sábado, 26 de dezembro de 2015

Pedro Bloch e o esquecimento


A VERDADE É ESSA: Estou há um semestre no pós-doc e nesse período muito mais do que as anedotas infantis de Pedro Bloch (meu objeto principal) eu estudei  mesmo foi a infância em Walter Benjamin (um dos autores da metodologia do projeto). Não foi de propósito, foi muito porque para estudar Bloch eu precisaria formar um cenário de possibilidades materiais  de pesquisa que ainda não consegui montar. Mas  eu realmente desejo muito pesquisar o Pedro Bloch porque ele é, propriamente, um personagem de História Cultural (foi muito famoso em sua época e muito rapidamente ficou esquecido). Se, dentre as inúmeras coisas que ele fez, eu  tivesse que destacar como importante apenas uma, meu projeto responde por si só:  diria que  foi sublinhar o humor como filtro intermediário na comunicação entre adultos e crianças já desde meados do século passado, e agora isso foi destacado no texto do verbete "Children’s Humor Research" da Encyclopedia of Humor Studies (2014). 
Interessante é que, estudando Benjamin, sempre me lembro de Bloch, especialmente nesse livro sobre sua palestras radiofônicas às crianças (1927 a 1932)

Onde ele trata de livros e autores que foram muito importantes para o menino que ele foi que, àquela hora, quase nenhuma criança sequer conhecia mais ... 

Por enquanto ainda não consegui nenhum depoimento de "ex crianças" sobre Pedro Bloch e isso, para mim, é deveras significativo, pois me indica que o processo do esquecimento está mesmo em processo...

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Crianças e ideologia

Está circulando nas redes sociais o seguinte post (por respeito, retirei o nome a foto da autora) :

Eu tinha visto essa postagem várias vezes aqui no Facebook, e não ia compartilhar porque não concordo com nada que está expresso nela, mas ai comecei a pensar que é exatamente por isso que devo falar dela,  para expor meus argumentos. A primeira coisa que me à mente aqui, fazendo uma leitura rasteira, é que, se for o caso de modelar a cabeça das crianças com brinquedos, no caso exposto, os mais desrespeitados seriam os meninos, porque são eles que não apreenderiam a brincar de lavar louça, cozinhar (ou seja, a cuidar de suas vidas por si mesmos).

Mas, como sabem, não acredito que seja  tão simples e direto assim. Também não posso concordar com nenhum discurso que defende que as bonecas são idiotas.

 Segundo as pesquisadoras do "Museu do Brinquedo":


" Pesquisando sobre a história da boneca, podemos destacar que ela está ligada a história dos homens. Como réplica de si mesmo, o homem elevou os diferentes tipo de bonecos a símbolo cultural a acompanha-lo em suas múltiplas experiências, fazendo desse objeto, desde oferenda religiosa, objeto de culto, figura de magia, ídolo, amuleto ou talismã, lembrança mortuária, até chegar ao uso infantil, como brinquedo." (Telma Anita Piacentini e Monica Fatin. "Museu do brinquedo como centro cultural infantil" In: LEITE, M. I. & OSTENTO, L. E. (org). Museu, educação e cultura, 2005, p.62).
Logo, nem as bonecas e muito menos as meninas são ou podem ser consideradas como idiotas... ainda bem que as crianças não reajam sempre da forma como os adultos planejaram. Acho que nós adultos sabemos bem pouco sobre como funciona a cabeça das crianças, só se preocupam em modelá-las em suas ideologias, enfim.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Retrospectiva apressada de 2015

Foi ruim, claro, mas 2015 aconteceu, vamos relembrar:

Janeiro – Minha tese ficou disponível para baixar. Eu escutei o “Acalanto para Acordar”, do Arnaldo Antunes e fiquei assustadíssima com os atentados ao Charlie Hebdo. Fez muito calor e eu achei que tinha engordado uns dez quilos ... será?

Fevereiro – Comecei meu ano de shows inesquecíveis. Vi um do Tom Zé logo no em fevereiro, ai me apaixonei pelo taxista que me trouxe em casa, mas foi divertido. Depois vieram os do Tavito – que teve aventura até conseguir chegar lá e teve até a música Feira Moderna que eu pedi e ele tocou-; Teve Monica Salmaso – totalmente diva-; teve Jacques Morelembaum e do Chico Pinheiro; Ricardo Aleixo. Ganhei também um retrato de Guimarães Rosa da minha amiga Mirela, foi muito lindo.

Março –Teve Kastrupismo, teve a Hora das crianças , de Walter Benjamin, teve o curso de Teoria da História 1, teve mais Tom Zé tocando com a OMNIKESTRA e coisa muito fina como o encontro entre João Donato e Chucho Valdés  no SESC Belenzinho, dia que eu senti muita saudade de estar com alguém no mundo.

Abril – Em abril  declarei minha admiração pelo  Marcos Piagers, o melhor pai de 2015. Teve conferência do Wisnik sobre canções brasileiras; teve  documentário de Win Wenders sobre Sebastião Salgado, que eu gostei, pero no mucho... Em abril a morte passou pela Terra e levou a minha heroína Inês Ettiene Romeu – aquela que sobreviveu para contar- e também o provocador Antonio Abujamra.

Maio – Fez frio e eu adquiri minha touquinha creme muito charmosa.  Teve uma Jornada de Estudos sobre Oralidade e a Jerusa estava lá! Teve apenas um show, de Benjamin Taubkin, Gui Kastrup e Simone Sou – eu estava linda e cheirosa, e ganhei minha noite ao ser reconhecida pelo Taubkin.

Junho – Comprei o livro do Ivan Vilela e me deliciei com ele... virei fã do Ivansinho, é verdade. O disco Clube da Esquina foi escolhido entre os 1001 que você deve ouvir antes de morrer e eu vibrei! Mas a morte levou Fernando Brant e eu senti muito, muito ... assisti Os Últimos cangaceiros com a Ana Carolina numa fria tarde na Paulista.

Julho – Comecei “trabalhando” e ouvindo o lindo disco português Conversas com versos, da escritora portuguesa Maria Alberta Menéres, inspirados no livro de Eugênia Melo e Castro. Assisti  a um show da banda Eddie e achei muito bom, parecia até show do Tom Zé! Mas foi o último do ano, porque no fim de julho eu perdi o homem na minha vida, meu pai, e ainda estou tentando me recuperar...

Agosto – Agosto eu precisava reagir e fui, sozinha, ver as cerejeiras em flor no Parque do Carmo, que coisa maravilhosa! Depois teve a emocionante homenagem de um ano de morte ao professor Nicolau Sevcenko, com todo mundo que conheci na USP esses anos todos. Sonhei pela primeira vez com meu pai morto, me dizendo um simples “Bom dia, meu amor”.

Setembro – Me declarei para Marcelo Jeneci – uma declaração meia atrapalhada, mas a que foi possível. Comprei e devorei o livro Papai é pop, do Piangers; Assisti ao curso sobre Clube da Esquina, no  Maria Antonia e foi muito emocionante!


Outubro – Recebi muitos “nãos” e meu dei conta de que o ano acabava. Assisti ao Seminário História da Infância no MASP e descobri o trabalho da Telma Anita Piacentini no Museu do Brinquedo, em Florianópolis. Mas a vida estava bem difícil e nem comemorei meu aniversário de 36 anos, mas comprei o livro “No mar” de Toine Heijmans, presente para mim.


Novembro – Mal posso esperar para o ano acabar, como sempre, mas tentei ler o livro “No mar” que me dei de presente, mas não rolou. Assisti ao doc Esse viver ninguém me tira , do Caco Barcelos, sobre a dona Aracy e me emocionei muito.Mas eu ganhei lidos livros de Pedro Bloch dos meus lindos amigos Fernanda e Fábio, do Rio...




Dezembro – Tudo está incerto. Sem muitas expectativas para 2016, embora eu já tenha uma agenda do ano e tenha recebido a melhor mensagem espiritual de todas :
“Vibre com o todo, na Luz Rosa do Amor”



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Marisa Lajolo escreve sobre Pedro Bloch

Ilustração de Mariana Massarani  sobre fala de criança para
o "Dicionário de Humor Infantil" de Pedro Bloch (1998)
Encontrei este artigo de Marisa Lajolo sobre o trabalho de Pedro Bloch com as crianças e publicado na Revista Carta Fundamental em Novembro de 2013:

Pois é: criança diz cada coisa!

É comovente observar o processo de aprendizagem espontânea 
que vivem os pequenos no que respeita a língua e a linguagens
http://www.cartafundamental.com.br/single/show/116
Quem é que não sabe como é que é? Filho, sobrinha, afilhado ou filha da vizinha, todo mundo convive ou conviveu com uma criança. Com uma, com duas, com muitas! Conviveu mais ou conviveu menos, por algumas horas, por alguns dias ou por muitos anos, mas conviveu. Ninguém escapa!
Conviveu, talvez – que sorte! – com uma criança aprendendo a falar. E, fruto dessa convivência, pensou em voz baixa ou comentou com alguém que criança diz cada uma...!
E diz mesmo! Pedro Bloch (1914-2004) foi muito feliz ao dar este título aos textos/livros que escrevia sobre a linguagem infantil. Pois é mesmo verdade: criança diz cada coisa!
E o que elas dizem diz muito, ensina muito – como funciona a cabeça humana no que respeita a línguas e a linguagens. Porque, é claro, cabeça de criança, mesmo de criança pequena, já está programada para aprender aqueles saberes de que se precisa para sobreviver no planeta Terra.
E a linguagem é o mais básico desses saberes. E seu aprendizado, uma das coisas mais fascinantes da vida humana. Por isso é tão bonito e comove tanto observar o processo da aprendizagem espontânea que a criança vive a partir do que ouve à volta dela.
Sabe como?
Assim: faz de conta que estamos com a Paula, mãe da Júlia, uma mineirinha de pouco mais de 3 anos. Júlia ainda não fala os erres nem os chs. Mas fala muito. Fala com a família, fala na escola, fala com as amigas, fala com suas bonecas. Ou seja, Júlia é uma tagarelinha.
Pois outro dia, a mãe ia levá-la para brincar na pracinha e tinha combinado com a vizinha que levaria também a filha dela,  Valentina, grande amiga de Júlia. Saindo de casa, Júlia perguntou à mãe quem mais ia. Meio distraída, arrumando garrafas de água e maçãs na sacola, Paula respondeu:
– A Valentina também vai conosco.
Júlia olhou espantada para a mãe:
– Quem é o Nosco que vai com a gente?
A cena, claro, passou a integrar o anedotário familiar. Pais, tios, avós riram muito com a historinha do Nosco e foram passando adiante. Foi assim que o caso chegou aos ouvidos do Zé Luiz, professor esperto e informadíssimo que, além de rir muito da gracinha da Júlia, dias depois comentou numa reunião pedagógica:
– Às vezes fico pensando que é bobagem a gente achar que não deve ensinar gramática... Não vê que a gente aprende gramática quando aprende a falar uma língua?
Os colegas discutiram, e ele espichou a história:
– Teve o caso da filha de uma vizinha que quando ouviu a mãe falar vai conosco, perguntou quem era o Nosco que ia com elas. Eu acho que ela perguntou isso porque tinha aprendido que o verbo ir + a preposição com vem seguido da indicação da pessoa (ou coisa) que acompanha(va) quem está(va) falando. Acho que menina lembrou que a mãe falava frases como Hoje você vai para a escola com sua tia , ou Seu irmão hoje vai com o pai para a casa do avô,  ou Não vai dar pra ir com o sapato branco porque está chovendo. Júlia ouviu, processou, generalizou e concluiu: deduziu uma regra do português: Nosco era alguém (ou alguma coisa) em cuja companhia (ou com a qual) se ia a algum lugar.
A historinha é exemplar, não é mesmo?
Semana seguinte, reunião pedagógica de novo, foi a vez de Mônica aparecer com a historinha do Fábio, seu sobrinho.  O menino tinha ganho uma fantasia de Batman no aniversário, e a irmã ficou aporrinhando, pedindo emprestada a fantasia.
Foi quando Fábio foi reclamar para a mãe, dizendo que a irmã queria uma fantasia de super-heroia.
Risadas gerais, justificadíssimas, Fábio paparicado.  Ele tinha acabado de dar uma bela lição que deixou Mônica maravilhada: ele tinha, sozinho, deduzido e aplicado a regra de que o feminino, em língua portuguesa, se faz (quase sempre, só quase) substituindo o “O“  final por “A” , ou acrescentando um “A” ao final de palavras que terminam em consoante.
E não é que a regra funciona mesmo muito bem para gato e gata, menino e menina, professor e professora, japonês e japonesa?
Repetindo a frase, substituindo heroia por heroína, a mãe de Fábio mostrou ao menino que as regras do idioma têm exceções. Mas a experiência do menino ensinou que ele sabia que exceções não são tão numerosas que desestimulem o emprego das regras que, na maior parte das vezes, funcionam.
Penso que é a manipulação voluntária de regras e limites da língua que – chamada de criatividade, inventividade – gera textos sensacionais como Marcelo, Marmelo Martelo, de Ruth Rocha, e passagens maravilhosas de Guimarães Rosa, como o trechinho de Grande Sertão Veredas em que o leitor fica sabendo que Neco estrepuliu medroso mais que João Brandão.
Pois não é mesmo que criança e escritor têm cada uma...

Marisa Lajolo é professora, pesquisadora e autora de diversos livros, entre eles, Como e Por Que Ler o Romance Brasileiro

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Aconteceu: Virou Manchete

Quando eu digo que pesquiso a coluna sobre falas infantis de Pedro Bloch na revista Manchete, alguns torcem o nariz, dizendo que ela era uma espécie de Revista Caras da época e tal. Pode até ser mesmo, mas além de eu saber que não vou estudar propriamente a revista Manchete toda (pós doutorado é um estudo tópico, né?), eu ainda acho que taxar, de antemão, a revista como ruim é absurdo. Segundo minhas pesquisas para escrever o capítulo final da tese, no final da década de 1950 e começo da de 1960, era na Manchete que se publicava a coluna ‘Poesia é Necessária’ (seleção poética feita por Rubem Braga, coluna na qual foram primeiro publicados alguns dos poemas de Vinicius de Moraes, que depois fariam parte do livro A Arca de Noé, por exemplo). É que o Rio de Janeiro na década de 1960 era culturalmente exuberante e isso também pode ser identificado nas páginas coloridíssimas da revista Manchete...

domingo, 8 de novembro de 2015

"A Noite estrelada" e o rememoramento ...

A Noite Estrelada-  Vincent van Gogh (1889-1890)

Vocês sabem que eu amo Van Gogh e esse quadro em especial, por causa de tudo, tudo além da beleza, enfim...
Uma coisa importante : "A Noite Estrelada foi pintada de memória e não a partir da vista correspondente de uma paisagem, como de costume."  ... de memória, colegas. Benjamin (sempre ele) escreveu "o importante para o autor que rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração..." (In "Imagens de Proust", p.37).
Tecido da rememoração, talvez, seja o que eu tentei (inúmeras vezes, mas sem sucesso em nenhuma delas) explicar ser o que estava chamando de "RELEMBRAMENTO" (que é um neologismo de Rosa), e que não corresponde à simples memória do vivido, bruta, mas a todo um processo de... de... REMEMORAÇÃO.
Van Gogh rememorou e viu coisas que só muito depois remetemos a imagens científicas, disponibilizadas pela NASA:


Como existe beleza no mundo!

Desenho em caneta de Reed, executada depois da pintura (in Wikipédia).

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Sobre "No Mar", de Toine Heijmans


Pela terceira vez comecei a a ler o livro "No mar", de Toine Heijmans, que me dei de presente de aniversário, mas não consigo engrenar na leitura, embora, acreditem, esteja gostando muito. Certamente a irregularidade na leitura deve-se a problemas meus. A escrita é fluída e começa logo levando a gente para dentro de um barco nomeio ao mar ...não me assustou nem me atingiu de cheio, mas é bom de ler. O navegador está em seu barco, apenas na cia de sua filha Maria, de 10 anos, e sabe que precisa manter tudo sob controle por ele por ela:
"Na primeira noite de nossa viagem no mar, Maria apareceu de repente na porta da cabine, um espectro:
'Não estou conseguindo dormir. Tudo estala e range', ela disse.
'Eu também passo por isso na primeira noite no mar', comentei.
'Posso ficar com você?'
'Amanhã. Primeiro vá dormir. No mar é importante que você durma bem.'
'Mas primeiro você precisa tirar aquele morto de lá. Aquela coisa pendurada dá medo.'
'Vou tirar.'
Tirei o macacão do gancho e pendurei em outro lugar. Levei Maria de volta ao camarote de proa, coloquei-a sob as cobertas e entoei canções que cantava quando ela era bebê. Ela pegou no sono.
Naquela noite, ainda acordou mais uma vez. Na segunda noite, não mais.
Maria é uma criança forte. Foram poucas as vezes que a vi com medo. De qualquer forma, ela não conhece o medo adulto, que esmaga os miolos da gente. Medo de criança é diferente. É fácil de espantar. Como uma lâmpada que você acende e apaga: você canta uma musiquinha ou inventa uma história, ai ela ri e logo dorme.
Medo mesmo a gente só sente mais tarde.
Agora ela está dormindo e eu preciso lutar contra meus próprios medos. Tenho que permanecer tranquilo. Se estou tranquilo, Maria se sente tranquila. Funciona assim com as crianças." (P.11-2)

