos sons e a busca de “melodias verbais” e por fim Paulo Mercadante (1967), que esboçou um histórico da separação entre fala e escrita na literatura brasileira à época, mostrando como tais obras contribuiram para a História da Literarura e das ideias de seu tempo. Dialogando com o crescente interesse pela análise dos Fundos Pessoais como espaço de debate sobre os Estudos Brasileiros (UMATTI; NICODEMO,2018) e novas  possibilidades de escrita da História do Brasil, salientamos que nesta seleta crítica  também encontramos posicionamentos de intelectuais como Temistocles Linhares (1963),observando  que, para além do trabalho com a linguagem, a narrativa das estórias mostra a vida de outro ângulo; já Carlos Lacerda (1967) lamenta que a linguagem aprimorada  poderia esconder “o movimentos da vida”nas estórias; enquanto Léo Gilson Ribeiro (1962) comemora o advento da produção escrita  de Guimarães Rosa, que resgata séculos de cultura oral  e  Antonio Olinto (1967)  conclui que “fazendo em sons e sentindos”,  Rosa também  “faz um Brasil que é palavra e coisa”. Resgatar estas fontes nos mostra  que, mesmo em seu lançamento, as estórias rosianas foram enxergadas e discutidas como uma proposta  de Brasil e  resgatar tal debate faz emergir face do meio intelectual brasileiro na década de 1960 a partir daquela literatura fincada na escuta e na inventividade. 

Referências bibliográficas

GINZBURG, Carlo.Decifrar um espaço em branco.In: Relações de Força: História, retórica, Prova. Trad.Jonatas Batista Neto. São Paulo: Cia das Letras. 2002. Pp. 100-17.

HUNT, Lynn (org). A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

IUMATTI, Paulo Teixeira; NICODEMO, Thiago Lima. Arquivos pessoais e a escrita da história no Brasil: um balanço crítico.Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 38, nº 78,p.97- 120, 2018. 

LANNA, Ana Lúcia Duarte; ROSSI, Fernanda da Silva Rodrigues ; RIBAS, Elisabete Marin (org.). Guia do IEB: o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros. 2010. (Editoração/Catálogo).

PINO, Claudia Amigo & ZULAR, Roberto. Escrever sobre escrever – uma introdução à crítica ge nética.São Paulo: Martins Fontes, 2007.

RODRIGUES, Camila. A respeito dos Cadernos de Guimarães Rosa e o questionamento da Hisória.In: Romanelli, Sérgio. Compêndio de Crítica Genética: América Latina. Vinhedo, Editora Horizonte, 2015, p. 169-173.

_____. Escrevendo a lápis de cor: Infância e História na Escritura de Guimarães Rosa.Tese de dou toramento na área de História. USP, 2014.

_____.Mãos vazias e pássaros voando: Memória, invenção e não-história em “Tutaméia: Terceiras 

estórias ”, de João Guimarães Rosa. Dissertação de mestrado na área de História. USP, 2009.

_____. Poemas para ouvir : Uma interpretação dos Cadernos de Estudos para a obra de Guimarães Rosa. Manuscrítica (São Paulo), v. 25, p. 95-106, 2013.

ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro. José Olympio Editora, 1962.

_____. Tutaméia: Terceiras Estórias.Rio de Janeiro. José Olympio Editora, 1967.

WILLEMART, Philippe. Bastidores da criação literária. São Paulo: Iluminuras, 1999.

Referências de Arquivo

ATHAÍDE, Tristão.Fabulógico Guimarães Rosa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,19 de ago de 1967.  (Arq.IEB/JGR R 12,3,40)

LACERDA, Carlos.Cartão de agradecimento por Tutaméia. Rio de Janeiro, 01 de ago de 1967. ( Arq.IEB/JGR R 12,3,37)

LINHARES, Temistocles. Significação do conto. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 de jan de 1963.(Arq.IEB/JGR R 7,38) 

MERCADANTE, Paulo.Alivio/ Escrever bonito. Correio da manhã, Rio de Janeiro, 29 de julho de 1967. (Arq.IEB/JGR R 12,3,24)

MONTELO, Josué. Tendências atuais da prosa brasileira IV (trecho).Jornal do Comércio.[S.l.],6 de dez de 1962.(Arq.IEB/JGR 7,52)

OLINTO, Antonio. Tutameia, tutameemos. O Globo, Rio de Janeiro, 26 de ago de 1967. (Arq.IEB/JGR R12,03,041)

OSMAR, Carlos. Guimarães Rosa conta as suas ‘Primeiras estórias”. Gazeta de notícias.[S.l.],30 de set de 1962.(Arq.IEB/JGR R 7,121)

RIBEIRO, Léo Gilson (org).Panorama do mundo. Jornal de Letras.[S.l.],05 de out de 1962. (Arq.IEB/JGR R7,104)

No simpósio "Arquivos: práticas e perspectivas de um campo em expansão" eu dividi a mesa, organizada pelo Cléber Araújo Cabral, meu velho conhecido dos eventos na UFMG, com mais três pesquisadores, um é o Lueldo Teixeira, conhecido geneticista do Piauí que pesquisa o arquivo do  piauiense Fontes Ibiapina; o outro é o erudito pesquisador Jonatas Guimarães, que pesquisa o arquivo de  Autran Dourado; a quarta participante é a jovem Ana Beatriz Teixeira, que participa de um interessante projeto de tradução de uma peça do irlandês W. B. Yeats.



Na conversa pós apresentação Kléber colocou algumas provocações e sugeriu livros  - como "Algo Infiel: Corpo Performance Tradução", de Guilherme Gontijo Flores e "Escrever de ouvido: Clarice Lispector e os romances da escuta ", de Marília Librandi - ,  que, em tempo, devo visitar. É sempre uma alegria voltar aos estudos literários.  

 Se for do seu interesse, assista a mesa: 


Vocês não imaginam o prazer de estar de volta aos estudos genéticos  ! 

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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

"Antes do baile verde", de Lygia Fagundes Telles e meu amadurecimento como leitora

Edição Cia das Letras 2009. Capa detalhe de
 "O menino com tambor", de Beatriz Milhazes


Durante todo o tempo em que li esse livro, outubro qyase inteiro, ao mesmo tempo em que me espantava com a qualidade literária da obra, estranhava como eu pude ter lido, muito nova, alguns desses contos, que hoje mal me lembrava, ou que tinham deixado algumas marcas, mas o certo é que eu não abarco tudo o que Lygia me ofereceu hoje, mas quando mais nova nem arranhava. Vou fazer um breve comentário sobre minha leitura dos 18 contos assim, no calor da hora. Como é  um livro muito famoso, cai em vestibular, um clássico, aviso logo que não vou conter spoiler, se rolar, rolou.
 

1 Os Objetos - Uma ótima introdução ao ambiente da maioria dos contos: um momento do cotidiano de um casal em crise, com um deles com problemas de saúde, conversam sobre relações sentimentais. Um belo trecho é quando Miguel, desconfiando que Lorena está com ele por pena, tenta explicar seu posicionamento:

"Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam.(...)Veja, Lorena, veja… Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso… Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio." (p.12/13)

 Como é comum nos contos lygianos, a narrativa é um destaque de uma história maior (a impressão é que poderiam ser parte de um romance, ou não ...), e os finais ficam em aberto, o mais incrível é como ela, mesmo assim, constrói personagens conta uma história que mexe com a gente.  

2 Verde Lagarto Amarelo - É um dos contos que eu já conhecia e amava. No conflito velado e lambuzado de amor, recordações e ressentimento, entre os irmãos  Rodolfo e Eduardo, é bem desagradável se identificar com Rodolfo, mas é também inevitável. Tantas outras vezes no livro isso acontece: não é uma leitura para fracos. Um trecho lindo é quando Rodolfo, o escritor, pondera:

"—Já é tempo de uvas?—perguntei colhendo um bago. Era enjoativo de tão doce mas se eu rompesse a polpa cerrada e densa sentiria seu gosto verdadeiro. Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto" (p.20)

3 Apenas um Saxofone - É um dos conto bem fechado em si mesmo (depois tem piores), precisei ler mais de uma vez, porque ainda queria entender a narrativa, com o tempo fui aprendendo a ouvir a dicção de Lygia, mais vale apreender o que primeiro chama a atenção, porque o mais importante não é dito, às vezes nem mostrado! Essa prostituta,  apelidada Luisiana (berço do jazz) por seu antigo amante Xenofonte, o moço que era jazzista e tocava saxofone, do qual ela sentia tanta falta... mas onde estaria ele?

4 Helga  Desse todo mundo gosta, porque tem um narrador auto crítico, quase um Rodrigo S.M. da Clarice, e engana a gente com uma base histórica, fala de um descendente de alemães que cresceu passando férias com a juventude nazista, mas isso, claro, não é o mais importante, eu gostei, achei um bom conto, envolvente, mas tem melhores no livro.

