quarta-feira, 23 de setembro de 2020

"O Enredo de Aristóteles", Camarões/UK , 1996, direção Jean-Pierre Bekolo

cartaz em francês

 

Sinopse

            Em uma cidade africana, um grupo de pretensos fora da lei se reúnem para assistirem filmes no que chamam Cinema África todos os dias, o dia todo, inúmeros filmes de aventura estrageiros. Seus nomes, apelidos, são retirados desses filmes - Cobra, Bruce Lee, Nikita, Van Damme, etc – e sua vida gira em torno dessa prática cinematográfica.
foto da entrada do Cinema África


Certo dia retorna à cidade um cineasta, que havia ido estudar na França (coisa muito comum entre os realizadores africanos) e ao voltar não se enquadra ao tipo de gente em torno do cinema em seu país, então inicia uma busca para mobilizar o governo para diminuir as importações de Hollywood feitas pelo Cinema África, “substituindo Schwarzenegger por Sembène”.

O Filme          

O narrador do filme (o diretor?) explica que contou ao seu avô que foi convidado para produzir uma narrativa sobre os cem anos de cinema, o que de fato aconteceu com Bekolo que foi convidado pelo British Film Institute BFI a produzir um documentário sobre os cem anos do cinema, abordando o  cinema africano, que na época tinha apenas 30 anos de idade. Achando desnecessário produzir um  documentário tradicional, Bekolo produz uma narrativa cheia de humor, sarcasmo, aventura para pensar a ideia de  “cinema africano”.

E.T.


E.T. - Para isso se escorou na ideia de narrativa mais clássica, a defendida na Poética de Aristóteles, e criou seu protagonista, Essomba Tourneur, ou E.T., um cineasta revolucionário, que foi preso por “se recusar a ser uma marionete” e por isso era visto como um artista maldito,mas ele mesmo achava que era um anjo, só que na verdade ele era mesmo UM ESPÍRITO AFRICANO, e só isso “explica o interesse de Deus nele”. Perseguido pela polícia, uma polícia caricata, era considerado um gangster e sobre ele o narrador nos alerta que :

“a melhor ferramenta para os fora da lei é sempre o cinema”, mas E.T. era um cineasta, ou seja, um “fora da lei que não tem personalidade para ser gangster”. Ele era “uma força poderosa que seu país precisava”, e quando voltou não entendeu nada, porque seu povo substituíram a realidade pelas histórias dos filmes e se identificava mais com Clint Eastwood do que com Kocobo em conflito com os espíritos. E como E.T, entendia de espíritos e de contradições,resolve declarar guerra aos pessoal  do Cinema África, que atrapalhavam o seu trabalho.

 

Os fora da lei do Cinema África

Eu gostaria muito de entender mais de cinema africano, de ter visto mais filmes, para entender melhor as falas e as citações, acabei só entendendo mais as menções aos filmes americanos ou europeus e, sobretudo, a Aristóteles. Sim, pessoal, nossa cabeça é ocidental, para tentarmos entender a África é preciso um longo caminho.  Como eu tenho sempre a esperança de que um dia vocês ainda poderão ver esse filme, não vou dar mais spoiler do final, só lembrar que o fim me remeteu um dos filmes africanos mais incríveis que vi na mostra do ano passado, o Espadas, é bem surpreendente. Mas sobre “O Enredo de Aristóteles”, quero transcrever uma fala questionadora, quase ao final , quando o narrador se afasta de o enredo de Aristóteles para falar do cinema africano e  volta a se lembrar de seu ancestral mais presente, seu avô, que o acompanha desde o começo, então ele diz essas fortes palavras:

O que é uma cerimônia de iniciação? Crise, confronto, clímax e revolução , som histórias, imagens, narração, ritmo. Tem alguma coisa ai, no cinema, que não seja africano? (...) Fantasia, mito, nós temos. Walt Disney, nós temos. O Rei Leão, nós temos. Sexo,ação, violência, nós temos. Massacres nós temos. Comédia, música, nós temos. Paul Simon, nós temos. Aristóteles, catarse, noz de cola, nós temos. O que não temos? Por que não temos uma Hollywood africana? Provavelmente  porque não queremos produzir nosso cinema fora da vida, porque quando se está fora da vida está morto. É como um parto de risco: Quem você escolheria, a mãe ou o filho? A vida ou o cinema? Por que quando o cinema se torna a sua vida, você está morto. Cinema está morto. Estamos todos mortos.”  (Jean-Pierre Bekolo . “O Enredo de Aristóteles”, Camarões 1996)

Por último um story que fiz no Insta assim que terminei de ver o filme: