Eu sabia que precisaria assistir a esse filme porque os temas circo e palhaços estão diretamente ligados a minha pesquisa desde o mestrado...o mundo circense, tão absurdamente rico em suas representações, personagens e significados, que alimenta e justifica toda a criação ficcional das relações entre a narrativa historiográfica e a ficcional.
Sobre o conto de Tutaméia O Palhaço da boca Verde eu escrevi na minha dissertação: Inseridos nessa trama, lemos discursos sobre conflitos culturais – como o ocorrido entre as diferentes formas circenses -, a própria idéia simbólica da figura do palhaço e a síntese cultural expressa pela retenção de objetos significativos em uma mala preservada por muito tempo. (Se quiser ler mais, baixe minha dissertação aqui )
Agora no doutorado o tema ainda é importantíssimo, talvez até muito mais, afinal eu ainda acho que circo (mesmo que seja o Cirque du Soleil! ) é coisa de criança porque nelas ele desperta emoções muito fortes: alegria, susto, encantamento... é uma experiência bastante cara aos nossos primeiros anos de vida e que depois só agrada ao que nos restou disso. Mas por que despertam tanto a atenção de crianças? Suponho que seja porque o circo é uma forma artística inserida na tradição do humor oral e a criança (especialmente a pequena) é totalmente oral em sua comunicação.
Mas voltando ao filme, mesmo sabendo da importância que ele poderia ter para mim eu acabei deixando para lá por muito tempo porque jurava que fosse apenas mais um filme nacional comercial com globais chamando público , mas mesmo que fosse só isso, eu teria de assistir para criticar, claro, só que com menos prazer.
Só que não foi isso que assisti ontem, no meio da tarde de um domingo especialmente quente. Não ouso fazer comentários cinematográficos, claro, mas tive cá minhas impressões. Achei um filme extremamente lírico, quase um poema visual, muito bonito mesmo.
Aquele "Circo Esperança", seus personagens tão clássicos daquilo que se conhece como "cena circense tradicional" e, claro, o "multi referencial" palhaço Benjamin mostraram o que eu chamaria de "universo circense ficcional por excelência". Quando digo isso é claro que não estou dizendo que o filme não tenha nada de realidade, muito pelo contrário, a ficção que aparece em O Palhaço é a boa e velha dobradura do real (lembrando do que escreveu Antonio Candido sobre a literatura - que ela nos faz ver um mundo além do nosso mundo e que no entanto nos permite conhecê-lo melhor - eu adapto a toda a ficção. Isso se mostra claro no tempo do filme - que é uma espécie de 'tempo ficcional', parece ser tão distante do nosso, entretanto algumas vezes nem tanto assim... é o tempo daquela ficção de circo! Ainda sobre os elementos que destacavam a caracterização do ficcional, me chamou muito a atenção o dinheiro que eles usam: usam exatamente como nós usamos, mas ali é um dinheiro fictício, dinheiro de circo mesmo... muito bonito!
A figura do palhaço assume sua forma mais clássica no filme : o ser que se esconde atrás das piadas, da máscara, da maquiagem. No caso de Benjamin, sua identidade é questionada talmbém pela sua falta de documentos (falta a ele uma identidade, literalmente), mas ao final ele acaba a reintegrando: a gente é o que é, ainda que o que sejamos seja um total questionamento de ser.
No ano passado eu e meu namorado assistimos a um espetáculo do Circo Stankowich em Atibaia. Fazia tanto tempo que não via nada assim, foi muito importante para perceber que o circo (talvez toda forma teatral) exige uma participação imaginativa do espectador tão grande que se você esperar por um espetáculo todo pronto e completo, se decepcionará totalmente. Também por isso ele se encaixe tão bem ao mundo infantil ( naturalmente as crianças estão sempre reinventando tudo)... Na estória do Miguilim ele não conhecia circo, então perguntou a vários adultos ao seu redor "o que o circo era", mas nenhuma resposta o satisfez, então ele perguntou a seu irmãozinho Dito (criança como ele) , mas ai a pergunta/ foi subtancialmente diferente: "Dito, você vai imaginar como é que é o circo? " Como se destacando que para falar em circo, não é preciso saber, é preciso imaginar! Fantástico, não!
No filme de Selton Melo este circo tradicional ganha destaque, por isso é melancólico, poético, lindo... é uma representação substancial do imaginário popular. Aos que se interessam por esses temas e não tiverem assistido a este filme por certo preconceito contra filmes com atores globais em destaque (como eu) , recomendo muitíssimo este porque o"ator global" em questão incorpora lindamente uma legião de palhaços que a gente pode até nem nunca ter visto, mas em algum lugar das nossas referências os conhecemos pelas imagens dos narizes vermelhos e das sapatanchas.