Eu tenho uma amiga  que sempre diz que eu sou uma criança grande. Quando eu li esse trecho lembrei del, porque ontem (hoje também) só queria que alguém me fizesse dormir cantando Murucututu ou outro acalanto... como não tem mais isso aqui, eu mesma me acalentei (privilégios de ser grande, talvez), mas o medo (e o frio) continuam...

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Sobre "Esse viver ninguém me tira", do Caco Barcellos


Acabo de ver esse documentário e escrever aos amigos pesquisadores de Rosa:
"Oi rosianos e rosianas, Acabo de assistir o emocionante documentário "Esse viver ninguém me tira", do Caco Barcellos sobre a D. Aracy. Achei muito lindo, adorei a parte que aparece o arquivo do IEB, com a Beth Ribas, a Vera Tess (Ooó), a Dona Beatriz ,no apartamento do doutor Eduardo que eu visitei para entrevistar... me chamou a atenção, também, como os  parentes dos sobreviventes e especialmente  o Eduardo (filho de Aracy)  se emocionaram quando algum pesquisador (no caso de Aracy, a pesquisadora Mônica Raisa Schpun) "descobria" e lhes mostrava uma parte da história que eles não conheciam e que só o trabalho do pesquisador lhes permitiu desvendar . Lembro da emoção de Vera Tess quando eu levei até ela (no mesmo apartamento que mostra o documentário de Barcelos) os trechos dos Cadernos de estudos (material de trabalho literário de Rosa)  onde ela era carinhosamente citada pelo vovô Joãozinho, coisa que  ela nunca imaginou:  os olhos verdes, emocionados, dela são para mim inesquecíveis... como historiadora, me toca lembrar, porque mostra que  não é só um trabalho intelectual (que se fosse, seria muita coisa já), mas é um resgate de vida, muito emocionante.Um abraço caloroso da Camila"

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Infância brincante

Não sei de quem são essas fotos que ilustram a divulgação da exposição "Infância brincante" sobre as brincadeiras de crianças nas favelas de São Paulo, então a única referência que encontrei é a do link do Catraca Livre, mas compartilho uma por uma porque eu as considero muito interessantes, pois elas são representações de infância que mostram crianças sendo crianças na sua atividade prática mais importante: BRINCAR! Acho que até Walter Benjamin ia adorar isso...














quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Seminário História da Infância no MASP em 06 de outubro de 2015





Acompanhei  o Seminário História da Infância no MASP ...jornada pesada manhã, tarde e começo da noite e eu já conhecia as ideias da maioria dos palestrantes, por isso destaco as falas mais originais para mim, que abordaram mais diretamente a arte :  o curador-adjunto da Arte Europeia no museu, que comentou detalhadamente imagens do acervo e, especialmente, a da  professora Telma Anita Piacentini,que falou  das possíveis primeiras representações de crianças europeias nas esculturas e pinturas do quatrocento italiano! Até do Benjamin ela falou...
Ouvindo hoje a fala gravada, e podendo acompanhar com mais tempo detalhes das imagens pela internet, destaco dois momentos que eu achei fantásticos sobre isso. Telma começou dizendo que ia  falar sobre "imagens da infância" no sentido oposto ao que estava sendo falado até então no Seminário, porque seu desejo é o de  "abrir as portas do mundo infantil trilhar labirintos" onde o central está no surgimento de representações de um "sentimento de infância" (particularidades de crianças que servem para sensibilizar os adultos) e que a levaram a ter uma preocupação especial na utilização de um forte  apoio teórico metodológico para "não cair naquela coisa de esparramar o coração", porque realmente são imagens que representam momentos de onde se criou a ideia de infância na Europa e serviram para moldar a ideia de infância que temos hoje...
Um exemplo interessante são os "putos" (crianças em italiano) que Donatello esculpiu  no cetro do bispo San Ludovico di Tolosa, 1422-1425... muita fofura, mostrando que as crianças, que já estavam em toda a  parte, passaram a ser também representadas, mesmo que só o olhar de um especialista pudesse atentar para esse detalhe. Outra coisa  que muito me interessou: quando Donatello passou a representar, no bronze, as expressões de um "sentimento infantil", segundo Piacentini, isso marcou uma mudança de fase na sua arte e com isso ele teria sido ajudado pelas crianças e suas expressões de ser criança.Telma lembrou, também, que Donatello, e outros artistas da época, não produziam sozinhos, e corporações É preciso considerar mais as crianças pois o contato com elas pode revolucionar o status quo, entendem?



