segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Uma live de Milton Hatoum no Instagram

 

OUVIR MILTON HATOUM - Adoro lê-lo, mas às vezes não é o suficiente, então é preciso ouvi-lo. Na live desta noite com o psiquiatra da FMUSP de ascendência grega  Táki Cordás  a conexão e o próprio Instagram não foram tão legais, ele caiu mais de uma vez, mas mesmo assim foi maravilhoso ouvir falar  uma pessoa QUE LÊ é outro nível nesse túnel sem luz da minha quarentena cheio de sons de televisão tentando me deixar burra, muito burra demais.  E Hatoum não é só um escritor (e dos bons), é também um grande leitor. Logo no início falou de um dos autores de sua formação que é o Graciliano Ramos, acho fundamental atentar para o Graça que ele nos projeta. Ai citou  a frase fundante para o escritor,retirada de Caetés "O MAIS DIFÍCIL É ESCREVER". E não é mesmo?

Depois falou da importância dos lugares, da Manaus da sua infância que o acompanhou por todos os lugares do mundo onde ele esteve e como isso também aprece nas suas obras. 

Depois foi perguntado o quanto de sua própria experiência tinha na construção da personagem  Martim, o protagonista da trilogia, e ele disse que Martim teve, como ele, a experiência de ser o isolado nos lugares, a solidão do estrangeiro em todos os lugares, mas ele, Milton, não teve a experiência dolorosa de separação da mãe que viveu Martim, que por ela se tornou um melancólico, traumatizado, não tem paz porque acha que perdeu a mãe, mas às vezes acha que ela pode estar em silêncio em algum lugar que ele não sabe onde é. É essa a sua quase loucura. (demorei um tempão para entender esse processo, no começo, em "A Noite da Espera" me irritava muito com Martim, não tinha compaixão, mas foi com o "Pontos de Fuga" que eu "realizei" aquele trauma, até chorei cantando "todo homem precisa de uma mãe"!)

Ai ele revelou que o terceiro volume, que é menor, que é onde a MÃE DE MARTIIM CHEGA, ENFIM,  no romance e deveria ser lançado agora, mas a pandemia adiou os planos e deve sair no segundo semestre de 2021! (O que eu vou fazer até lá?)

 "Dois irmãos" em  grego


Estava tudo muito bom, muito bem, mas a rede dele caia sem parar ... quando voltou falou um pouco sobre seu processo de escrita, de como é fundamental o distanciamento temporal para a construção da ficção. VOLTAR A OUVIR AS VOZES DA INFÂNCIA, de como foi ter ouvido tantas línguas de pequeno, árabe e outras, que eram  línguas que ele não entendia, mas que ficou na sua memória como uma "melodia perdida", sons da sua infância com os quais tem familiaridade e que reinventa na ficção ( se me lembro bem é  em "Relato de um Certo Oriente" que essa questão das línguas ouvidas por todos  na infância, mas que só alguns aprendem o idioma e compreendem o que é dito, é retratada)  ... Quando ele falou isso sobre infãncia ,  JURO, ele citou um  grande trecho do  Sertão perfeitamente :

" A opinião das outras pessoas vai se escorrendo delas, sorrateira, e se  mescla aos tantos, mesmo sem a gente saber, com a maneira da ideia da gente!" (Grande Sertão: Veredas") 

CARA, ISSO É SÓ, MAIS OU MENOS, UM RESUMINHO DA MINHA TESE SOBRE A INFÂNCIA NA ESCRITURA DE G. ROSA <3


Ai perguntaram se ele era assim tão fatalista, pois começa a maioria dos romances pelo seu fim trágico, como se não fosse dado aos personagens a possibilidade de mudarem seu destino. Ai ele riu, e disse que as personagens mudavam muito,  mas sempre no meio da travessia , ai lembrou o Grande Sertão de novo, claro.


Caiu a conexão de novo e quando voltou falaram sobre a política atual e ele, lúcido até demais, disse que não acredita na literatura como salvadora , o que pode melhorar a sociedade são políticas públicas capazes de promover a humanização das pessoas.

Que estamos vivendo uma exacerbação do antigo projeto de destruição da cultura global, educação, da coisa pública que está em andamento desde sempre, com poucos períodos de respiro (essa hora me angustiei de verdade).Mas ele se saiu com essa:  Está tudo horrível, MAS PODE MUDAR. Vamos chegar numa hora e quem não vai dar mais para aguentar e vamos sair às ruas. TOMARA!

Obrigada Hatoum até uma próxima