sábado, 6 de outubro de 2018

Com as (poucas) palavras, a professora Maria Aparecida de Aquino


COLCHA DE RETALHOS


Nos retalhos da minha memória, esse livro é uma pequena joia... comprei numa Bienal do Livro , deva ter meus 15 para 16 anos e queria ler algo do sociólogo (deve ter sido a primeira vez que ouvi essa palavra) Betinho, o tal irmão do Henfil de quem falava na canção "O Bêbado e a equilibrista", que eu adorava, e ouvia sempre na maravilhosa Musical FM, a rádio MPB (que foi vendida para uma igreja pentecostal em 1999). Naquela época eu lia Guimarães Rosa sem entender muito, e pouco sabia das coisas, mas era curiosa e por isso sabia muito para uma menina que estudava numa escola municipal de Pirituba... embora fossem informações fragmentadas.Eu sabia que Betinho tinha sido exilado na ditadura, que o Brasil sonhou e comemorou sua volta ao país, sabia que ele, como tantos na década de 1990, tinha HIV positivo, e que tinha sido contaminado numa transfusão de sangue, para tratar sua hemofilia (também foi a primeira vez que ouvi falar disso). Como tantos tão importantes na minha juventude (Cazuza, Caio Fernando Abreu...) acompanhei, pelo jornal, sua doença e morte.

Na lista de Camila, o livro "A lista de Ailce" (1996) é um verbete recheado de memórias que me formou como sou hoje!

Janusz Korczak : intolerância é uma ameaça sempre presente




Em 2016, em meio às atividades do meu pós-doutorado sobre as crianças de Pedro Bloch, muito interessada em pedagogias libertadoras no século XX, assisti a um  curso de  sobre a  trajetória do médico e  educador judeu polonês Janusz Korczak (1878 - 1942), ministrado por Sarita Mucinic Sarue e seu interessantíssimo trabalho com as crianças, em pleno contexto da segunda guerra Mundial. 
Tendo trabalhado pela emancipação da criança, e  gerenciado os orfanatos para crianças judias Dom Sierot e Nasz Dom, em Varsóvia, estes que eram  geridos pelas crianças e desenvolvido uma estratégia pedagógica que serviu como pontapé inicial ao que depois chamaríamos de "educação democrática" (ideia linda, que eu amei desde sempre e que executei quando ministrei palestras sobre Guimarães Rosa na Escola Lumiar entre 2003  e 2004) e que, infelizmente, acabou sendo duramente perseguido. O mais tocante da história é a morte do professor, que nunca abandonaria seus alunos em uma situação difícil, a ponto de aceitar seguir com eles até a câmara de gaz onde todos acabaram morrendo no Campo de Extermínio de Treblinka, num desfecho que a humanidade ainda não engole com facilidade.
Foi muito difícil para mim acompanhar este curso, nele eram apresentados vídeos, contavam-se histórias, mostravam-se fotos das mais terríveis sobre a degradação humana, lembro que eu sempre virava o rosto para a janela e observava o verdejante campus Butantã em sua calma e beleza, pois o conteúdo apresentado não era nada intragável, era um bom exemplo do que de pior o ser humano produziu!
Era terrível e tudo mais, mas era um acontecimento histórico, servia para nos alertar, não era ainda uma realidade na nossa vida cotidiana de brasileiros, como tememos vir a ser neste momento eleitoral de 2018.
Um candidato a presidência atual  assume ideário fascista (que deu origem àquele absurdo),  é preconceituoso, faz apologia a tortura, a violência, à intervenção militar e a quebra de nossa recente democracia se eleva em primeiro lugar nas intenções de votos.
E o pior é que o problema não está apenas no candidato, mas também no seu eleitorado, que aceita seu ideário retrógrado a ponto declarar intenção de votar nele, afinal existe uma identificação. Muito triste! 
Como historiadora, por muitas e muitas coisas, eu grito #EleNão...mas hoje, como pesquisadora da área de História da Infância e Juventude, eu faço isso em honra à memória de Janusz Korczak, mais uma das inúmeras vítimas do nazifascismo no século XX, cuja história deveria servir para aprendermos que aquelas ideias são as erradas, para internalizarmos que não devemos querer aquele inferno acontecendo  de novo .