Gostei demais!
Sobre o conto de Tutaméia O Palhaço da boca Verde eu escrevi na minha dissertação: Inseridos nessa trama, lemos discursos sobre conflitos culturais – como o ocorrido entre as diferentes formas circenses -, a própria idéia simbólica da figura do palhaço e a síntese cultural expressa pela retenção de objetos significativos em uma mala preservada por muito tempo. (Se quiser ler mais, baixe minha dissertação aqui )
Agora no doutorado o tema ainda é importantíssimo, talvez até muito mais, afinal eu ainda acho que circo (mesmo que seja o Cirque du Soleil! ) é coisa de criança porque nelas ele desperta emoções muito fortes: alegria, susto, encantamento... é uma experiência bastante cara aos nossos primeiros anos de vida e que depois só agrada ao que nos restou disso. Mas por que despertam tanto a atenção de crianças? Suponho que seja porque o circo é uma forma artística inserida na tradição do humor oral e a criança (especialmente a pequena) é totalmente oral em sua comunicação.
Mas voltando ao filme, mesmo sabendo da importância que ele poderia ter para mim eu acabei deixando para lá por muito tempo porque jurava que fosse apenas mais um filme nacional comercial com globais chamando público , mas mesmo que fosse só isso, eu teria de assistir para criticar, claro, só que com menos prazer.
Só que não foi isso que assisti ontem, no meio da tarde de um domingo especialmente quente. Não ouso fazer comentários cinematográficos, claro, mas tive cá minhas impressões. Achei um filme extremamente lírico, quase um poema visual, muito bonito mesmo.
Aquele "Circo Esperança", seus personagens tão clássicos daquilo que se conhece como "cena circense tradicional" e, claro, o "multi referencial" palhaço Benjamin mostraram o que eu chamaria de "universo circense ficcional por excelência". Quando digo isso é claro que não estou dizendo que o filme não tenha nada de realidade, muito pelo contrário, a ficção que aparece em O Palhaço é a boa e velha dobradura do real (lembrando do que escreveu Antonio Candido sobre a literatura - que ela nos faz ver um mundo além do nosso mundo e que no entanto nos permite conhecê-lo melhor - eu adapto a toda a ficção. Isso se mostra claro no tempo do filme - que é uma espécie de 'tempo ficcional', parece ser tão distante do nosso, entretanto algumas vezes nem tanto assim... é o tempo daquela ficção de circo! Ainda sobre os elementos que destacavam a caracterização do ficcional, me chamou muito a atenção o dinheiro que eles usam: usam exatamente como nós usamos, mas ali é um dinheiro fictício, dinheiro de circo mesmo... muito bonito!
A figura do palhaço assume sua forma mais clássica no filme : o ser que se esconde atrás das piadas, da máscara, da maquiagem. No caso de Benjamin, sua identidade é questionada talmbém pela sua falta de documentos (falta a ele uma identidade, literalmente), mas ao final ele acaba a reintegrando: a gente é o que é, ainda que o que sejamos seja um total questionamento de ser.
No ano passado eu e meu namorado assistimos a um espetáculo do Circo Stankowich em Atibaia. Fazia tanto tempo que não via nada assim, foi muito importante para perceber que o circo (talvez toda forma teatral) exige uma participação imaginativa do espectador tão grande que se você esperar por um espetáculo todo pronto e completo, se decepcionará totalmente. Também por isso ele se encaixe tão bem ao mundo infantil ( naturalmente as crianças estão sempre reinventando tudo)... Na estória do Miguilim ele não conhecia circo, então perguntou a vários adultos ao seu redor "o que o circo era", mas nenhuma resposta o satisfez, então ele perguntou a seu irmãozinho Dito (criança como ele) , mas ai a pergunta/ foi subtancialmente diferente: "Dito, você vai imaginar como é que é o circo? " Como se destacando que para falar em circo, não é preciso saber, é preciso imaginar! Fantástico, não!
No filme de Selton Melo este circo tradicional ganha destaque, por isso é melancólico, poético, lindo... é uma representação substancial do imaginário popular. Aos que se interessam por esses temas e não tiverem assistido a este filme por certo preconceito contra filmes com atores globais em destaque (como eu) , recomendo muitíssimo este porque o"ator global" em questão incorpora lindamente uma legião de palhaços que a gente pode até nem nunca ter visto, mas em algum lugar das nossas referências os conhecemos pelas imagens dos narizes vermelhos e das sapatanchas.
Gostei demais!