Em outro momento sensacional a professora comenta uma cantoria que está no museu do Duomo em Florença:



"Donatello aqui se esmerou em colocar aquilo que está no brincar, que é o ato de ultrapassar-se a si mesmo, então eles dançam, cantam ... é uma explosão tão grande alegria que você, no minimo, ri e fica simpártico à história e volta à sua própria infância " Telma Anita Piacentini (informação oral em "Seminário História da Infância - MASP 06 de outubro de 2015)


É  com essas ideias que eu quero dialogar.



quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O tempo nos Cadernos Manuscritos de Guimarães Rosa

 
Um pedaço da minha tese onde eu trato do tempo nos Cadernos Manuscritos de Guimarães Rosa  :
 
"Destaca-se nesse material, especialmente para nós que desejamos repensar os questionamentos da História ali executados, que, tal qual acontece na experiência vocal, o tempo cronológico não é decisivo ali: na maioria dos Cadernos não encontramos nenhuma data, embora esses documentos, ainda assim, possuam sua historicidade . De qualquer forma, também é possível localizar neles algumas sutis marcas temporais, como quando Guimarães Rosa cita a neta Ooó (Vera Tess) ou algum dos textos que escreveu para a revista Pulso, indicando que aquelas inscrições foram feitas por volta da década de 1960, período no qual o autor contribuiu para tal periódico. Mas esse tipo de referência não cristaliza o tempo no manuscrito: não podemos dizer, por exemplo, que todo ou parte do Caderno no qual a data aparece foi preenchido naquele mesmo período, porque não podemos nos esquecer de que, na verdade, estamos defronte de um manuscrito literário e que seu tempo é aquele não linear da criação. Como o escritor possuía grande quantidade de Cadernos e poucos foram preenchidos até a última página, podemos cogitar que eles não eram usados de forma contínua, mas sim que seu emprego obedecia a alguma regra de utilização que desconhecemos. É justamente por causa de tal indeterminação temporal do manuscrito que é possível que coexistam ali as várias temporalidades distorcidas do processo de criação: a de quando a enunciação vocal foi ouvida, a de quando o autor a registrou, a de quando ele a reenunciou; a de quando ela foi revisada; e a de quando foi reinventada pela escritura."
 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Da Primavera - Carlos Drummond de Andrade

Capas da 1a. ed  "Primeiras Estórias" de João Guimarães Rosa, 1962, desenhada por Luiz Jardim 

Com a entrada da primavera fui reler  uma crônica de Drummond escrita em 1962 para o Correio da Manhã, na qual ele cita o lançamento do livro "Primeiras Estórias" e que foi muito citada em outros textos da recepção crítica guardada por Rosa. Um trechinho dela:

"...Mas comparece outro sinal de primavera. Da mesma cor do ipê amarelo é a capa, desenhada por Luís Jardim, do livro de João Guimarães Rosa, com que a Editora José Olympio celebra a nova estação: “Primeiras Estórias”. E o próprio livro é primaveril, como tudo que sai da  cabeça mágica do Rosa : a língua se enfestoa de formas e arranjos novos, alguns  tão cheirando a terra que é como se brotassem do chão. O sentimento sutil que ele capta no coração da gente chamada simples lembra as flores e folhas passadas a limpo pela natureza, tão complexas em sua exatidão. Tudo é novo de novo, e tocado de um alegre mistério, sem embargo do trágico de certas situações. E mais uma vez, não facilitem com o Rosa: ele diz sempre ‘outra coisa’ além do que está dizendo; sua arte não fica nas palavras, vai à captação do sentido metafísico do universo." Carlos Drummond de Andrade. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1962