5 O Moço do Saxofone - Esse, sim, é um baita conto. Novamente a imagem fálica do saxofone.  No meio das coisas bizarras que se conta (pra nos distrair), há a voz de um som, a música, que o tempo todo está competindo a narração com o narrador, fazendo acontecer outro enredo dentro da trama. CARAMBA: ISSO É UM CONTO! É certo que os contos desse livro têm algumas constantes (tipo o verde sempre aparece, menos nesse), e já é a segunda vez, até agora, que Lygia nos faz ouvir o som de saxofone, mas nesse conto, esse som, talvez mais do que o saxofonista do título, é o ponto chave do conto. Lygia é a escritora da sugestão!

6 Antes do Baile Verde Esse eu li muitas vezes na vida, amo de paixão. Na trama entre  a "jovem" Tatisa e sua empregada, a "mulher" Lu é genialmente construída para nos angustiar, a insistência de Lu em abrir os olhos de Tatisa para o fato de que seu pai estava morrendo, a negação incessante da moça, toda representada pelas lantejoulas da fantasia, que não se prendem. Quando Tatisa enfim fecha a porta contra a dura realidade e vai ao baile, deixa cair algumas lantejoulas verdes da sua fantasia, como se a seguissem, como se perguntassem mais uma vez se ela tem certeza de que vai mesmo... Mas ela vai. Que decisão difícil entre a morte e a vida. Eu tenho me acostumado a ouvir o questionamento das lantejoulas, não me arrependo, mas como me esgota. Isso é fato.

7 A Caçada - Um dos contos que mais me impactou, sem dúvidas. Esse eu não conhecia, mas cara, o que é aquilo? A história de um homem que se sente arrebatado por uma tapeçaria que retrata uma caça num antiquário, que admira, observa ,se reconhece participando na  cena, sofre com ela, se pergunta qual papel é a ele destinado ali ... Assim como é com um leitor passional como eu, se eu não embarco no livro, não me vale a leitura.

Tapeçaria representando o conto aqui


8 A Chave - Um conto ótimo, a gente vai pela cabeça de Tom, o senhor que não está mais conseguindo acompanhar a jovialidade de sua esposa. O personagem  "velho"  diz  insistentemente a esposa mais jovem que se prepara para sair,  que precisa dormir, dormir, dormir... Chega a sonhar:

"Se pudesse dormir ao menos aquela noite, enfiar-se na cama com uma botija, uma delícia de botija, criando assim aquela atmosfera terna entre seu corpo e as cobertas... Ô! A melhor coisa do mundo era mesmo dormir, afundar com uma âncora na escuridão, afundar até ser a proporia escuridão, mais nada." 

Nunca me identifiquei tanto!

9 Meia-Noite em Xangai - Outro conto bem fechado, embora o narrativa esteja bem clara para nós, a cantora de ópera possivelmente inglesa, tem brilhado em suas apresentações em Xangai. A tensão se dá entre ela, seu mimado cachorrinho Ming e seu empregado de quarto Wang. Ela o maltrata e menospreza sem dó, como se ele não fosse capaz de entender o que ela fala (como os escravos nos romances do Machado, eles estão, mas é  como se não estivessem ). Mas ele  entende. O fim não sabemos. 

10 A Janela -Uma história bizarra, a gente supõe as coisas. Uma mulher, possivelmente uma prostituta, recebe e seu quarto um homem que só deseja ver sua janela na qual teria morrido o seu filho. Ela o trata bem, percebe que não vai lhe fazer mal, até que chegam os enfermeiros com a camisa de força e o levam embora. Sua desolação ao final é tocante.

11 Um Chá Bem Forte e Três Xícaras- Um dos contos mais bonitos do livro. Como uma rainha, Maria Camila aguarda as 17 horas para o chá que marcou com uma visitante. Em cia da empregada Matilde, conversam sobre a convidada, jovem estagiária de seu marido Augusto, que Matilde conhece porque é ela às vezes telefona para ele. Maria Camila, na iminência de receber uma concorrente ao seu posto,  passa todo o tempo observando a natureza no meio da tarde - hora em que "tudo vai ficando rosado" -, procurando não perder sua majestade, em trechos sublimes como este: 

"Maria Camila voltou-se para a janela. Estava sentada numa cadeira de vime, entre os dois canteiros do jardim. No céu azul-claro, as nuvens iam tomando uma coloração rosada. Havia uma poeira de ouro em suspensão no ar." (p. 99-100)

Na verdade ela sabia que estava prestes a entrar numa briga que poderia ser feroz, não sabia bem o que fazer, dirigindo-se às rosas ,  intimamente,  suplicava:

 "Eu gostaria que você me dissesse o que é que eu devo fazer!…” Apoiou a nuca no espaldar da cadeira. “Augusto, Augusto, me diga depressa o que é que eu faço! Me diga!…”(p.103)

Nem a rosa, nem Augusto lhe responderam nada, ela então percebe que vai ter que lutar com suas próprias armas, sozinha:

 "Expôs a face à luz incendiada do crepúsculo. E riu de repente: — Acho a vida tão maravilhosa!(...) 

