Sau no Estadão e pode ser lido também aqui. E aqui:
"Viola caipira, José de Souza Martins
Foi no Theatro Provisório, na noite de 13 de outubro de 1887, uma
quinta-feira, que a viola caipira saiu dos caminhos de roça e dos vilarejos do
interior e subiu pela primeira vez a um palco de teatro na cidade de São Paulo.
O teatro ficava na Rua Boa Vista. Seria demolido para no lugar se construir o
Teatro Santana, em 1900. O violeiro Pedro Vaz levava nos braços seu "rústico
pinho popular", a viola de dez cordas de arame. Tocou cateretês, modinhas,
valsas, fandangos e lundus, 12 de suas composições para um público culto. Dentre
elas, Saudades do Sertão, um fandango sertanejo, e Paulistana, uma valsa
dedicada aos paulistanos. Ele se apresentaria de novo, em 1900, no Salão do
Grêmio, em Campinas, num "concerto de viola".
Pedro Vaz era fluminense de Resende e primo do poeta Fagundes Varela, que foi
aluno da Faculdade de Direito e morou no Brás. Era professor de música.
Apresentou-o ao público, em artigo de jornal, o poeta Ezequiel Freire, autor de
Flores do Campo, que aqui vivia, também de Resende. Patrocinou sua vinda e
apresentação em São Paulo o Dr. Clímaco Barbosa, médico baiano aqui radicado,
maçom, abolicionista, que em 1893 participaria da Revolta da Armada contra
Floriano Peixoto e seria preso na Fortaleza da Lage, no Rio de Janeiro. A
apresentação de Pedro Vaz se deu num cenário politicamente conservador e
socialmente progressista. Alguns meses depois, os conservadores fariam a
abolição da escravatura, não os liberais.
A apresentação de Pedro Vaz no Theatro Provisório foi um verdadeiro episódio
de ascensão social da viola caipira. Até então, era ela instrumento musical de
pessoas consideradas ínfimas. Não era incomum, no anúncio de escravos fugidos,
sobretudo mulatos, a indicação de que se tratava de um violeiro. São vários os
indícios de que a viola libertava o espírito dos cativos, o que os impelia à
fuga. A viola era o instrumento da liberdade, dos que viviam à margem do mundo
criado pela escravidão.
Entre os tropeiros, geralmente mestiços oriundos da escravidão indígena, os
verdadeiros caipiras, era frequente a presença de violeiros tangendo a viola nos
ranchos de estrada. Uma dessas modas teve a estrofe registrada por um passante:
"Ai viola, viola minha, só tu sabes meus segredos..." A subida da viola aos
palcos começou a livrá-la do estigma injusto de instrumento musical de gente à
toa.
A ascensão social da viola caipira está diretamente ligada ao movimento
cultural e político de formação da nacionalidade, associado ao fim da escravidão
e à Proclamação da República. A viola une a inspiração de duas expressões da
identidade brasileira: uma pintura de Almeida Júnior, O Violeiro, de 1899, foi
presente do fazendeiro José Estanislau do Amaral à sua filha, a pintora Tarsila
do Amaral. Pode ser admirada na Pinacoteca do Estado. "