Um último comentário: Eu mesma (e só eu própria) me surpreendo com o trabalho que eu fiz nesse doutorado. Todos os textos de recepção das estórias guardados por Rosa (cerca de 300) estão transcritos e organizados em  planilhas comentadas, por isso é bem fácil encontrar o que se quer nesse material...
Será que um dia eu serei tão feliz com um trabalho como fui nesse, que nem sentia como um trabalho, mas um enorme deleite?

sábado, 19 de setembro de 2015

Aurora começa a falar, pelo "Papai Pop" Marcos Piagers


Dicionário infantil da língua portuguesa – edição revisada e atualizada
            Aurora está começando a falar. Ela já entende tudo o que a gente fala, como por exemplo, “Aurora, pega uma cerveja gelada pro pai”, mas ainda não formava frases até semana passada, quando me viu fazer que um vídeo em câmera lenta no iPhone e soltou um “QUE LEGAL!”,para delírio dos donos dela, a saber, eu e a minha mulher. A Aurora é uma das coisas mais legais que a gente já fez, sem dúvida.
            Então ela começou a juntar as palavras e ontem já estava dizendo “Papai, vem toma cacaco comigo”, que significa “Papai, vem tomar suco comigo”. Sei disso porque ela estava tomando suco, mas a frase seria a mesma para água, piscina ou banho. Tudo é cacaco. Uma sutil diferença para “papato”, que significa “sapato” e vale para sapatos, tênis, chinelo, botas e até crocs, mesmo que este seja um item proibido aqui em casa (minhas filhas consomem escondidas, incentivadas pela minha mulher. Alô juizado de menores!).
            Todos os animais de quatro patas são “auau” e todos os animais que voam são ‘cocó’. Todas as crianças são ‘nenê’, mesmo que sejam maiores que a Aurora. As únicas pessoas que têm a honra de terem palavras exclusivas são “Papai”, “Mamãe” e a Galinha Pintadinha, que é a terceira ‘pessoa’ que Aurora mais vê e, portanto, tem a alcunha exclusiva de ‘popó’. A Galinha Pintadinha é a melhor babá que já tivemos, aliás. Acalma a Aurora como ninguém e não cobra décimo terceiro. A Super Nanny perdeu seu emprego depois do advento da Galinha Pintadinha.
            É uma fase deslumbrante para os pais, essa dos quase dois anos. Se ela tivesse dez anos e falasse desse jeito ia ser mesmo preocupante, mas como ela parece uma anã falante de pijama pela casa,  qualquer grunhido emociona. Isso até você descobrir que a filha do vizinho  já fala “eu te amo, papai”. Estamos precisando atualizar o dicionário, Aurora.
                           Marcos Piangers. In: “Papai é pop”, p. 71-2

            

domingo, 13 de setembro de 2015

Caminhos de Van Gogh e Caminhos de Minas Gerais

Vejamos esta foto da Serra do Cipó em Minas Gerais, feita pelo fotógrafo  Alberto Andrich

Ela me remeteu ao famoso quadro de Van Gogh, Campo de trigo com corvos :


Belezas ...

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Homenagem de Milton Nascimento a Fernando Brant

Bituca fala sobre Fernando Brant
(Publicado no Facebook )


A última vez em que estive com Fernando foi a menos de seis meses, em minha casa, no Rio. Ele chegou junto com outro grande amigo, Ronaldo Bastos, e foi uma noite como há muitos anos não acontecia. Passamos horas lembrando de histórias, canções, amigos e, principalmente, a amizade que nos guiava em todos estes anos em que passamos juntos. Eu já sabia que Fernando estava com um problema de saúde, mas em nenhum momento falamos disso naquela noite. Não precisava. Fernando esteve ao meu lado nos acontecimentos mais importantes da minha vida. E isso já era o suficiente a ser lembrado.

Em meu último show, em Santos, no dia 5 de junho, uma jornalista pediu para eu contar uma história, qualquer uma. Não sei como, mas automaticamente comecei a falar do Fernando, e de quando eu estava em São Paulo, e fiz três músicas no mesmo dia: “Pai Grande”, “Morro Velho” e “Travessia”, esta última, a que levei para Fernando Brant fazer a letra em Belo Horizonte. O resto é história. 