— Assim que a moça chegar, sirva o chá aqui mesmo, faça um chá bem forte. E traga três xícaras.

— Mas se é só a senhora e ela… 

— O doutor pode aparecer de surpresa, é quase certo que ele apareça — acrescentou a mulher limpando do vestido os pedaços da pétala dilacerada que ficara por entre as pregas da saia. Levantou-se. Respirava ofegante. — Quero os guardanapos novos, não vá esquecer, hein? Os novos." (p.104)

Que personagem! Quando, ao final, ela ouve passos na calçada, "levantou a cabeça. E caminhou decidida em direção ao portão" (p.104). Em seu reino, nada deveria temer!

12 O Jardim Selvagem - Uma história de suspense. A jovem Ducha narra a história do tio Ed e da Tia Daniela, sua esposa diferentona, que nadava nua, sabia atirar  e nunca tirava a luva da mão direita. Conto divertido.

13 Natal na Barca -É um dos contos que eu já conhecia. Muito triste e bonito... um tanto onírico, muitas tragédias sendo contadas calmamente, na força da fé na noite de Natal.

14 A Ceia - Conto impactante. Em seu desespero de mulher trocada por outra, Alice insistia em reencontrar  Eduardo, seu ex, sempre jurando que "desta vez" não vai fazer escândalo. Mas é mais forte do que ela. Que pena, gostaria de abraçá-la. E ele também, que pagou a conta, disponibilizou o táxi quando ela preferiu ficar sozinha:  como lidar com uma situação tão constrangedora? No fim, restou a  ela o isqueiro de Eduardo  e suas belas chamas!

15 Venha Ver o Pôr do Sol - Um dos contos mais famosos da Lygia, outra narrativa de suspense e mistério, bem mórbida, narra a história de Ricardo, que convida sua ex Raquel, para um último encontro de despedida, no qual poderão apreciar o mais belo por do sol da cidade. Como é uma trama de vingança, na verdade ele deseja atraí-la para um cemitério abandonado pelos vivos e pelos mortos, para trancafiá-la numa masmorra. Muito influenciado pelo fantástico "Um barril de Amontilhado", de Poe, mas com um triste traço brasileiro : a assassinada é uma mulher! 

16 Eu Era Mudo e Só - Achei um conto difícil de ler,  a história de Manuel e sua esposa exemplar e rica Fernanda  e da filha Gisela, que é toda narrada a partir dos pensamentos de Manuel. A família ideal, a mulher que ele ama, mas que o deixa deslocado. Quando ele cita o verso "eu era mudo e só na rocha de granito", do poeta português Guerra Junqueira, para explicar como se sente,  Fernanda o repreende dizendo que aquele poema era uma coisa ridícula. Restou a Manuel imaginar como seria lindo se transformasse sua bela família em um postal, não precisando conviver com ela!  

17 As Pérolas - Após o incômodo (ao ponto de mal conseguir ler com atenção) "Eu era mudo e só", achei as pérolas mais bonito, gostei das imagens: As pérolas "rosadas e falsas" de Lavínia (cujo "entrechocar das contas produzia um som semelhante a uma risada", a varanda, o "Chopin de bairro", a lembrança da mãe de "olhos poderosos", que sempre já sabia de tudo e o ciúme doentio de Tomás, que justifica o clima de falsificação da trama (nossa única certeza está nas coisas assumidamente falsas, o resto pode ser suposição de uma mente ciumenta. Sim, há fortes referências ao Dom Casmurro, embora para mim Lygia seja mais palatável, então eu só posso aplaudir mais uma vez nossa grande Dama Lygia.

18 O Menino - Um belo conto sobre o amadurecimento do menino, que na ida ao cinema com a idealizada mãe, realiza o cenário de traição em que sua família vive. Dói muito crescer e para ele não foi diferente. Belo final de um livro incrível, que marcou meu crescimento como leitora! obrigada Lygia!

