a dama |
Quando emprestei estava muito calor no Sesc Pompéia |
Totalmente atrasada nas leituras, só fui escrever sobre o livro de outubro em meados de novembro e só depois disso escolhi a leitura do mês.
Nesse meio tempo vim lendo e relendo trechinhos de vários livros de estudo, especialmente o Segredos Guardados , do Reginaldo Prandi
Ou outros contos brasileiros como Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector
E isso vem me ajudando a viver.
Mas o livro do mês, mesmo, é outro.
Novamente emprestei o volume de contos Invenção e Memória, de Lygia Fagundes Telles, da biblioteca do Sesc Pompéia e achei que leria rapidinho. Só que não. Lygia é Lygia e é, para mim, uma das melhores escritoras do Brasil. Ainda não terminei a leitura, ela deve abarcar o mês de dezembro, pois não posso ler com pressa.
Só o primeiro conto, Que se chama solidão me desconcertou.
Memórias inventadas de uma menina interiorana abastada, cuja infância teria acontecido no século XX, como a de Lygia, entre os temas está sua relação com o suas babás, que chama de pajens,o conto é uma pequena joia, me dá vontade de aplaudir, como quase todos da Lygia.
O conto se desenvolve em torno de uma cantiga, da ciranda infantil "se essa rua fosse minha", que representa a relação da protagonista com as pajens. No conto é transcrito o trecho final
"Nesta rua nesta rua tem um bosque
Que se chama que se chama Solidão
Dentro dele dentro dele mora um Anjo
Que roubou que roubou meu coração "
Escrevi sobre o conto depois que li, recortei o seguinte trecho sobre os cabelos crespos de sua Pajem Maricota, que é negra
E quando a menina lhe pede para cortar mais cana (cana remete ao ciclo do açúcar, sustentado pelo trabalho escravo no Brasil colônia) ela reage enfurecida "pensa que sou sua escrava, pensa? A escravidão já acabou" (p. 10). Isso levou a menina a perguntar ao pai o que era escravidão, ele respondeu recitando uma poesia que falava de um "navio cheio de negros presos em correntes que ficavam chamando Deus"(p.10)
Apesar da explicação ter sido tão etérea, Maricota mostrou que não era escrava e fugiu com seu namorado trapezista, deixando sua "madrinha" , a mãe da protagonista, que nunca lhe ensina a ler e escrever, indignada com sua ingratidão.
A outra pajem, Leocádia ,era branca e afinada , era quem cantava como soprano, a ciranda que sintetiza o conto . Mas sua solidão não era menor, como a conclusão do conto nos mostrará.
Gosto das edições de Lygia da Cia das Letras, como mostrei acima, porque as capas trazem detalhes ampliados de quadros maiores, como enfocando temas importantes neles. Assim também é obra de Lygia são focos em realidades maiores, mostrando textos às vezes tão impalpalveis que nem parecem dizer nada. Mas como doem.
Nessa imagem da capa de Invenção e Memória o quadro me mostra a referência a ciranda de meninas no círculo pontuado de rosa à esquerda, vemos a indicação do sol negro entre os leques a direita. Ainda em relação à ciranda, no conto, a menina vai a procissão no sábado vestida de anjo, com asas de penas brancas, não de crepom como os outros e isso desperta sua soberba infantil.
Ainda sobre essa leitura eu postei:
LYGIA É LYGIA: Faz uma semana que emprestei o breve "Invenção e memória" , contos de Lygia Fagundes Telles da biblioteca do Sesc Pompeia. Ingenuamente achei que leria rapidamente, mas Lygia é Lygia, li apenas o primeiro conto "Que se chama solidão" e não consigo sair dele. Ali tem memória de infância ,meninas, escravidão, servidão, solidão das meninas, afetos e o mundo inexplicável dos adultos. Inesperadamente esse conto dialogou tanto com a literatura preto brasileira que conheço e está fresca em minha cabeça, especialmente o romance Torto Arado (2019) e a questão dos cabelos crespos, e da amizade meio agridoce entre meninas. Pensei aleatoriamente que gostaria de já ter lido mais Conceição Evaristo e preciso resolver isso. Mas pelas minhas referências atuais, lembrei mais do amor espinhoso das irmãs do romance de Itamar, do que da "menina bonita do laço de fita" de Ana Maria Machado, que é uma autora branca como Lygia. Estabelecer esse tipo de relação é pouco, mas é válido, afinal, estamos aprendendo a lidar com a literatura preto brasileira (como quer Cuti) e seu diálogo com os cânones e, como sabemos, Lygia é Lygia. Lygia é majestade, é referência (pelo menos pra leitora que sou).👏🏾
É só um conto. São tantas coisas e deve ter muito mais.
Viva Lygia, minha contista brasileira favorita 😍
Quando terminei a leitura escrevi :
INVENÇÃO E MEMÓRIA, DESPEDIDA: Terminei minha primeira viagem pelo breve porém denso livrinho de contos de Lygia, que visitei em novembro e dezembro. Contos inéditos de Lygia foi uma escolha ruim no fim do ano,quando estou física e emocionalmente esgotada, com certeza nem sempre aproveitei o melhor da obra, por isso devo voltar a ele mais tarde. Ao mesmo tempo esses contos me sustentaram nesse momento difícil do ano, quando no meio do calor extremo, das frustrações e do cansaço, sei que renasci ao ler pequenas joias como a quase cantiga infantil "que se chama solidão"; o quase conto de fadas mesclando memória, invenção e desejo de "a dança com o Anjo"; a citação a tradição de leitura e releitura de Machado de Assis em "Rua Sabará, 400", o quase onírico (amo narrativas de Lygia onde o real e o irreal se misturam, ou "a memória emerge como sobrenatural" como li na internet) como "a chave na porta"; belo e amargo "O Cristo na Bahia", citando diretamente o conto Príncipe Feliz de Oscar Wild "como se sobre ele tivessem espargido ouro em pó"; o libertador "história de passarinho", a fantástica história do vampiro que aprende a língua do ser que mordeu e que se apaixona por uma bela índia na época da colonização em "Potyra", etc.Quando voltar a esse livro, quando estiver menos desconcertada, espero olhar mais profundamente para outros contos e aproveitar melhor a obra dessa grande autora, pois ela sempre merece