Sem ele, as coisas não teriam acontecido desta maneira. Nenhuma palavra do mundo é capaz de descrever o quanto eu sou agradecido por ele ter feito parte da minha existência. 

Obrigado Amigo, muito obrigado; 

(BH, 13\06\2015)

sábado, 5 de setembro de 2015

Amor de fã e Marcelo Jeneci

Sem muitas expectativas eu sigo o Marcelo Jeneci no Facebook. Outro dia vi a chamada "escreva como conheceu Jeneci e a sua história com ele", pois queriam reunir todos os depoimentos em um livro e entregar de presente para ele no final do ano. Eu fiz isso, de maneira bem informal, achei que não iam escolher o meu depoimento para o livro. Mas qual não foi a minha surpresa quando vi que eles o divulgaram na rede? rsrsrs

terça-feira, 25 de agosto de 2015

História em Walter Benjamin

"A recepção de Benjamin, principalmente na França, estava voltada prioritariamente para a vertente estética de sua obra, com uma tendência a considerá-lo sobretudo um historiador da cultura. Ora, sem neglicenciar esse aspecto de sua obra, é preciso reconhecer o alcance muito mais amplo de seu pensamento, que visa nada menos do que uma nova compreensão da história humana. Os escritos sobre arte e literatura podem ser compreendidos somente em relação a essa visão de conjunto que os ilumina a partir de dentro. Sua reflexão constitui um todo no qual arte, história, cultura, política, literatura e teologia são inseparáveis"
 Michel Löwy. Introdução a 'Walter Benjamin: aviso de incêndio- uma leitura das teses sobre o conceito de história", p. 14  

Concordo com o exposto. Mas, como  historiadora,  o Benjamin 'historiador da cultura' me chamou sempre a atenção, claro,  mas o que me encanta mesmo é  sobretudo o teórico. É pelas especulações teóricas que eu penso ser possível abordar todos os aspectos possíveis no que tange a arte, história, cultura, política, literatura e teologia. 
Além disso, essa teoria também pode abrir caminho para se pensar uma outra modalidade que, à época benjaminiana, não era assunto de interesse da historiografia: a história da criança.

A vida do meu pai morto

Hoje faz um mês que meu pai faleceu e, pela primeira vez desde então, eu sonhei com ele. Sonhei uma verdade que tenho vivido esses dias todos: ele estava morto, mas também vivia, abriu os olhos e falou para mim:
"bom dia, meu amor" !
Acordei e não chorei. Pelo contrário., sorri o meu mais belo sorriso, porque a vida é um mistério belíssimo que a gente não apreende racionalmente!


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Ricardo Aleixo e a ancestralidade

Primeiro chegou a mim a fala de Ricardo Aleixo nesse vídeo:

"... ter convivido com meus pais, que foram as duas pessoas mais admiráveis que eu já tive a chance de conhecer,  significou a a possibilidade de pensar a ideia de ancestralidade não  como é comum a boa parte dos negros no Brasil - pensar em uma África mítica - a minha África é a minha casa. E pensar, também, a partir do momento em que foram nascendo os filhos ... foi o momento em que eu comecei a pensar na ancestralidade não como aquilo que está dado, mas a partir da poética da cosmogonia africana : ancestre é também aquele que ainda não veio e isso é o que determina a circularidade e a sobreposição dos tempos ..." (27' e 29')

Depois tem o poema:

ANCESTRAL
é quem
vive no meio
do tempo
sem tempo:
é quem veio
e já foi
e é também
quem
ainda não
veio

Ricardo Aleixo, poeta das minhas performances! 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O luto lento


Não faz nem um mês ainda, mas foram tantos os acontecimentos que parece que só agora eu eu vou realizando a perda definitiva do meu pai e estou entrando nessa realidade ... e sinto o luto como o Miguilim sentiu o de Dito, porque o meu Rosa sabia das coisas:
Quando chegava o poder de chorar, era até bom - enquanto estava chorando, parecia que a alma tôda (sic) se sacudia, misturando ao vivo tôdas (sic) as lembranças, as mais novas e as muito antigas.Mas, no mais das horas, êle (sic) estava cansado. Cansado e como que assustado. Sufocado. Êle (sic) não era êle (sic) mesmo. Diante dêle (sic),as pessoas, as coisa s , perdiam o pêso (sic) de ser. "
 João Guimarães Rosa, Campo Geral, p. 79.