Com esta epígrafe retirada do “Livro dos itinerários”, Saramago começa seu novo romance “A viagem do elefante”, publicado em 2008 e já é muito lido! Eu queria tanto, tanto, tanto ler essa narrativa de base histórica de Saramago, que quase comprei no ano novo, quando estava indo para a Paulista, sem bolsa, sem nada e não teria como carregar o livro, afora que eu não sabia se ia ter tempo de ler e tal... Mas tudo se resolveu da melhor forma e um dia eu peguei uma promoção na Martins Fontes e trouxe o livro para casa.
Vim lendo no ônibus, me deliciando com a narrativa saramagiana (da qual eu sentia muita falta, pois depois do chatinho A Caverna, ele não foi mais o mesmo...)... Mas não, aquele era meu Saramago anos 1980 de volta! Que emoção! Mas desta vez ele tinha seus diferenciais (a idade chega para todo mundo...) e a sua ironia fica mais evidente e não é nada fina, é escrachada e rende boas risadas até o fim do livro! E os nomes de gente ou de animais aparecem sempre em letra minúscula!
Isso sem falar em Salomão (que como o próprio Saramago explicou no começo, não é o rei de Judá, mas o elefante que em 1551 foi oferecido de presente ao duque da Áustria pelo Rei de Portugal, D. João III e que fez a viagem de Lisboa a Viena, que é o enredo do livro!). Trata-se de um animal que é construído pela ficção de Saramago, para que nos apaixonemos por ele, tanto que lamento o fato da Cia das Letras não ter imitado a capa original da Editora Caminho, de Portugal, onde vemos o desenho do nosso querido elefante ... Querido por cenas como a de quando ele aprende a dobrar os joelhos em frente a uma catedral – o que foi logo considerado milagre – ou que ele salva uma menina de cinco anos da morte, são ótimos exemplos!
Outros momentos inesquecíveis acontecem quando o seu cornaca (aquele que toma conta de um elefante) , um indiano chamado subhro conta a lenda de ganesh, e confunde a cabeça dos que são cristãos por imposição no século XVI, pois era no mínimo incomum saber que havia um local onde deus era elefante!
Além desses temas, Saramago fala muito de história (no sentido teórico mesmo), como na página 225 ele solta :
“No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas seletiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso”
Mais adiante, na página 283, ainda continua a reflexão sobre história:
“Diz-se,depois de que primeiro o tivesse dito Tolstoi, que as famílias felizes não tem história. Também os elefantes felizes parece que não a tenham.”
O questionamento da legitimidade da história e a possibilidade e funcionalidade da narrativa recheiam o capítulo 4 da minha dissertação, e também por isso que eu me sinto bem em dizer que, juntamente com a volta do meu bom e velho Saramago (aquele que adorava contar causos) é um prato cheio para historiadores, pois apresenta relações de uma percepção fenomenal deste octogenário sobre o homem e o tempo,ou seja, sobre história.
Para quem está em meio à tensão pré defesa como eu, ter lido esse livro e ter recebido Salomão de presente, foi fenomenal porque eu esperava pela volta de Saramago e só por isso ele chegou a mim, de forma deslumbrante!
Vejamos como ele se saiu nesta entrevista que mais pareceu uma arguição: