"Com toda razão, a oralidade exige o reconhecimento de seus direitos, pois começamos a descobrir mais nitidamente o papel fundador do oral na relação com o outro.
O desejo de falar vem à criança pela música das vozes, que a envolve, nomeia e chama a existir por sua conta. Toda uma arqueologia de vozes codifica e torna possível a interpretação das relações, a partir do reconhecimento das vozes familiares, tão próximas. Músicas de sons e de sentidos, polifonias de locutores que se buscam, se ouvem, se interrompem, se entrecruzam e se respondem. (...) numa sociedade não existe comunicação sem oralidade, mesmo quando essa sociedade dá grande espaço à escrita para a memorização da tradição ou para a circulação do saber. A oralidade está em toda a parte, porque a conversação se insinua em todo o lugar; ela organiza a família e a rua, o trabalho na empresa e a pesquisa nos laboratórios. Oceanos de comunicação que se infiltram por toda parte e sempre determinantes, mesmo onde o produto final da atividade apaga todo traço dessa relação com a oralidade."
Michel de Certeau; Luce Giard e Pierre Mayol, A Invenção do Cotidiano : 2 – Morar, cozinhar, p. 336-8