domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nossos Ossos, Marcelino Freire



Um aperitivo do texto de Marcelino Freire, um profundo estranhamento, menos de linguagem do que de circunstância... é um texto duro, duríssimo, mas necessário:

"Fazíamos teatro com as vértebras, com os trapézios, lisos e carecas, a gente limpava o que tivesse ficado de pelo e pele, dos restos alheios eram construídos brinquedos, bolotas de fibras fósseis, nossas rodas, moeda de troca, às vezes eu saía por detrás da cacimba vestido igual a um cangaceiro.
Capa de couro bovino, espada de fêmur, saiote de cóccix e uma máscara natural, a minha cara borrada de carvão, gesticulava feito um demônio, assustava a todos com a minha voz de trovão saída do estômago, EM PÉ, EU, SOBRE UMA PEDRA, NO DESERTO QUE FOI A MINHA INFÂNCIA.
Minha dramaturgia veio daí, hoje eu entendo, desses falescimentos construí meus personagens errantes, desgraçados mas confiantes, touros brabos, povo que se põe ereto e ressuscitado, uma galeria teimosa de almas que moram entre a graça e a desgraça."
Marcelino Freire. "NOSSOS OSSOS", p. 26-7

 É a mesma coisa, só que diferente, talvez, mas não pude deixar de lembrar da famosa foto de Sebastião Salgado, mostrando crianças brincando com ossos de animais mortos durante uma seca no nordeste na década de 1980:


... referências e mais referências...