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

ROMANCE E ADAPTAÇÕES

 


Com o termino da Mostra de Cinemas Africanos ontem, já comecei a cumprir minha promessa de retornar ao Ojuobá. Assisti a todos os vídeos da série "Tenda dos Milagres" (1985) disponíveis no Youtube e achei bem bonito, claro. Muitos atores negros e "mestiços" (Nelson Xavier, Milton Gonçalves, Chica Xavier, Gracindo Júnior, Antônio Pompeo, Solange Couto, Joel Silva, Antônio Pitanga, Tony Tornado, Tânia Alves, Dhu Moraes.etc) se saindo muito bem e essa trilha sonora é da gente levar pra vida:

01. MILAGRES DO POVO – Caetano Veloso

02. LIVRE – Beth Bruno

03. OLHOS DE XANGÔ (AFOXÉ) – Moraes Moreira

04. É D’OXUM – MPB 4

05. ELOIÁ – Dudu Moraes

06. FLOR DA BAHIA – Nana Caymmi

07. OIÁ – Danilo Caymmi

08. AMOR DE MATAR – Tânia Alves

09. AFOXÉ – Dorival Caymmi

10. MALUCO PRA TE VER – Wálter Queiróz

Produção musical: Guto Graça Mello

Não sei se alguma dessas canções foi composta para a série, sei que o tema de Caetano  foi uma homenagem ao Jorge Amado, que teria dito em entrevista, a maravilhosa frase que abre a canção "quem é ateu e viu milagres como eu ", o que é a cara de Jorge e a alma do romance Tenda dos Milagres!  

Como é uma adaptação para TV, ela é e não é fiel ao livro. No romance temos dois tempos diferentes, o da vida de Pedro Arcanjo o intelectual orgânico nas décadas de 1920/1930 e toda a discussão (inclusive teórica, científica da época) sobre posição do negro na sociedade num país que tinha nem 30 anos de abolição da escravatura, a perseguição ao candomblé e capoeira e etc. E também tem o tempo da redescoberta de Pedro Arcanjo na década de 1960, que foi alçado ídolo da Bahia pelo Nobel em sociologia estadunidense James Dean Leverson, trazendo à tona e todo cenário ideológico binário do contexto da ditadura militar : todo mundo queria um pouquinho da memória de Arcanjo pra sua luta.
Sabemos, e nos relembra a Wikipédia, que as personagens dos livros de Jorge Amado foram baseadas em
"pessoas reais,- quando não as inseriu com os próprios nomes em suas obras. O rábula João Romão foi baseado em Cosme de Farias - um célebre defensor dos pobres em Salvador. O professor Silva Virajá era o médico também célebre Pirajá da Silva. O delegado Pedrito Gordo era o chefe de polícia Pedrito Gordilho, famoso por perseguir o candomblé e os capoeiristas.

Até o personagem principal, Pedro Archanjo, foi inspirado numa pessoa real, o negro Manuel Querino. Como no livro de Jorge Amado, Manuel Querino notabilizou-se por escrever vários livros de caráter antropológicos e étnicos (um deles sobre a culinária baiana e um outro, considerado muito importante, que traça a genealogia da elite branca de Salvador, mostrando a sua miscigenação com a raça negra). O adversário intelectual de Pedro Arcanjo é Nilo Argolo, provavelmente inspirado na figura do médico e antropólogo brasileiro Nina Rodrigues que ficou conhecido por suas afinidades com as teorias racistas de Lombroso e outros." Tenda dos Milagres

Na série global, pelo que deu para ver (20 episódios, quase tudo), temos retratado só a primeira parte, a da Bahia nos anos 30. Eles tem esse direito e a Globo sempre faz esse tipo de recorte ( depois fizeram a mesma coisa com o "O Tempo e o Vento", retiraram a parte das discussões políticas mais atuais). Sobre o Tenda, só destaco que, por exemplo, se na série Ana Mercedes vira par romântico de Pedro Arcanjo, no romance ela nunca chegou a conhecê-lo, tendo nascido depois que ele morreu , pois no romance ela é só a namorada do poeta ("vate, amante e côrno") Fausto Pena, o narrador do livro, que por alguns dólares, aceita escrever sobre como ela o traiu com o tal do nobel americano (Jorge Amado me diverte rsrs) Sobre a trilha sonora eu achei irretocável, maravilhosa, somada à imagem dos atores, a gente realmente se ambienta numa cidade "mestiça" (a ideia mestra de Jorge Amado, de sua época, e do livro) dos anos 20/30 (Salvador).
Só alguns comentários...

Sobre o filme (1977) de Nelson Pereira dos Santos, ele é mais fiel à história original, começa com a redescoberta de Pedro Arcanjo, Ana Mercedes,
namorada do Fauto Pena , no papel que lhe é devido, e ao redor do professor James Dean Leverson. Mas é bem ambientado nos anos 70, mostra o conflito sugerido no livro de Amado, mas no filme aparecem outras coisas como comícios, onde Arcanjo morre, inclusive. discute-o, mas a questão teórica fica à parte e nisso é bem ao contrário da adaptação da Globo, que é esteticamente mais bonita. No filme eu destaco apenas lindíssima cena (no livro está na p.200-2) na qual o professor Fraga Neto e Pedro Arcanjo discutem sobre a legitimidade de um cientista frequentar o Candomblé e Pedro argumenta que é possível para ele, que é mestiço e tem o objetivo compreender a cultura do Brasil, nem de branco nem de negro, mas mestiça, para a qual não basta apenas ser materialista, é preciso conciliar teoria e vida para o bem do povo e a clareza e confiança de Arcanjo vai golpeando o professor amigo com palavras, que ao final conclui que ele tem razão e deveria estar em uma cátedra na Universidade e Pedro responde que não quer subir, que anda é para frente, no filme a cena vai de (1 hora :44 minutos a 1 hora : 48 minutos).esta peleja, que sintetiza a obra, vale pelo filme todo.

Neste vídeo, a partir de 3' 25", é dito que a obra de Jorge sofreu processo de simplificação, muito devido às adaptações para TV e cinema, que acabam apagando parte das discussões colocadas nos romances, como eu coloco acima.

domingo, 10 de outubro de 2021

A Garota do Moletom Amarelo, Uganda | 2020, dir. Loukman Ali

 


Sinopse: À medida que se espalha a notícia de que há um serial killer à solta que continua a cometer assassinatos, um policial fora de serviço deve levar de volta à cidade uma testemunha idosa que mora em uma parte remota de Uganda. Ao longo do caminho, o policial dá carona a um homem ferido. No trajeto para a cidade, o carona conta ao policial os acontecimentos que o levaram a acabar ferido no meio da estrada. Mas enquanto viajamos com esses personagens misteriosos no carro, o diretor Loukman Ali nos mostra que as histórias que eles contam são apenas versões fragmentadas e parciais dos eventos que aconteceram e que talvez haja verdades enterradas sob cada uma de suas palavras.

Filme muito divertido, um suspense que começa se colocando como verdadeiro, baseado em fatos reais, sério, aos poucos vai quebrando o gelo, com uso de outras linguagens como  TV, rádio, desenhos e narrativas que nos levam do terror ao absurdo, a ponto de que o próprio filme nos alerta: LEMBRE QUE TUDO ISSO ACONTECEU ! (rs)

Adoro a disputa de referências entre o policial motorista e seu carona de moletom amarelo: tendo como pano de fundo a presença do serial killer "maníaco das bitucas de cigarro", acontece a guerra de narrativas fantásticas jogo infantil popular na África Oriental nos anos 1980 chamado Bladda, a história  um cartunista perseguido e o mundo do humor, neurociência, a fábula do sapo e do escorpião,  e o recém lançado livro "Um lugar feliz".  A cada momento você confia menos em cada um ...  e no fim acha que acabou se divertindo pra valer. AGORA EU QUERO UM MOLETOM AMARELO DESSES!
As fotos 
A garota do moletom amarelo

Amuleto

Desenho ilustrativo da Bladda: personagens
 com as roupas do policial e do carona

Vou matar o cartunista sem graça

Preso pela garota do moletom amarelo 

Infância do policial nos anos 80

Esse cara aparece às vezes, explicando referências


Enterrando vivo


Pedindo carona

Uganda

Cartunista

Vista de quem está sendo enterrado vivo

História da África colonial 

Refém



Mulher brava

Esse moletom amarelo

Desenho ofensivo do cartunista

Se desmontando

Briga física

Neurocientista, autor de "Um lugar feliz"

Policial parou para comprar peixes? 

Pausa na disputa?

Flagra

Era para olhar para outro lado,mas na janela só
víamos a propaganda do livro "Um lugar feliz" 

o Velhinho com a pochete

Mão pregada

Renda-se 

Me pegou 

Só queria ir embora

Memórias dos anos 80

Narrativas em animação

Velhinho só observa

Linda Uganda